Luciano Hocsman tem um projeto em andamento que, se der certo, marcará para sempre a sua gestão como presidente da Federação Gaúcha de Futebol. Aos 46 anos, o advogado tem um perfil bem distinto dos três dirigentes anteriores que governaram a FGF por mais de três décadas: Rubens Hoffmeister, Emídio Perondi e Francisco Novelletto.
De fala pausada e em tom suave, Hocsman sonha implantar pelo Rio Grande do Sul afora escolinhas de futebol gratuitas para crianças carentes. O ousado plano prevê parcerias com universidades, e a utilização até mesmo de praças e parques para as aulas.
— Quero que a Federação possa devolver à sociedade pelo menos um pouco do que ela já nos deu — diz o novo presidente da FGF, sonhando com a ação que poderá marcar a sua passagem pelo prédio às margens do Guaíba.
A ampla sala da presidência da FGF, deixada por Novelletto ao final do ano passado, ainda tem espaços vazios. Hocsman está de mudança. Na mesa, igualmente com grandes espaços a serem preenchidos, porém, uma figura se destaca: a peça de metal que retrata o sonhador Dom Quixote ao lado de seu fiel companheiro, Sancho Pança.
Nessa entrevista para GaúchaZH, o novo presidente da Federação Gaúcha de Futebol fala de seus projetos para o futebol gaúcho, da esperança de ver todos os clubes do Rio Grande do Sul com categorias de base, e até dos comentários populares da troca de comando na FGF, com a saída de um "colorado" e o ingresso de um "gremista". A seguir, os principais trechos desta entrevista:
Você sucede presidentes com grande destaque, com personalidades fortes, e até com grandes polêmicas no futebol gaúcho, como Rubens Hoffmeister, Emídio Perondi e Francisco Novelletto. Qual a forma de atuar de Luciano Hocsman?
— Meu perfil é um pouco diferente dos deles (risos). Os três sempre tiveram grande capacidade gerencial, donos de personalidades fortes, combativos, marcantes, e polêmicos também. Sou um cara mais tranquilo, não sou de grandes frases. Convivi com todos eles, fui vice-presidente da FGF desde os 30 anos de idade, e aprendi muito com todos, em especial com o Novelletto. Não sou do embate, sou de conversa, de buscar acordo, conciliação. Sou um cara caseiro. Amo o futebol, ainda que tenha começado no basquete (foi armador do Grêmio Náutico União e da seleção gaúcha). Pode ver que a minha fala é mansa, não gosto de conflito, mas defendo minhas ideias. Se em uma conversa me convencem do contrário, não tenho melindres em acatar opiniões.
É possível manter os Estaduais com a participação dos grandes clubes?
— Esse é um dos grandes desafios. Certa vez disse a um líder do Bom Senso F.C.: "Você começou jogando onde? Em time pequeno. E foi revelado em um Estadual, né? Então, agora, rico, você quer acabar com os Estaduais, impedindo outros como você de ascender?".
É isso: acabar com os Estaduais é desempregar milhares de pessoas, Brasil afora. Além disso, economicamente os Estaduais são muito bons para os grandes clubes. A TV paga muito bem a eles. Proporcionalmente, um valor garantido até maior que a Libertadores. Hoje, em termos de clubes nas séries nacionais, a FGF perde apenas para São Paulo. As comunidades do Interior precisam valorizar os seus dirigentes. E apoiar os seus clubes. Podem torcer para Inter e Grêmio, mas não deixem de apoiar os seus times.
E como promover os clubes menores?
— A nós, da FGF, cabe dar cada vez mais visibilidade a esses clubes através das nossas competições. Valorizá-las cada vez mais. Acabou o Gauchão? Não feche as portas. Temos as Séries B, C e D a jogar, além das copas regionais.
E qual a importância de todos os clubes do Interior contarem com categorias de base?
— É vital. A base está dentro de um projeto da FGF. E algo voltado à comunidade. Incentivar os clubes a contar com atletas locais. Em vez de buscar um veterano em outro Estado, queremos dar a eles condições para montar um time literalmente feito em casa, na comunidade, na própria região. Vamos chamar todos os clubes para uma conversa, para montarmos juntos esse projeto. Base não é custo, é investimento.
Já precisou encarar uma grande bronca na presidência?
— A grande bronca ainda não chegou. Mas vai chegar (risos). A primeira questão ainda foi resolvida no ano passado, com a questão do contrato de TV. Mas a prorrogação vai até 2021, então, temos tempo para negociar mais adiante. Teremos para a semana que vem a questão da liberação dos 12 estádios da Primeira Divisão, mas a maioria está em dia. Talvez 10 ou 11 deles estejam com o PPCI (Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio) em dia. Não lembro qual está pendente, mas acredito que tudo dará certo, ainda que seja sempre um momento tenso.
O que você espera do Gauchão, que se iniciará no dia 21? Quem poderá ser a surpresa do campeonato?
— Teremos uma competição muito acirrada, com uma fórmula mais dinâmica, com tiro curto, e com decisão em quase todas as rodadas. Se eu disser um nome me matam. Os 12 têm condições de chegar, por se tratar de uma competição rápida. O Interior começou a preparação bem antes, e em cinco jogos é possível ser finalista. O turno terá apenas sete rodadas. Inter e Grêmio, mesmo que entrem com times alternativos, têm interesse no título. É a famosa frase aquela (pior do que ganhar o Gauchão é perdê-lo)...
Se você aprendeu com os ex-presidentes, certamente muito da sua personalidade vem do seu pai (o conselheiro do Grêmio e ex-dirigente do clube Zelio Hocsman).
— Isso vem da criação. Minha família é a base de tudo. Aprendi pelo exemplo. O pai sempre transitou em todo os meios, sempre tratou a todos da mesma maneira, sempre com um sorriso e uma palavra de carinho. Mas minha personalidade é um pouco diferente da dele, pois aprendi vendo sua conduta. Acho que essa conduta mais informal impediu o pai de chegar a certas posições, certas oportunidades. Sempre cobrei isso dele. Há momentos para ser informal e outros para ser mais formal. Mas esse jeitão dele o fez chegar onde talvez jamais tenha imaginado. Quando ele e a minha mãe moraram em Palmeira das Missões, chegaram a usar caixas de papelão como armário. Tenho orgulho dele.
Como você pensa em marcar a sua gestão?
— Mantendo a FGF entre as quatro principais do Brasil, fazendo uma gestão honesta e correta, e devolvendo à sociedade um pouco do que sempre recebemos dela. Estamos criando um projeto de escolinhas para crianças carentes. Nossa ideia é unirmos forças com universidades e com prefeituras, a fim de criar programas para a gurizada de escolinhas sociais. Vamos buscar incentivos fiscais. O projeto está desenhado. Nosso sonho é tentar montar uma ou duas ainda neste ano. Colocar isso na rua, mostrar como será, e despertar o interesse de todas as comunidades do Estado. Não vamos montar um campo e dar uma bola, haverá toda uma metodologia envolvida, com professores, e com monitoramento constante. O menino forjado naquele campinho, terá de ir para o time da cidade.
E como você recebe a afirmação "sai um presidente colorado, entra um torcedor gremista na FGF"?
— Reajo de maneira natural. Já tive a possibilidade de trabalhar no clube que me despertou o amor pelo futebol. E, se fosse para trabalhar em clube, eu não estaria na FGF, e, sim, tentando algo lá. Se eu for beneficiar determinado clube estarei apenas me prejudicando. Isso faz parte do folclore. O torcedor terceiriza a culpa, é algo normal. Tenho a consciência tranquila de que as questões que forem tomadas aqui serão para o bem do todo, jamais pensando em um ou outro clube. Já vi muito dirigente aqui, na FGF, falar assim: "Tive de dar um pau em vocês porque a minha torcida estava me pressionando". Se ri disso, mas, às vezes se fica bravo com a injustiça. Faz parte. Eu tiro de letra.