A poucos dias da abertura das Olimpíadas, Zero Hora segue com a série que retrata grandes atletas do Brasil e do Exterior. Depois da ginasta Rebeca Andrade, a nadadora Katie Ledecky, a skatista Rayssa Leal, e a ginasta Simone Biles, conheça nesta quarta (10) a trajetória de Alison dos Santos.
O Rodrigo Oliveira, repórter da Rádio Gaúcha, suou de nervoso após a final dos 400m com barreiras dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Ele estava frente a frente com Alison dos Santos, e nesses desencontros da vida calhou de que o momento se deu quando o espaço comercial estava no ar.
Restavam mais dois minutos de publicidade. Acostumado com a impaciência dos jogadores de futebol, Rodrigo temeu perder a nova estrela do esporte brasileiro.
Mostrou no celular a conversa com a produção que pedia para que Alison não continuasse no ritmo da prova e saísse correndo. O medalhista de bronze mandou uma mensagem de áudio em resposta.
— Fica tranquila. Tô cansado. Se eu sair correndo, o Rodrigo me alcança.
Piu, como é apelidado, se apresentou ao Brasil como um extrovertido e humilde campeão. Antes da largada, quando os competidores são apresentados, dança, flerta com a câmera, agita a galera nas arquibancadas. A imagem contrasta com a personalidade da criança introvertida crescida em São Joaquim da Barra-SP. Tão tímido a ponto de não querer praticar o atletismo.
A família de Alison apagou as velas do seu primeiro ano de vida dentro de um hospital. Aos 10 meses de idade, ele puxou sobre si uma panela recheada de óleo quente. As cicatrizes são visíveis. Nos primeiros anos de vida, ele se escondia atrás de bonés para tapar as marcas do acidente. As mais evidentes são a falta de cabelo em parte da cabeça e um naco de pele mais escuro no lado direito do rosto.
Enquanto travava uma luta interna para se aceitar, praticava artes marciais, como judô e kung fu. Pouco se interessou ao receber o primeiro convite para conhecer o projeto social de atletismo de sua cidade natal. Foi vencido pela insistência. E ganhou o apelido em referência a outro aluno que tinha a alcunha de Piu. Alison virou um fenômeno. Do outro não se ouviu mais um pio.
Provavelmente, se Piu saísse correndo por não esperar aqueles 2 minutos, o Rodrigo teria uma chance de voltar para casa se gabando de ter corrido mais do que um medalhista olímpico. Não que ele tenha um fôlego avantajado por correr atrás de impacientes jogadores de futebol ou por ser um esforçado atleta de beach tennis, mas porque o seu entrevistado estava demasiado cansado.
O quebra-cabeça de Piu
Os 400m com barreiras estão entre as provas mais complexas do atletismo. Durante os menos de 50 segundos de prova, o corredor necessita dos três sistemas utilizados pelo corpo para produzir energia. Alison precisa, também, ter a velocidade de um velocista e a resistência de um meio-fundista dos 800m. Mas não é só fôlego, é muita cabeça.
Um montador de quebra-cabeças. Isso que Alison é. As pernas de flamingo que sustentam seus 2m de altura precisam transpor 10 barreiras, com 91,4cm de altura, separadas por 35 metros uma da seguinte. Cada passada é uma peça que precisa se encaixar na próxima para chegar ao obstáculo sem ajustes. Assim, o salto deve ser o mais baixo possível para transpor a barreira. Quanto mais tempo no ar, mais tempo se perde.
Disputa com norueguês
Sua corrida consiste em 20 passadas até a barreira inicial. Entre a segunda e a quarta, são 13. O encaixe seguinte prevê 12 passos, voltando, na sequência, para 13. A variação o obriga a dar um dos pulos com sua perna não dominante, artifício que não é usado por Karsten Warholm. O norueguês recordista mundial sempre transpõe o obstáculo saltando com a “perna boa”.
Desde a final nos Jogos de Tóquio, vencida por Warholm com quebra do recorde mundial, e com bronze para o brasileiro, os dois se esbarraram pouco nas pistas. Quando um estava saudável, o outro estava lesionado. Um desses encontros foi no mundial 2022, nos Estados Unidos, vencido pelo brasileiro. Em junho passado dividiram a pista outra vez. Alison venceu a prova pela Diamond League, disputada em Estocolmo, e cravou a melhor marca do ano.
Se o quebra-cabeça da carreira de Alison se encerrasse no ponto final deste texto, formaria uma das grandes imagens do esporte nacional. No Brasil, além dele, somente Fabiana Murer ostenta o título de campeã mundial. Pelos 24 anos e o potencial, ainda faltam peças e peças a serem encaixadas. Uma delas será buscada em Paris. Se ele a tiver na mão após a prova, os repórteres podem ter certeza de que Piu esperará alguns minutinhos para falar. Montar o quebra-cabeças nos 400m com barreiras cansa.