No dia da abertura oficial das Olimpíadas, Zero Hora encerra sua série que retrata grandes atletas do Brasil e do Exterior. Depois da ginasta Rebeca Andrade, a nadadora Katie Ledecky, a skatista Rayssa Leal, a ginasta Simone Biles, o velocista Alison dos Santos, o saltador Armand Duplantis, as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze e a judoca francesa Clarisse Agbegnenou e a pugilista brasileira Bia Ferreira, confira a trajetória da jogadora italiana Paola Egonu.
Paola Egonu, jogadora da seleção italiana de vôlei, e seus dois irmãos, têm a miúda Cittadella como berço. Erguida entre muros, a comuna esteve escudada de guerras e invasões no nordeste italiano nos últimos oito séculos. A cerca de concreto de 14 metros de altura e dois metros de espessura se mostrou frágil para proteger Paola.
Maior nome do vôlei italiano, Egonu tem pais nigerianos, dois dos mais de um milhão de residentes africanos na velha bota. Ambrose, o pai caminhoneiro, nasceu em Lagos. Eunice, a mãe enfermeira, tem a Cidade de Benin como sua terra natal. Apesar das mesmas origens, os dois se conheceram no país de Sofia Loren. Tiveram filhos italianos. Não para todos. Há quem não a considere uma concidadã, mas uma negra africana.
Certo dia, na sala de aula, Engonu sentiu vontade de ir ao banheiro. Pediu para ir uma. Duas. Três vezes. Todas negadas pela professora. A pequena Paola não segurou as necessidades diante de toda a turma.
— Naquele momento a professora veio, riu de mim e disse: “Meu Deus, você cheira mal. Os negros fedem” — contou.
Ao retornar para casa e relatar para mãe o corrido, ouviu uma frase que a ajudou a ser a jogadora que é:
— Você sempre será a melhor, sempre limpa, sempre comportada no jeito de falar, sempre perfeita porque eles virão atrás de você — disse-lhe Eunice.
Eles foram. Na escola. No supermercado. Nas arquibancadas. Nas redes sociais.
Seu pai pensou em em levá-la para os Estados Unidos para aproveitar a altura dela no basquete. Foi dissuadido da ideia, foi convencido de que as pernas de girafa e os braços de polvo formavam o biotipo perfeito para o vôlei. Características lhe permitem atacar uma bola na saída de rede a 3m45cm de altura, disparando a bola a 116 km/h.
Luta contra o preconceito
Sua qualidade e seus 1m93cm a tornaram um alvo fácil para os racistas. A cor da pele não é o único preconceito que enfrenta. Defende também a causa LGBTQIA+. Seus relacionamentos, primeiro com uma jogadora e depois com um jogador, fizeram as páginas de fofocas estamparem sua imagem.
Seu sorriso também moldou páginas mais nobres. É garota-propaganda da Emporio Armani, famosa empresa italiana de moda. Também foi apresentadora do prestigiado festival de música de Sanremo. Em 2019, foi eleita a mulher do ano pelo jornal La Repubblica. Participou como apresentadora do Le Iene, um dos programas mais famosos da televisão italiana. Foi a porta bandeira italiana na Olimpíada de Tóquio.
— Não gosto dos rótulos que as pessoas colocam em mim. Preferem me julgar por quem amo, pela cor da minha pele, pelo meu passaporte. Eu não suporto isso e se você realmente quer colocar um rótulo em mim, só há um que eu posso usar: livre — discursou em seu solilóquio na atração.
A precocidade também a deixou exposta. Aos 25 anos, ela disputará em Paris a sua terceira Olimpíada. Foi ao pódio com a Itália em sete grandes competições, mas engasgou nos Jogos do Rio de Janeiro e Tóquio.
Após conquistar o bronze no Mundial de 2022, foi vista aos prantos ao lado de seu empresário. Decidiu por dar um tempo na azzurra. Os ataques fizeram o então primeiro-ministro italiano Mario Draghi sair em sua defesa. Nas redes sociais, desabafou:
— Perguntaram-me por que sou italiana, esta foi a minha última partida. Estou cansada.
No fim, a Itália descobriu que precisava de Egonu, e Egonu que precisava da seleção. A reconciliação não foi simples. Ela foi convocada para o Campeonato Europeu do ano passado. Pouco jogou. Ficou fora do Pré-Olímpico. Retornou este ano para disputa da Liga das Nações, já com o retorno de Julio Velasco como técnico.
Egonu deu voz à personagem Esmeralda Brilha-Brilha na versão italiana do filme Soul. Em quadra, cada vez que ela brilha, dá voz a milhões que, como ela, estão cansados do racismo.