Motivo de angústia em regiões afetadas pelo racionamento, a chuva que teima em cair esparsa e insuficiente há exatos 18 meses — desde novembro de 2019 — impõe uma rotina de escassez e dificuldades no Rio Grande. Na origem do problema, visível principalmente em reservatórios sedentos no Interior, está um velho conhecido dos habitantes do Brasil meridional: o La Niña.
Caracterizado pelo resfriamento das águas do Oceano Pacífico na Linha do Equador, o fenômeno climático altera o padrão dos ventos e reduz as precipitações, provocando déficit hídrico nas principais bacias do Estado.
Em todas elas, os volumes contabilizados nesses 18 meses ficaram abaixo da média registrada no período, considerando os últimos 30 anos (veja o mapa abaixo), segundo dados compilados pela Sala de Situação, ligada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura.
Referência em monitoramento e previsão das condições hidrometeorológicas no Estado, o órgão atua de forma articulada com a Defesa Civil, que enumera 130 municípios (26% do total) em situação de emergência devido à estiagem — 115 deles desde 2020. Nem mesmo o aguaceiro que despencou nesta sexta-feira (28) em algumas regiões é considerado suficiente para repor os estoques de forma integral.
— Desde novembro de 2019, quando começou a estiagem, tivemos períodos de melhora, mas com chuvas localizadas e não persistentes. Com essa situação predominando há tanto tempo, perdemos a resiliência dos corpos hídricos, e isso traz três principais impactos: afeta a geração hidrelétrica, ainda que de forma menos crítica do que no sudeste do país, causa desabastecimento, provocando grande incômodo à população, e, por fim, leva prejuízos à agricultura. Os impactos nas lavouras não têm sido tão fortes porque tivemos episódios pontuais de precipitação durante a safra de verão — explica a hidróloga Marcela Nectoux, da Sala de Situação.
As histórias testemunhadas ao longo da última semana pela equipe de GZH nos municípios de Fontoura Xavier, Ponte Preta e Frederico Westphalen, no Norte, confirmam os reflexos da escassez na prática. Com barragens, poços artesianos e nascentes prejudicados, moradores dependem do apoio de caminhões-pipa para superar a falta do precioso líquido nas torneiras. Quando chove, as condições até melhoram, mas os canos logo secam outra vez.
Essa característica é típica do La Niña, fenômeno que inibe a formação de nuvens carregadas, impedindo precipitações generalizadas e consistentes. As frentes frias, que nesta época do ano são os principais sistemas responsáveis por trazer umidade ao Estado, acabam sendo deslocadas para as áreas litorâneas e, como consequência, a chuva não atinge todas as regiões.
— No Rio Grande do Sul, tanto o La Niña quanto o El Niño (que é o aquecimento das águas do Pacífico e tem efeito inverso) influenciam muito o clima, dependendo da época do ano. Quando o La Niña se instala na primavera, temos o prelúdio de uma estação menos chuvosa, e é exatamente isso que vem ocorrendo. A boa notícia é que o fenômeno está se encerrando e podemos dizer que vamos passar por uma neutralidade climática, mas isso não vai durar muito — diz a meteorologista Cátia Valente, da Sala de Situação.
A maioria dos prognósticos, segundo a especialista, indica nova redução da temperatura na superfície do Pacífico a partir da primavera, que é justamente a estação mais chuvosa no Rio Grande do Sul e que poderia, enfim, recompor os reservatórios de forma satisfatória.
— Infelizmente, as perspectivas não são boas até o fim do ano — lamenta Cátia.
A previsão é corroborada pelo meteorologista Custodio Simonetti, do Instituto Nacional de Meteorologia.
— Junho deve ser um mês mais frio e seco, julho e agosto tendem a ficar numa faixa mais intermediária, com alguma neutralidade, mas, em setembro, a tendência é de que comece tudo outra vez. As modelagens de fato apontam o retorno do La Niña. Isso significa que a precipitação voltará a ficar abaixo do esperado. E não sabemos dizer até quando — afirma Simonetti, que atua no 8º Distrito de Meteorologia, em Porto Alegre.