A duas semanas do primeiro júri do incêndio na boate Kiss, a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) enfrenta dificuldades que vão além das reviravoltas jurídicas do caso: até a manhã desta segunda-feira (2), a vaquinha virtual criada pela entidade para custear as despesas de parentes dos mortos no período do julgamento atingiu apenas 8,6% da meta.
Criada no início de fevereiro, a campanha de arredação na internet tem o objetivo de auxiliar nos custos com alimentação, deslocamento e hospedagem das famílias. Conforme a associação, são esperadas pessoas de 75 cidades, em cinco Estados.
Com o dinheiro, a AVTSM também pretende montar duas tendas próximas ao local do júri, no Centro de Convenções da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), para reunir o grupo e oferecer suporte médico.
A meta da associação é arrecadar R$ 30 mil, mas, por enquanto, a verba amealhada não passou de R$ 2.585, com doações de 32 apoiadores.
— Esperamos que o resultado melhore nos próximos dias. Nosso objetivo principal era de que a ajuda viesse principalmente de Santa Maria, mas, se isso não for possível, que venha de onde for. Estamos precisando de apoio e contamos com a solidariedade das pessoas. Essa é uma preocupação a mais nesse momento difícil — desabafa Flávio Silva, presidente da AVTSM.
Sete anos depois da tragédia que comoveu o país, Santa Maria segue exigindo respostas da Justiça, mas já não esconde a fadiga. Com o passar do tempo, o município passou a se debater em sentimentos contraditórios, que transitam entre a indignação e o desânimo. A população divide-se entre os que permanecem solidários às famílias e aqueles que se cansaram do luto sem fim. Há até quem critique a associação por não deixar o assunto cair no esquecimento.
O fato é que, agora, o julgamento é visto por especialistas como uma chance de virar a página, ainda que o desfecho esteja longe do esperado pelos parentes das vítimas. Marcado para 16 de março, o primeiro júri envolverá apenas um dos quatro réus do caso: Luciano Bonilha Leão, integrante da banda Gurizada Fandangueira.
À revelia de pais e mães dos mortos, os outros três acusados conseguiram na Justiça a transferência do júri para Porto Alegre, com ainda indefinida. O Ministério Público tenta reverter a decisão, mas, até agora, não teve êxito no intento.
— Ainda temos esperança de conseguir trazer os outros réus de volta a Santa Maria. Entendemos que eles devem ser julgados aqui, onde tudo aconteceu. Mas, se isso não for possível, vamos fazer de Porto Alegre a nossa casa. O dinheiro da vaquinha ajudará nisso também — projeta Silva.
Para ajudar a AVTSM a levantar recursos, basta acessar a página da campanha, preencher o cadastro e contribuir.
Quem são os réus e qual é a acusação
- Os réus no processo criminal que apura as circunstâncias do incêndio na Boate Kiss são os sócios da casa noturna, Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, e Mauro Londero Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos (vocalista) e Luciano Augusto Bonilha Leão (ajudante)
- Os quatro respondem a ação penal por 242 homicídios e por 636 tentativas, com dolo eventual (quando se assume o risco de matar)
Entenda as últimas decisões da Justiça
– Em outubro de 2019, o juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, determinou que os quatro réus do caso fossem julgados em Santa Maria, em dois júris, marcados para 16 de março e 27 de abril de 2020.
– Em dezembro de 2019, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça (TJ) decidiu que Elissandro Spohr, o Kiko, seria julgado em Porto Alegre, em data a ser definida, atendendo a pedido da defesa. O advogado Jader Marques argumentou que o desaforamento (transferência para outra comarca) evitaria tumultos e garantiria imparcialidade ao júri.
– Na mesma decisão, a 1ª Câmara do TJ definiu que os outros três acusados teriam júri conjunto em Santa Maria.
– Em 16 de janeiro de 2020, o juiz Louzada confirmou a data do julgamento dos acusados Luciano Bonilha Leão, Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Hoffmann em 16 de março de 2020. O júri será no Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), às 10h.
– No mesmo dia, a defesa de Santos pediu para que, como Kiko, ele seja julgado em Porto Alegre. O pedido foi negado em caráter liminar e deve entrar na pauta da 1º Câmara do TJ. Não há data definida.
– Em 21 de janeiro, o Ministério Público entrou com recurso solicitando que Kiko seja julgado em Santa Maria, junto dos outros três réus, mantendo a data prevista (16 de março). O pedido foi feito à 2ª Vice-Presidência do TJ, para que seja remetido ao Superior Tribunal de Justiça.
– Por meio de nota, o advogado de Kiko lamentou o fato e declarou que "a possibilidade de julgamento ainda neste primeiro semestre de 2020 tornou-se impossível".
– Em 22 de janeiro, foi a defesa de Hoffmann que ingressou junto ao TJ com pedido de desaforamento, negado em caráter liminar. Agora, deve entrar na pauta da 1ª Câmara do TJ. A defesa de Hoffmann também aguarda julgamento do recurso que moveu junto ao STF contra a decisão que levou os réus a júri.
- Em 28 de janeiro, o TJ negou o pedido de suspensão da decisão que determinou que o julgamento de Kiko seja em Porto Alegre.
- Em 12 de fevereiro, a 1ª Câmara do TJ decidiu que, além de Kiko, Hoffmann e Santos serão julgados em Porto Alegre.
- Em 28 de fevereiro, o MP ingressou com dois recursos no TJ. Em um deles, pediu que nenhum julgamento ocorresse até ter uma decisão final sobre a comarca onde todos os réus serão julgados. No outro, solicitou que os quatro sentem juntos no banco dos réus na cidade onde ocorreu a tragédia.