A dois dias da abertura oficial das Olimpíadas, Zero Hora segue com a série que retrata grandes atletas do Brasil e do Exterior. Depois da ginasta Rebeca Andrade, a nadadora Katie Ledecky, a skatista Rayssa Leal, a ginasta Simone Biles, o velocista Alison dos Santos, o saltador Armand Duplantis e as velejadoras Martine Grael e Kahena Kunze e a judoca francesa Clarisse Agbegnenou, confira a trajetória da pugilista brasileira Bia Ferreira.
O verbete "lutador" no dicionário Michaelis tem como definição: "aquele que luta ou se esforça para atingir um objetivo" ou "atleta que pratica algum tipo de luta". No boxe brasileiro poderia ser resumido em um nome próprio: Beatriz Ferreira. Natural de Salvador, Bia é bicampeã mundial, medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Tóquio e, em 2024, tornou-se a primeira brasileira a conquistar o título mundial no boxe profissional no peso leve.
Carreira praticamente completa, faltando apenas o ouro olímpico. Ela escreveu seu nome na história quando foi a primeira boxeadora do país a chegar a uma final olímpica. O primeiro lugar em Paris seria um feito ainda maior. Pouquíssima pressão para quem foi forjada na dificuldade. Na França, é cabeça de chave, classificada diretamente para a segunda fase sem a necessidade do primeiro confronto.
— Não levo como pressão, mas, sim, como incentivo. Eu me propus a estar em mais uma Olimpíada porque amei tudo que aconteceu em Tóquio, apesar de não sair com o ouro, que eu sabia que tinha competência. Por isso, eu não desisti — revelou Bia.
A paixão de Bia pelo boxe vem do berço. O pai dela é Raimundo Ferreira, o "Sergipe", bicampeão brasileiro e tricampeão baiano. Na infância, a sexta era sagrada para os dois. Era o dia em que a mãe autorizava que a pequena Beatriz acompanhasse o pai até o Balbininho, tradicional ginásio de Salvador. Apaixonada pela modalidade, a jovem queria aprender a lutar, mas Sergipe tinha medo de que a filha acabasse se machucando.
No fim, a persistência deu a Bia o que ela queria. Em meio ao processo de separação dos pais e com equipamento improvisado, a futura campeã mundial deu início a sua vitoriosa carreira na garagem de casa. Mais do que a paixão, Bia compartilhava com o pai o talento no esporte.
Aos 15 anos, se aventurou como professora de boxe, mas ainda faltava algo. Antes dos Jogos de Tóquio, em entrevista para a Revista Gama, ela relatou que à época sentia falta da adrenalina de subir ao ringue. Como ela ensinaria isso aos seus alunos se nunca tinha passado por aquela situação?
Com a separação dos pais, o maior problema foi encontrar lutas no novo endereço. Dois anos antes de dar aulas, Bia trocou Salvador, onde os confrontos eram mais frequentes, por Juiz de Fora, em Minas Gerais, com lutas mais raras. A primeira vez em que ela participou de um campeonato brasileiro da modalidade foi aos 21 anos. Ela venceu, mas tomou praticamente um knockdown, que a deixou quase na lona. Foi desclassificada e suspensa por dois anos.
A punição ocorreu por conta de um torneio de muay thai que a lutadora havia participado meses antes, uma vez que a Aiba (Associação Internacional de Boxe) proíbe que atletas participem de competições de outras modalidades. Ainda que tenha pensado em desistir, persistiu. Sem poder participar dos campeonatos da Aiba, encontrou os Jogos Abertos do Interior como alternativa. Mal sabia ela que ali sua vida mudaria para sempre.
Com destaque em duas edições (2014 e 2015), chamou atenção da seleção brasileira. Em 2016, participou de uma seletiva para a equipe e entrou no radar da CBBoxe. Foi sparring de Adriana Araújo, bronze na Rio 2016 e, depois, colega de transição para o boxe profissional. Logo assumiu a vaga de titular.
Dali para frente, ela mostrou sua capacidade nos ringues e as conquistas cresceram. Em cinco torneios internacionais disputados — que foram o foco da seleção para ganhar experiência —, três títulos e cinco pódios. Em 2018, sagrou-se bicampeã do Campeonato Brasileiro e venceu os Jogos Sul-Americanos.
De 2019 a 2024, mostrou porque é uma das maiores atletas do Brasil e uma das esperanças de ouro em Paris. Em outubro do primeiro ano, venceu o Campeonato Mundial de Boxe. Mais do que isso, tornou-se a primeira pugilista brasileira a conquistar o título.
Em 2021, foi prata em Tóquio. Em 2022, vice-campeã mundial. No ano seguinte, sagrou-se bicampeã mundial. Às vésperas dos Jogos Olímpicos, tornou-se a primeira brasileira a conquistar o título mundial no boxe profissional no peso leve.
O nome de Beatriz Ferreira já está escrito e documentado no esporte brasileiro. Mas ela está pronta para escrever mais um brilhante capítulo na história.
Um caminho que começa no sábado, dia 27, na Arena Paris Nord, e, se tudo der certo para Bia e para o Brasil, acaba em 6 de agosto, no Estádio Roland Garros, com a coroação no lugar mais alto do pódio. Axé.