O caminhão-pipa da prefeitura de Fontoura Xavier distribui água para moradores da Linha Formigueiro uma vez por semana. Do centro da cidade até a comunidade são cerca de 10 quilômetros. O município de 10,3 mil habitantes no norte do RS é o que mais tempo permaneceu em situação de emergência entre 2020 e 2021, um total de 262 dias, segundo levantamento da Defesa Civil do Estado. Além do sinal de telefonia e de internet que mal não chegam na localidade, a água também é raridade.
A equipe de GZH esteve na comunidade na terça-feira (25) para ver de perto como é o dia a dia de quem não nem o abastecimento de água como algo da rotina. São famílias que precisam de poços artesianos ou fontes que brotam do solo para não necessitarem dos caminhões-pipa e de baldes de um lado para outro nas propriedades.
O agricultor Euzébio Onofre Rodrigues Pinheiro, 69 anos, mostrou à reportagem a nascente quase seca que ajuda a manter a água nas torneiras da residência. Diz que faz anos que a região sofre com a estiagem, mas que em 2020 e 2021 a situação parece pior.
— Tinha um olho d’água ali e já secou. Temos que economizar água. O nosso negócio é crítico — reclamava o agricultor, mas sem perder a simpatia.
Algo tão simples para boa parte da população urbana, ter água em casa é motivo de comemoração quando acontece com frequência na residência de Euzébio.
— Imagina só ir de noite no banheiro e não ter água, chegar para tomar um banho e não ter água? É o que acontece aqui. Quando tem, a gente aproveita — relata o aposentado, que ainda mantém algumas plantações na propriedade.
A filha de Euzébio, Mara Pinheiro, 40 anos, é professora da rede municipal de Fontoura Xavier. Vive numa residência ao lado da do pai, na Linha Formigueiro. O pequeno Kevin, três anos, filho de Mara, mesmo com pouca idade, parece ter entendido a importância da higiene para combater o coronavírus.
— Ele agora anda com álcool gel na mão dizendo que precisa matar o coronavírus — conta Mara.
A professora precisa percorrer 12 quilômetros até a escola na qual leciona, num bairro próximo à área central de Fontoura Xavier, boa parte do percurso de estrada de chão.
— Vocês não têm noção o que sobe de poeira aqui na nossa casa que é na frente da estrada quando fica tanto tempo sem chover — diz Mara, numa referência à estreita via de chão batido que corta a Linha Formigueiro.
Nesta terça, as caixas d’água que ficam numa elevada da propriedade rural estavam vazias.
— Não temos água. O caminhão da prefeitura vem só amanhã (quarta-feira) — resume a professora.
Para lavar roupa, Mara espera chover. Diz que somente dessa forma é possível puxar água da fonte:
— Quando não chove, vou na casa da minha irmã lavar. A minha irmã tem rede da Corsan.
Para consumo, Mara relata que precisa comprar água no mercado ou ferver a que tem na casa da irmã:
— Aqui em casa a gente passa a base de balde de um lado para o outro. Não dá para beber essa água do caminhão-pipa ou da fonte, quando tem. É muito suja.
Alguns metros a frente, Derli dos Santos Garcia, 58 anos, e a filha Andreina Garcia, 21, receberam a reportagem de GZH em sua propriedade. Diferentemente de Euzébio e Mara, ainda não sofrem com o desabastecimento. Um poço artesiano é compartilhado com um vizinho que possui um aviário.
— O problema é que parece que chove e some a água de vereda. Até os vizinhos aqui queriam água do poço artesiano, mas não dá, porque ainda temos que abastecer as galinhas. A gente fica com dó dos vizinhos, mas o que a gente vai fazer — resigna-se Garcia.
Andreina lembra que o problema de abastecimento da região vem desde a sua infância, mas que se agravou nos últimos anos.
— Chegou numa época, quando a prefeitura não disponibilizava caminhões-pipa, a gente tinha que se deslocar até uma nascente que ficava a cerca de oito quilômetros. Isso tudo com carrinho de mão e litros de garrafas pet que a gente trazia para consumo — lembra Andreina, ao reforçar que o poço artesiano resolveu esse problema mais severo enfrentado anos atrás.
As residências da Linha Formigueiro, assim como outras do interior de Fontoura Xavier, são abastecidas por poços artesianos e por fontes que brotam do solo. Quando essas duas opções secam, o jeito é esperar o caminhão-pipa da prefeitura chegar.
Caminhando pela área central de Fontoura Xavier se percebe que mesmo não estando em racionamento de água, a população tenta economizar o que pode. Keller Nadieska Borges da Silva, 22 anos, varria a frente de casa enquanto o filho Pedro Valentin, dois anos, brincava no pátio. Perto da garagem, dois varais de chão com bastante roupa recém-lavada estendida.
— Antes eu até lavava roupa com meia máquina ocupada. Agora, com isso que a gente está passando, eu espero acumular roupas para poder lavar — conta a jovem.
Outra medida tomada por Keller para tentar poupar água é não lavar o carro e o chão da casa com mangueira.
— A gente tem que dar exemplo para os pequenos para que lá na frente não falte água para eles também — ressalta.
O secretário municipal de Obras, Nelinho Quevedo, diz que a barragem da Corsan que abastece o município é insuficiente e que seguidamente fica seca.
— A barragem só tem água agora, porque choveu no fim de semana. Se vocês viessem aqui na semana passada, isso aqui estava tudo seco — relata Quevedo ao acompanhar a reportagem às margens da barragem que fica numa área afastada do centro da cidade.
Segundo a Corsan, caminhões-pipa vindos de Soledade, cerca de 30 quilômetros de distância, abasteceram a rede da companhia entre 29 de abril e 23 de maio, período em que a barragem esteve seca. Com a chuva do último final de semana, o reservatório encheu e já é possível puxar água do local para tratamento e distribuição aos moradores da cidade.