Não são frequentes os registros de quem, em vida, tenha dado seu nome a uma rua ou a qualquer outro logradouro público. A mesma regra quase sempre se aplica quando a homenagem é em forma de estátua. Renato Portaluppi, 56 anos, está aí para quebrar paradigmas.
Quem pode julgar exagerado erguer-se na esplanada da Arena uma obra em puro bronze, com 250 quilos de peso, quando o homenageado é alguém que, em dois momentos, mudou o curso da história do Grêmio? Em 1983, como jogador, ao marcar dois gols contra o Hamburgo, em Tóquio, Renato apresentou o Grêmio ao planeta. Passados mais de três décadas, já na condição de treinador, foi o gaúcho de Guaporé quem voltou para resgatar o clube do pesadelo de 15 anos sem conquistas de maior expressão. Se há alguém, portanto, que mereça uma estátua, trata-se de Renato.
O homenageado entende que outros personagens também mereceriam tal honraria. Na mesma galeria, Renato diz que colocaria o ex-presidente Fábio Koff, o atual, Romildo Bolzan Júnior, e o superintendente Antônio Carlos Verardi.
A poucos dias de completar dois anos como técnico do Grêmio, em sua terceira passagem pela casamata do clube, Renato fala sobre passado, presente e futuro no Grêmio. Futuro?
— Se sentar hoje com o presidente, não tenho dúvida alguma de que renovo. Mas meu foco agora está na Libertadores e no Brasileirão. Nada vai tirar meu foco agora — diz o homem que, pensando bem, nem precisaria de estátua para ser eterno na história do Grêmio.
Qual a marca mais importante destes dois anos de trabalho no Grêmio?
Outro dia estava tendo este papo com o presidente. Estamos há dois anos em lua de mel com nosso torcedor. Nunca tivemos tantos jogadores na Seleção, pelo menos jogadores que mereciam estar lá. Brinco com o presidente que ele precisa comprar outro cofre, o que está aí não dá conta do dinheiro que está entrando com a venda de jogadores e dos sócios. E olha que não temos renda na Arena. Além de tudo, títulos e dinheiro. Não tem coisa melhor para um clube. Vendemos jogadores e já encontramos outros. Mas só isso não adianta, a torcida quer é títulos.
Você vinha de uma parada de dois anos em 2016. O que você fez enquanto estava sem clube e depois chegou ao Grêmio para se tornar o maior técnico do país?
A palavra-chave disso tudo é: capacidade. Você acha que um médico bom fica parado um, dois anos e depois cai uma cirurgia na mão dele e ele não vai conseguir operar o cara? Quando falei, e disse na boa para não agredir ninguém, futebol para mim é como andar de bicicleta. Falo por mim, não vou desaprender os conhecimentos de futebol. Repito, não tenho nada contra estudar futebol. Mas não venham me enganar com isso, vai para a Europa ficar três dias e diz que foi estudar. Você vai enganar os leigos. A mim, não. Seria mais fácil falar que não fui para a Europa e que fiquei dois anos dentro de casa estudando. Tenho muito conhecimento de futebol, vejo muito e estudo da minha maneira. Mas tenho 20 anos dentro de campo, trabalhando com os maiores técnicos e jogadores. Será que isso não me credencia a conhecer futebol? Parei dois anos, e aí? Você vê treinador trabalhando em cinco clubes em um ano. E como é isso? Não tenho nada contra, mas o cara bom precisa trabalhar em cinco clubes no ano? Comigo não é quantidade, é qualidade.
Quem convive com você aqui no CT costuma brincar: "O Renato tem resposta para tudo". Como é isso?
Raciocínio rápido. Aí entra um pouco de malandragem, de experiência e inteligência. É difícil até de explicar, né.
Contra o Paraná, você assume o posto de quinto técnico que mais treinou o Grêmio.
Não é para qualquer um, o maior exemplo de sucesso de um treinador é a quantidade de jogos. Ninguém se mantém em um cargo por tanto tempo. Os números não mentem.
Mas e ano que vem, vai estar aqui para superar o quarto colocado no ranking?
Não falei nada. Já disse que só começo a pensar no meu futuro quando terminar as competições. Quando acabar o Brasileirão e a Libertadores, e se não estivermos no Mundial, aí começo a pensar. Até lá, foco total aqui.
Mas esta não é uma resposta que deixa margem para uma saída?
Não. Por que? Se sentar hoje com o presidente, renovo o meu contrato. Não tenho dúvida alguma de que renovo. Mas meu foco agora está na Libertadores e no Brasileirão. Nada vai tirar meu foco agora. Podemos falar no final do ano e trocar ideias. Não é hora de falar nisso. Não estou falando que terá problema ou não para renovar. Meu foco está totalmente nas competições. É assim todo ano. Lembro que foi assim também no ano passado.
Como é o seu trabalho nos momentos de dificuldade?
Uma coisa que faço muito quando a coisa não está dando certa, é que pego algumas imagens no CDD das voltas olímpicas, gols e títulos. Reúno os jogadores e digo: "Ó, está na hora de voltar a este caminho aqui. Perdemos alguns jogos e olha como é bom isso aqui, gols, volta olímpica e faixa no peito". Vou fazer isso agora para o jogo contra o Tucumán. Restam seis jogos, é difícil pra caramba. Mais faltam seis jogos para dar a volta olímpica na Libertadores. Precisa ficar em cima, não deixo os caras se acomodarem. Ganhamos quatro títulos, mas temos que conseguir o quinto. A coisa está afunilando.
Há quem diga que o Grêmio está jogando menos neste ano do que no ano passado. Qual sua visão?
Minha visão é que estamos tendo muitos problemas, entendeu? Pode ver, dificilmente jogamos com o mesmo time. Não que o outro time, que está entrando não tenha condições de dar conta do recado. Mas é o conjunto da ópera. É o sistema do nosso jogo, cada um está encaixadinho certinho, é o entrosamento entre eles. O Grêmio tem muitos problemas, nem tanto de cartões, mas muitas lesões. É difícil. Você vê, nós jogamos contra o Internacional e, na minha visão, merecíamos ter ganho o jogo. E estávamos sem Kannemann, Maicon, Jael e Everton. Não estou reclamando. Mas você ir para um clássico contra o Inter, na casa deles, sem quatro jogadores, faz uma diferença.
Então você discorda do pensamento de que o Grêmio está jogando menos?
Não é que está jogando menos. O Grêmio alcançou um padrão tão alto, principalmente no ano passado, que os caras querem que o Grêmio sempre jogue naquele padrão. Nós já fizemos jogos maravilhosos neste ano. Muitos, até superiores aos do ano assado. Só que no ano passado jogamos mais jogos melhores do que este ano. Mas o Grêmio nunca baixou. Bem ou mal, está sempre ali. O problema é que, muitas vezes, não temos jogadores-chaves para determinados jogos. Jogadores importantíssimos pelas características deles.
O que você iria dizer aos jogadores quando tentou entrar no vestiário do Inter depois do Gre-Nal?
Eu sou um gentleman, cara. Foi boa a tua pergunta. Quando terminou o jogo, começou um início de tumulto dentro do campo. As imagens não mentem. Eu fui lá, apaziguei, pedi calma, falei com vários jogadores, eu me dou com todo mundo. Gente, o Internacional tem que receber os elogios pela campanha que vem fazendo. Não é à toa que está liderando. O Internacional vem jogando muito bem, cresceu muito na competição. Não temos nada contra isso. A torcida do Inter está eufórica, parabéns para ela, ela merece. A única coisa que eu não iria aturar era, no momento em que íamos para o nosso vestiário, os caras ficarem provocando na porta do nosso vestiário. Dois ou três jogadores do Internacional. Até então, vocês (jornalistas) não estavam lá.
Segundo Maicon, era Leandro Damião ...
Bom, eu não vou citar nomes. O que eu falei é que não vão tirar onda. Pelo seguinte: você está numa boa campanha, liderando o campeonato, ganhou o clássico, mas só pode tirar onda se for campeão.
Era isso que você falar no vestiário do Inter?
Eu ia lá falar com alguns jogadores. Fui lá na boa. Podem perguntar ao Rodrigo Caetano (executivo do Inter). Queria falar com alguns jogadores e o treinador, numa boa. Eu não seria louco querer entrar lá sozinho e brigar. Sequer passou na minha cabeça. Eu ia dizer que há quatro ou cinco meses vocês sabem o que aconteceu aqui (o pedido para que parassem as provocações). E nós ficamos na boa, respeitamos. Vocês podem comemorar à vontade. Só não vão lá na porta do meu vestiário dar letra. Porque quem pode tirar onda neste sentido é o Grêmio que está por cima, conquistando todos os últimos títulos. Eles iriam entender. Até porque, por este gesto, para o bom entendedor, eles chamaram uma responsabilidade muito grande. Tem que ganhar o Campeonato Brasileiro. Até porque estão disputando só uma competição.
O que os jogadores do Inter reclamam é de que a gozação foi para as redes sociais, a história dos vídeos do minuto de silêncio...
Quando o Inter foi campeão eles não estavam dançando valsa? É uma coisa normal. Parabéns. Mas um minuto de silêncio não pode? É porque o Grêmio está por cima. O Inter não estava dançando valsa até uns dois anos atrás? É o normal entre os jogadores. No momento, quem pode tirar onda é o Grêmio. Mas é lógico, está ganhando tudo. Mas, até você ser campeão, o caminho é muito longo.
Provocações são normais. Desta vez, incomodou tanto porque foi feita na porta do vestiário do Grêmio?
Incomodou porque, alguns meses atrás, os caras haviam pedido por favor... Eu falei: morreu, vamos respeitar. Aí os caras vão querer tirar onda na porta do nosso vestiário? Se ponha no lugar deles. Como é isso? Há três, quatro meses estavam implorando. Agora, porque ganharam um clássico vão tirar onda? É só você se colocar no lugar dos jogadores.
Não é o momento de Renato, com toda sua respeitabilidade e carreira vitoriosa, e alguém da mesma força do lado do Inter pedirem uma pacificação?
Virou uma bola de neve ...
Por isso mesmo. Não é o momento de sentar e dizer que é só um jogo de futebol?
A primeira coisa que fiz na quarta-feira foi reunir meu grupo e dizer que não se fala mais em Gre-Nal. Chega. O que aconteceu de certo e errado, acabou. Só se fala no Paraná (adversário deste sábado). Daqui a pouco tem outro Gre-Nal. Imagina. Aqui, morreu. Pela rivalidade, até poderia ter sido pior. Tanto que, no intervalo, quando entrei no campo, estava rindo e conversando com o D'Alessandro. Falei no ouvido do Moledo. Pedi calma, para que brigar? Você está jogando pra c... Quem mais quer agitar são os paraquedistas. Que estavam ali porque ganharam, só aparecem na boa. Toma duas ou três porradas e já começam a cornetear. Só aparecem para tumultuar. Isso é em todos os clubes. Se essas pragas, esses aspones, essas m...não estivessem ali tumultuando na porta do vestiário, acabaria ali mesmo. São as doenças do futebol. Não é só no Internacional, em todos os clubes têm essas pragas.
Para encerrar, parabéns pelos dois anos de conquistas.
Obrigado. Fico feliz. Somos gaúchos. Engrandecemos ainda mais o futebol do Rio Grande do Sul. No fundo, ficamos felizes pelo Inter também estar bem. Engrandece o nosso Estado. São duas grandes potências aqui. E fico feliz pelo Odair. Foi muito criticado e hoje está bem. Falei no momento ruim, cinco, seis meses lá atrás. Agora é fácil. Fico feliz por ele.