A uma semana da abertura das Olimpíadas, Zero Hora segue com a série que retrata grandes atletas do Brasil e do Exterior. Depois da ginasta Rebeca Andrade, a nadadora Katie Ledecky, a skatista Rayssa Leal, a ginasta Simone Biles, o velocista Alison dos Santos, o saltador Armand Duplantis e as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze, confira a trajetória da judoca francesa Clarisse Agbegnenou.
Peito de atleta olímpica sempre tem espaço para mais uma medalha e há lugar não apenas para os símbolos do triunfo. Também existe espaço para a maternidade. Nos últimos meses, quem viu Clarisse Agbegnenou derrubar adversária atrás de adversária no tatame, não imaginava que por baixo do quimono havia o corpo de uma mãe.
Clarisse lida bem com a relação entre esporte e maternidade. A nova fase mudou a liturgia das suas vitórias. Antes da medalha, a amamentação. No mais recente dos seus seis títulos mundiais, em 2023, entre a vitória na final e a cerimônia de premiação, alimentou a filha. A petit Athena pouco se importava com o suor caindo sobre si a cada mamada. Tinham se passado 11 meses desde o parto e a lutadora estava de volta ao topo do mundo do judô. Desde que a filha veio ao mundo, ficou difícil dizer se a bebê mama entre um treino e outro, ou se a mãe treina entre as amamentações.
Mesmo que desde a primeira participação feminina nos Jogos Olímpicos, na segunda edição do evento, em 1900, mães compitam pela glória, aliar a vida de atleta com a de mãe ainda se apresenta como um tabu. Tanto que Clarisse montará um esquema especial para dormir com Athena.
— Minha vida mudou bastante. Ser mãe e atleta de elite é difícil. O primeiro ano foi muito difícil. Voltei mais forte, mas meu corpo estava completamente diferente. Como ainda amamento, é difícil ganhar massa muscular — comenta em contato com Zero Hora.
A judoca passará o dia com suas colegas de seleção francesa. À noite, não ficará na Vila Olímpica com as colegas. Crianças são proibidas de entrarem no local. Ficará em um lugar próximo para poder dormir com Athena, ainda sem ter concluído o desmame:
— Eu entendo, se todo atleta levar o filho para a Vila, pode ser difícil porque pode incomodar outros atletas. Vou dormir perto da Vila com minha filha. Minha mãe estará comigo e me ajudará. Será perfeito para mim, porque não quero dormir sem minha filha que ainda mama. Quem sabe a Vila, no futuro, não tenha um prédio apenas para mães com filhos. Podiam pensar nisso.
Na França, as crianças não querem ser fortes como Hulk, preferem ser fortes como Clarisse. A explicação para ter tanto vigor apesar dos 1m64cm está nos treinos. Depois de fazer o seu treino, ela luta contra judocas masculinos.
Sua superioridade é tão grande que assustou a não vencer este ano o Mundial de Abu Dhabi. Ciente do que pode fazer no tatame, admitiu que não levar o ouro em casa será uma decepção.
Há três anos, em Tóquio, sem bebê para dar colo, era a bandeira francesa que tinha nas mãos na cerimônia de abertura. No Budokan, o maracanã do judô, conquistou dois ouros olímpicos — um individual e um por equipes.
Ainda tem um bronze na Rio 2016. Filha de pais togoleses, mantém relação estreita com o país africano. Suas vitórias são festejadas formalmente pelo governo togolês.
A simpatia nos bastidores e o carinho com a filha contrastam com a pegada mais impetuosa do começo da carreira. Ainda uma promessa do judô francês, Clarisse, então com 20 anos, se envolveu em uma briga fora dos tatames com direitos a golpes proibidos até no vale tudo.
Em 2013, ela e outros colegas invadiram o quarto da também judoca francesa Anne Fatoumata M'Bairo. Uma briga ferrenha e, aos olhos da justiça, desigual. Anne-Fatoumata lesionou o ombro direito e as pernas, além de ter fios de cabelos arrancados e sofrido com náuseas por dias.
A contenda levou Clarisse ao banco dos réus. No ano seguinte, foi sentenciada a cumprir 70 horas de serviço comunitário e a pagar 2.780 euros a Anne-Fatoumata.
Mais de década depois, Clarisse é experiente, campeã mundial, campeã olímpica, mãe da Athena. Ela não quer briga com ninguém, a não ser no tatame, enquanto Athena espera para para receber mama antes de Clarisse colocar mais uma medalha no peito.