A qualidade do asfalto utilizado pela Concepa na conservação da BR-290 (freeway) está na mira do Tribunal de Contas da União. Documentos apreendidos pela Polícia Federal (PF) durante a Operação Cancela Livre, no ano passado, apresentam indícios de que a concessionária teria adulterado resultados sobre o desempenho do material utilizado na rodovia.
A concessão previa que o pavimento deveria durar ao menos oito anos após o fim do contrato, apenas com pequenos reparos. As apurações mostram que levantamentos periódicos realizados pela Concepa chegaram a identificar problemas na qualidade do serviço. Porém, ao informar a situação à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a empresa alterou os resultados. Os responsáveis pelo estudo do TCU foram ao Rio Grande do Sul verificar as condições da freeway.
– Estava estabelecido que, terminando o contrato, aquele pavimento teria de durar oito anos. É uma exigência contratual. Pelos ensaios a que a gente teve acesso, temos a indicação de que isso não vai ocorrer – destaca o diretor da Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária do TCU, Fábio Amorim.
No servidor de dados da Concepa, a PF encontrou uma pasta denominada “Análise monitoração 2016”, com um documento atribuído à freeway, sob a sigla “FWD”. Dentro deste arquivo, havia outros dois, denominados “ANTT” e “ORIGINAIS”. Comparando os resultados dessas duas pastas, os auditores observaram resultados diferentes para as mesmas amostras.
“Notou-se que os levantamentos de campo realizados pela Concepa, no ano de 2016, apresentam resultados qualitativos do pavimento aquém das exigências mínimas do Programa de Exploração da Rodovia. Apesar disso, as comunicações feitas pela Concepa à ANTT, acerca desses resultados, mostram valores totalmente em acordo com os critérios de qualidade exigidos”, diz o relatório elaborado pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura Rodoviária do TCU.
Na renovação do contrato, foi exigida da concessionária a prestação de serviços de monitoração, operação e conservação da rodovia, de acordo com parâmetros estabelecidos no contrato original.
Diante dessas considerações, os técnicos entendem que a extensão do vínculo, em 2017, foi autorizada pela ANTT mesmo havendo pendências na conclusão de investimentos por parte da concessionária. A conclusão estará no relatório que os técnicos ainda irão submeter ao plenário do TCU.
O trabalho do TCU avançou após a PF fornecer documentos apreendidos em agosto do ano passado, na Operação Cancela Livre. A ação apura possíveis fraudes e desvio de recursos públicos na execução da obra da quarta faixa da freeway, no trecho entre Porto Alegre e Gravataí. A intervenção foi custeada com recursos da União, sem prévia licitação. Os policiais federais encontraram indícios de superfaturamento de preços, que pode chegar a R$ 100 milhões.
Procuradas, ANTT e Concepa não quiseram dar entrevistas, mas enviaram manifestações através de notas. Leia abaixo.
O que disse a ANTT
A Agência assumiu a responsabilidade de administrar o contrato de concessão da BR-290/RS, conhecida como freeway, firmado em 1997 entre a União e a Concepa. Desde a sua criação, em 2001, a ANTT tem atuado no sentido de aperfeiçoar a regulação dos contratos de concessão federais. O processo de estruturação da Rodovia de Integração do Sul (RIS) é um exemplo nesse sentido. Diversas lacunas regulatórias foram preenchidas, oferecendo novos instrumentos para que os contratos sejam mais rigorosos mas, ao mesmo tempo, suficientemente dinâmicos para atender às mudanças que ocorrem ao longo dos 30 anos de concessão. Em agosto de 2017, os estudos da RIS foram finalizados e protocolados no TCU, com vistas à sua análise, para a publicação do edital de concessão. Foram realizadas diversas reuniões com o Tribunal, e os posicionamentos técnicos do TCU sobre a questão adentraram em temas regulatórios controversos e complexos, o que resultou em inovações em diversos pontos do contrato, gerando importantes avanços no modelo regulatório. Quanto as questões tarifárias levantadas:Para cada concessionária existe, anualmente, uma data em que reajustes e revisões tomam efeito. O reajuste refere-se ao repasse da inflação, medida pelo IPCA. A revisão ocorre mediante avaliação de eventos que desencadeiem desequilíbrios na equação econômico-financeira contratual. Com base nos contratos e nas Resoluções ANTT nos 675/2004, 1187/2005 e 3651/2011, avalia-se o mérito desses eventos e, caso sejam procedentes, calcula-se os impactos tarifários. As informações específicas com as avaliações das concessões são publicadas na página de cada concessionária, em http://www.antt.gov.br/rodovias/Concessoes_Rodoviarias.Diferentemente de obras públicas rodoviárias, as concessões federais do setor utilizam modelo regulatório de price-cap. Ou seja, a partir da tarifa ofertada em leilão pela companhia vencedora, anualmente se aplicam reajustes e revisões para definição da tarifa teto a ser praticada. Nunca coube no modelo, desde sua origem nos anos 1990, aferição de orçamentos de obras ou quaisquer outros custos, como operação e conservação. Por força da matriz de riscos contratual, variações de custos para consecução de obrigações cabem exclusivamente às concessionárias. A avaliação das companhias é baseada em aferição dos parâmetros desempenho de suas entregas, não em gastos para execução. As informações sobre custos são obtidas a posteriori pela ANTT, por meio de demonstrativos contábeis. Por meio desses, constata-se que os custos por faixa da CONCEPA estão em linha com os das demais concessionárias da 1ª etapa de concessões rodoviárias federais, ocorrida nos anos 1990. Como ocorre para qualquer companhia aberta, as auditorias das informações contábeis são efetuadas por empresas especializadas de auditoria independente, autorizadas a operar e reguladas pela CVM. Relatórios e demais informações contábeis são regularmente publicados nos sítios eletrônicos das concessionárias e da CVM. No caso das concessionárias geridas pela ANTT, os relatórios anuais também constam na página http://www.antt.gov.br/rodovias/Relatorios/Relatorios_Financeiros.html.Desse modo, ultrapassam a esfera de atribuições da ANTT as questões relacionadas à elaboração dessa documentação, assim como a manifestação acerca de investigações realizadas por outros órgãos. Cabe lembrar finalmente que a ANTT tem como uma de suas finalidades harmonizar os interesses dos usuários e das concessionárias de rodovias federais, considerando a necessidade constante de conservação e investimentos nas rodovias, além da manutenção da segurança e do conforto dos usuários durante a sua utilização.
O que disse a Concepa
A Triunfo Concepa esclarece que ao longo dos 21 anos de concessão as tarifas de pedágio foram estabelecidas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres. Durante o prazo original, os primeiros 20 anos, a tarifa foi a resultante de um processo de licitação. Em relação aos valores praticados no último ano de concessão, quando houve extensão do contrato pelo prazo de um ano, por decisão da agência reguladora, a tarifa foi calculada pela própria agência, sem gerência da Concepa, que apenas concordou com a tarifa resultante do método de cálculo adotado pela ANTT. Ainda, de acordo com a modelagem da concessão, os valores efetivamente gastos em manutenção, conservação e investimentos, além do risco do tráfego, sempre foram riscos da concessionária, e sua eventual variação não acarreta impacto na tarifa de pedágio. A Triunfo Concepa é uma empresa privada, com balanço financeiro auditado e publicado anualmente, disponível no site da empresa, com contrato que definia a tarifa, e não o lucro da concessionária. Quanto ao pavimento do trecho que era concedido à empresa, todo o trabalho desempenhado pela concessionária foi fiscalizado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres durante os 21 anos de concessão. Na última pesquisa da Confederação Nacional do Transporte, divulgada em novembro de 2017 – um dos mais relevantes e rigorosos estudos sobre as condições de rodovias em todo o país – o trecho então concedido, que totalizava 121 quilômetros, foi avaliado como “ótimo” em 104 quilômetros e como “bom” em cerca de 17 quilômetros. Por fim, sobre as alegações da unidade técnica do Tribunal de Contas da União, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do mandado de segurança nº 35.715, impetrado pela Triunfo Concepa, decidiu suspender todas as deliberações da corte de Contas, em razão da ocorrência de graves vícios processuais que violaram direitos da concessionária. Esses vícios comprometem toda a instrução daquele feito e a consistência dos elementos nele colhidos.