Se um dia você tiver a oportunidade de entrar em campo junto dos jogadores de uma das principais seleções em um jogo de Copa do Mundo, o que faria? Há 10 anos, o menino Getúlio Felipe, então com nove , estudou algumas frases em alemão e se permitiu trocar uma ideia com o goleiro Manuel Neuer antes de Alemanha 2 x 1 Argélia, pelas oitavas de final do Mundial de 2014, no Beira-Rio.
Os rígidos fiscais pediam que as crianças selecionadas em concurso de uma lanchonete ficassem "quietinhas" e que não soltassem a mão dos jogadores. Imparável, Getúlio foi além e logo se apresentou ao goleiro: "Ich bin Getúlio", soltou.
— E o Neuer respondeu com: "safadinho". Foram 13 segundos na memória que ficaram para a vida toda — recorda Getúlio.
Com 19 anos, 10 após realizar um de seus maiores sonhos, o agora adulto Getúlio recebeu a equipe de GZH em sua casa, no intervalo do trabalho na área de tecnologia de um banco, para relembrar este marcante momento da Copa do Mundo em Porto Alegre. E também de tudo que ocorreu neste período. Afinal, muita coisa aconteceu.
— Naquele dia, quando eu desci do ônibus da organização da Copa, muitas pessoas que eu não conhecia vieram falar comigo, se identificando com minha história. Tinha uma emissora de TV me esperando. Outras me ligaram fazendo convites. Tive que assimilar tudo muito rápido para aproveitar as oportunidades que estavam batendo na porta — afirma Getúlio.
Paralisia cerebral
Os pais do jovem, a auxiliar administrativa Cibeli de Oliveira Fernandes, 46 anos, e o empresário Getúlio Santos da Silva, 54 anos, perceberam algo errado quando Getulinho fez um ano e meio sem conseguir falar ou mover-se. Foi assim que descobriram que o filho havia sofrido uma parada respiratória pouco depois de nascer e, consequentemente, precisaram dar início a uma grande batalha para o menino conseguir se desenvolver. Mesmo com médicos dizendo que ele não iria caminhar, eles conseguiram.
Depois do sonho de entrar em campo em uma Copa, vieram uma série de realizações, como ser cidadão emérito de Porto Alegre, criança símbolo do futebol paralímpico e embaixador do Museu da Imaginação, em São Paulo.
Mesmo torcedor do Inter, Getúlio foi convidado para treinar na escolinha de futebol do Grêmio. Na comunicação, se aventurou como repórter por um dia na RBS TV e, com um programa em uma radioweb, conseguiu viabilizar uma ida a Munique para conhecer o Bayern e entrevistar Neuer. Viajou o mundo e ficou amigo de vários jogadores e personalidades. Algo que ele guarda com carinho em lembranças no seu quarto ou em seu no canal no Youtube.
— A vida mudou do avesso. Muito e para melhor. Aquele foi o ponto inicial para me mostrar que um sonho, por mais simples que ele seja, pode se tornar realidade. Sempre percebi o contexto e, felizmente, as pessoas pararam de me ver como uma vítima por ter deficiência. Olharam pelo que eu sou, busquei e conquistei. Agora eu quero continuar fazendo as coisas para ganhar conhecimento — explica.
A montanha
Tudo isso com uma "vida simples", como disse o pai do menino, mas "contando sempre com apoio de muita gente boa" que lhe fizeram estar sempre em movimento. Principalmente quando recebeu o um surpreendente convite de um cineasta para gravar um documentário subindo uma montanha, em 2019.
Em sua versão alpinista, o menino de 14 anos aceitou o desafio, encarou a neve de Dolomitas, na Itália. O fato virou reportagem no programa Fantástico (veja chamada abaixo). Após uma escalada de nove horas, testando seus limites, conseguiu chegar na Marmolada, o ponto mais alto da montanha. Foi resgatado de helicóptero, onde estava seu pai, carregado de emoção. Ali, no nível alto da adrenalina, percebeu que era realmente imparável.