E lá vem eles de novo. Era uma vez, em 8 de julho de 2014, quando a Seleção Brasileira, trajada com a camisa canarinho e o sonho do hexa, entrou em campo no Mineirão para enfrentar a Alemanha pela semifinal da Copa do Mundo. Belo Horizonte estava em festa. Euforia que permitia o sonho de uma final, no Maracanã, contra a Argentina, que no outro dia enfrentaria a Holanda. Um título em casa para demonstrar, definitivamente, a soberania do "País do Futebol".
O que ninguém imaginava, nem mesmo os torcedores mais críticos e pessimistas, era que aquele dia seria marcado por um placar que entraria para a história como o maior pesadelo do futebol brasileiro: o notável 7 a 1.
"Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete. Por pura compaixão da Alemanha, que teve piedade no segundo tempo, não foi oito ou nove. Dez, talvez.", assim começou o texto da Zero Hora, assinado pelo repórter Diogo Olivier, sobre o jogo. "Le Desastre", "Decime qué se siete...", "Eterna deshonra" ou "El Mineirazo". Deste jeito eram as manchetes dos principais jornais do mundo naquele momento.
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Dez anos depois, a ferida ainda dói, mas o tempo também já operou sua mágica, transformando a tragédia em memes, bordões e até em piadas autodepreciativas. Afinal, quem nunca teve um 7 a 1 na vida? E ele, por mais duro que seja, se tornou um marco cultural e tema de estudo para diversas áreas da ciência.
Afinal, o que aconteceu naquele dia? Como que a Alemanha conseguiu se impor tanto para construir esse placar histórico? E o que o 7 a 1 nos ensinou? Em uma década, essas e outras perguntas foram feitas milhares de vezes. As respostas foram várias, mas nada definitivo. O que se apresentam são visões de vários contextos, trazidas agora por Zero Hora: do campo, da arquibancada e da comissão técnica.
Visão do campo
Repórter fotográfico de Zero Hora na Copa do Mundo de 2014, Jefferson Botega acompanhou a Seleção Brasileira por todos os cantos do país. Na abertura do Mundial, esteve em São Paulo, depois passou por Fortaleza e Brasília durante a primeira fase. As oitavas foram em Belo Horizonte, as quartas novamente na capital cearense e a semifinal marcou o retorno à capital mineira.
Em 8 de julho de 2014, viu o 7 a 1 de perto. Muito perto. Posicionado atrás do gol de Júlio César no primeiro tempo, registrou os cinco primeiros gols da Alemanha. Para o fotógrafo, a sensação da goleada é indescritível
— Não sei descrever a sensação. Mas as fotos estão aí como registro. Jamais vamos esquecer a derrota. Ela é mais lembrada que os cinco campeonatos que a Seleção ganhou. A atmosfera naquele dia era das melhores possíveis. Torcida acreditando, mas foi só começar o jogo e não pararam de sair gols da Alemanha. Um gol atrás do outro. E em determinado momento, tive que parar de registrar lances do campo e fotografar torcida, pois toda a empolgação do início se transforou em decepção e choro. É um dia para esquecer, mas que jamais esqueceremos — recorda Botega.
Na arquibancada
Gustavo Fernandes, um dos filhos do Gaúcho da Copa, estava acostumado a acompanhar a Seleção junto do pai e demais familiares em jogos por vários lugares do mundo. Sempre muito festivos, eles costumavam estar nos estádios caracterizados, e o adereço de Gustavo na Copa de 2014 era uma peruca colorida. Porém, como o sinal de as coisas começariam a dar errado, a peruca foi esquecida antes da ida ao Mineirão.
— Esqueci a peruca colorida, mas usei o chapéu do meu pai pela primeira vez. Ele tinha alguns e me emprestou. Era uma expectativa enorme de ser hexacampeão — conta Gustavo.
A confiança era tremenda pelo título. Para a conquista, a Seleção Brasileira teria de superar a Alemanha na semifinal e Argentina ou Holanda na decisão. Só que o 7 a 1 acabou com tudo. Na cabeça de Gustavo Fernandes, ficaram os ecos do Mineirão. Da alegria alemã e da tristeza brasileira.
— Começa o jogo e, de repente, os gols não param de sair. Lembro de um grito feminino de desespero das torcedoras brasileiras e depois a vibração dos alemães. É o que me marcou. Quando fecho os olhos, ecoa — destaca.
Apesar da goleada e algumas provocações na arquibancada, Fernandes recorda que o clima entre as torcidas após a partida era de afeto e respeito. Houve até pedido de desculpas pelo placar elástico.
— Muito legal a cordialidade dos alemães, que pediram desculpa pelo que aconteceu. Teve até aquele momento que o meu pai entrega a taça para uma menina alemã e ela diz: "como é pesada". E ele respondeu: "é a responsabilidade que vocês têm de ganhar da Argentina".
Na comissão técnica
Quem trabalhou no jogo cumpriu seu papel com profissionalismo. Quem estava na arquibancada, torceu e caiu em tristeza com o transcorrer os 90 minutos. Por outro lado, para jogadores e comissão técnica caiu toda a responsabilidade. Thiago Silva, suspenso, e Neymar, machucado, não jogaram. Felipão colocou Dante e Bernard. No segundo tempo, quando a vaca foi para o brejo, não esboçou reação.
Oscar até fez o gol de honra brasileiro, mas nunca mais voltou a jogar em alto nível. David Luiz ficou marcado como o símbolo da derrota por chorar nos microfones ao dizer que "só queria dar alegria ao povo brasileiro". E o que falar de Júlio César, que nada pôde fazer nos sete gols?
Falar sobre o 7 a 1, mesmo uma década depois, se tornou extremamente desconfortável para os jogadores e membros da comissão técnica envolvidos. A maioria evita tocar nesta ferida jamais cicatrizada. Ainda assim, neste período, Felipão já deu algumas declarações justificando a derrota. Inclusive admitindo que passou muito tempo chorando o resultado, mas refutando a responsabilidade total pela goleada.
— Era para chorar até hoje. Mas você chora um dia, chora outro, ou não chora e sente um pouco mais. Passei muitos dias triste. Agora, a vida continua. Só levanta de novo quem caiu e tem qualidades para levantar. Foi o que fiz. Estou muito contente com todas as atitudes que tomei depois da Copa — disse em 2017.
— O mínimo que eu posso dizer aos que querem me culpar é que, se sou o culpado pela derrota de 2014, então sou o único responsável pela vitória de 2002. Eu pergunto: quem é o último campeão do mundo com o Brasil? Sou eu. Então, se perdi sozinho a Copa de 2014, ganhei sozinho a Copa de 2002 — comentou em 2019.
Também campeão mundial em 2002, o preparador físico Paulo Paixão falou sobre o 7 a 1 em uma entrevista em 2017. Ele afirmou que não mudaria em nada a preparação feita para a Copa do Mundo de 2014.
— Perder no seu país por um placar tão elástico incomoda. Sempre que vejo a preparação, concluo que faria de tudo de novo. Foi um jogo atípico. Se o Brasil tivesse aplicado 7 a 1, também seria atípico. Se fala muito em estudar, mas para aquele jogo especificamente, em que eu estava inserido, a contusão do Neymar foi determinante. Ele era e é até hoje um exponencial de respeito dentro do cenário mundial. Aquilo, animicamente, mudou tudo. Quiseram crucificar o Felipão, mas o futebol é coletivo. Essa é a nossa profissão — disse Paixão.