A estiagem deste ano no Rio Grande do Sul atinge de forma diferente a população. Há cidades onde o maior problema é no abastecimento para os moradores, como no caso de Fontoura Xavier, no Norte, onde caminhões-pipa buscavam água em Soledade, a cerca de 30 quilômetros de distância, para colocar na rede da Corsan e abastecer as residências.
Já em Ponte Preta, município de cerca de 1,7 mil habitantes próxima a Erechim, água nas torneiras não falta. No entanto, o prejuízo é grande na agricultura e na pecuária. E há, também, aquelas localidades que são duplamente atingidas, como é o caso de Frederico Westphalen, que tem cerca de 32 mil habitantes.
O município é o 27º do Estado que mais tempo permaneceu em emergência por causa da falta de chuva nos últimos dois anos, segundo levantamento da Defesa Civil Estadual Foram 164 dias, no total. Falta água para moradores e também para os animais. Além disso, o prejuízo estimado nas lavouras de milho, feijão e soja chega a R$ 27 milhões, segundo o prefeito José Alberto Panosso:
— O transtorno é grande. É muito prejudicial. Todos os setores estão afetados, tanto para o consumo dentro da cidade quanto para o setor agrícola. Acontece num momento em que a economia estava começando a melhorar.
A Emater fez um levantamento que constatou perdas de 80% no feijão, 60% no milho e 15% na soja. Em relação ao leite, a entidade classifica o atual momento como caótico, em razão das sucessivas estiagens que comprometeram os estoques de silagem de milho e feno usados para a alimentação animal.
— Somente em 2021, o prejuízo na produção leiteira chega a R$ 1,62 milhão — exemplifica Matheus Stefanello, chefe do escritório da Emater no município.
De acordo com a Sala de Situação do governo do Estado, entre janeiro e abril deste ano, a precipitação na região norte foi de 430 milímetros. Significa que choveu 190 milímetros a menos do que a média para o período (632) na região. É o segundo ano de chuva abaixo da média para essa parte do Estado. Além disso, não chove significativamente há 90 dias na região.
A estiagem faz com que moradores do interior dependam de caminhões-pipa da prefeitura para ter água em casa. Além disso, a Secretaria de Agricultura faz o transporte de água para os animais das propriedades. No caso do abastecimento humano, alguns poços artesianos secaram. Já para os animais, a água que antes acumulava em açudes, hoje não é mais suficiente. Não há aquelas tradicionais imagens de terra rachada pela falta de água, mas o pouco que tem por causa da chuva em pequena quantidade e irregular, mal umedece o solo.
GZH percorreu propriedades rurais no interior de Frederico Westphalen. Ao passar por lavouras de milho, se percebe que o plantio não se desenvolveu. Na localidade de Linha São Francisco, acompanhamos um caminhão-pipa que levava água potável para os moradores. A transferência do reservatório para a caixa d’água de 10 mil litros levou alguns minutos. A água que ali chega desce por gravidade para as residências. São 80 caminhões por mês.
— Além da falta de água para a população do interior, falta água para aves, para o gado, para porco. A gente leva água para os animais com caminhões-pipa — relata Paulo Roberto Rodrigues, chefe do interior da Secretaria Municipal de Agricultura, se referindo a outro tipo de caminhão que busca água que não é a mesma distribuída para os moradores.
O agricultor Tiago Bolzan, 37 anos, começava a movimentar a máquina que é usada para o plantio do trigo. Está no período de entressafra. No solo, restava pouco do milho que conseguiu colher.
— A perda no milho chegou a 90% — lamenta o agricultor, que estava acompanhado do pai e do irmão no campo.
A família é responsável por cerca de 200 hectares na localidade Linha Balzan. Planta soja, milho, trigo e feijão. Conta que o feijão foi todo perdido e que o prejuízo na soja chegou a 70%.
— Estamos sem uma boa chuva desde setembro. Então, precisa chover, se não a gente não vai conseguir se recuperar — diz o agricultor.
Tiago está começando a plantar trigo agora para tentar colher entre setembro e outubro, torcendo que chova significativamente até lá.
— Decidimos plantar trigo, porque é mais rápido. Se a gente planta milho, quando chega lá em setembro e outubro, ainda não dá para colher. Então, vamos arriscar menos — explica ele.
Tudo que é plantado é vendido para uma cerealista da região. Como neste ano as perdas foram grandes, Tiago relata que o jeito foi reduzir os gastos e segurar investimentos.
— Estamos diminuindo os gastos em casa. Uma máquina dessas que a gente poderia trocar e comprar uma mais moderna, vamos ter que esperar — citava Tiago, apontando para o trator pulverizador que ele conduzia.
O irmão Tomas Antônio Balzan, 32 anos, é mais otimista. Diz que apesar do segundo ano com perdas, acredita numa melhora do cenário atual.
— No ano passado a gente pegou enchente, granizo, geada e agora a estiagem. Agricultor não pode se desestimular. É o nosso trabalho — ressalta o pequeno produtor, que, diferentemente de muitos na região, não sofre com a falta de água para consumo da família em razão de um poço artesiano que ainda resiste à estiagem.
A alguns quilômetros da propriedade da família Balzan, GZH encontrou Camila Faustino da Silva, 31 anos. Ao lado da filha, Laura, seis anos, contou que estava sem água para os animais e para consumo da família. Ao abrir a torneira do pátio, apenas um fio fraco saía.
— Só tem a água do cano. Estamos aguardando o caminhão da prefeitura — relata a produtora rural.
Segundo Camila, não há frequência no abastecimento da caixa d’água que abastece as residências da região e chega a ficar até três dias sem água.
— Isso quando o caminhão da prefeitura não estraga. Quando isso acontece, já tiveram vezes que ficamos até 15 dias sem água — conta Camila, ao explicar que, quando isso ocorre, precisa pegar água de balde e garrafas na residência da mãe, que fica próxima, para poder fazer comida e beber.
Camila e o marido são produtores de leite. Os 30 animais produzem cerca de sete mil litros por mês. O problema é que com a falta de chuva, o gado também fica sem água. Ela precisou fazer um financiamento para comprar um reservatório para buscar de trator água no açude mais próximo que não tenha secado para poder dar aos animais.
— A gente sabe que essa água não é a mais adequada, mas fazer o que se a gente não tem água suficiente para dar a eles — reclama.
Na propriedade, o pequeno açude que seria destinado para o gado beber está quase seco. Como alternativa à estiagem, Camila e o marido construíram um sistema de calhas no galpão onde ficam as vacas, que leva a água para um reservatório. Dali, conseguem dar aos animais. Isso se chover, o que tem sido raridade na região.
— Mas hoje, por exemplo, está vazio — resigna-se.