Pelé foi o cara da Copa de 1970, mas nem ele marcou gols em todos os jogos do Mundial. Essa façanha foi protagonizada por Jair Ventura Filho, o Jairzinho, que balançou as redes sete vezes na competição disputada no México. Camisa 7 da Seleção, ganhou o apelido de Furacão por aterrorizar os adversários com sua força e velocidade.
Aos 75 anos, Jairzinho está isolado em um sítio na cidade de Miguel Pereira, que fica a 120km da capital do Rio de Janeiro.
— Estou a 700 metros de altitude, guardadinho com minha família. Tomara que o coronavírus não tenha forças para subir — brinca o craque, que fez história no Botafogo nas décadas de 1960 e 1970.
Por telefone, o Furacão atendeu à reportagem de GaúchaZH. Destacou a sua importância na campanha do Tri e afirmou que o jogo mais marcante foi contra a Inglaterra, campeã quatro anos antes. Confira os principais trechos da conversa.
Como é relembrar o tricampeonato 50 anos depois?
Claro que emociona, pois foi um feito de alto nível. Sou ganhador desde que comecei, fui tricampeão juvenil, mas o feito mais importante foi ser campeão do mundo. Tive três oportunidades (jogou em 1966, 1970 e 1974), em uma eu consegui. Tenho a Jules Rimet na minha casa e sou até hoje o único jogador a fazer gols em todos os jogos de uma Copa do Mundo. Toda vez que chega junho, é um momento especial pela minha consagração.
O senhor fez gols em todos os jogos. Chegou no seu auge ao Mundial?
O atleta sempre procura se preparar o máximo possível. Em 1966, a preparação da Seleção teve uma série de erros. Primeiro, 44 jogadores, o que causou um desconforto de relacionamento entre todos os nós. Depois, a cada semana treinávamos em algum lugar do Brasil. Foi uma preparação inadequada e ocorreu a eliminação rápida. Serviu como aula de como não deve se preparar. Antes de 1970, teve 1969. Saldanha assumiu e classificou o Brasil. Na sequência, houve o desacordo com a imprensa, e vocês (imprensa) conseguiram tirar o Saldanha. Assumiu o Zagallo, p... de um treinador também, e mudou praticamente 80% da Seleção. Com Admildo Chirol, Coutinho, o próprio Parreira (equipe da preparação física), foram muito inteligentes e fizeram um cronograma jamais visto no Brasil. Dois meses e meio de treinamento, aeróbica, anaeróbica, impulsão. Além disso, seis horas de treinos por dias, três pela manhã e três à tarde. E éramos um grupo que todo mundo jogava no Brasil. Foram pontos que fizeram o Brasil se fortalecer. Além do fato do Zagallo ter definido os 11 titulares.
A Seleção de 1970 foi o melhor time de todos os tempos?
O Brasil jogou com cinco números 10, eu, Gerson, Rivellino, Tostão e Pelé. Nunca existiu isso. O treinador teve a inteligência, a audácia e a capacidade para colocar todos a jogar juntos. Uns falavam que não ia dar certo. O que aconteceu: fizemos um campeonato inesquecível, de alto nível. Começamos ganhando de 4 a 1 e terminamos ganhando de 4 a 1. E quis o destino que eu fizesse gols em todos os jogos, gols que deram equilíbrio a Seleção e desespero aos adversários. Momentos maravilhosos que temos de recordar com muito carinho.
Qual o jogo que mais marcou?
Falo para todos que a decisão da Copa foi antecipada, teria que ser Brasil e Inglaterra. A Inglaterra vinha favorita para o bicampeonato, e o Brasil vinha do desastre de 66. Foi o jogo dos dois goleiros, Félix e Banks. Nunca vi os dois agarrarem tanto. O resultado foi muito apertado, o Brasil ganhou pela qualidade do ataque e pela precisão do meu arremate.
O gol contra a Inglaterra, então, foi o mais importante?
Claro que sim, foi o gol do título (risos).
O técnico da seleção inglesa em 1970, Alfred Ramsay, teria dito que era mais difícil marcar você do que Pelé?
Falou porque ele percebeu e é verdade, pô. Eles pensavam que era só o Pelé, não conheciam ainda Jairzinho, Tostão, Carlos Alberto. Botaram um sistema para marcar o Pelé e, quando viram, a diferença era eu.
Como era jogar com Pelé?
Tem que perguntar para ele como era jogar com Jairzinho também, pô. Mais um companheiro. Joguei contra o Santos três vezes, ganhei duas e perdi uma. Só para ficar sabendo quem eu sou. Foi como jogar com Gerson, Tostão, Rivellino. Tínhamos um grupo homogêneo, que nunca mais o Brasil vai botar a jogar junto.omo recebeu o apelido de Furacão?
Foi o José Geraldo de Almeida, o único narrador que não botava defeito em ninguém. Uma vez, narrando, disse que eu parecia um furacão. Solidificou e ficou até hoje.
Você tem mais de 100 partidas pela Seleção. Era diferente usar a camisa do Brasil?
Comecei a jogar com a camisa da Seleção em 1963, fui campeão Pan-Americano. Olha por quanto anos eu joguei. E jogava com naturalidade, peso é para quem não tem personalidade. Sempre fui titular, nunca fui reserva.
Você destacou antes o fato de todos atuarem no futebol brasileiro. A saída precoce dos nossos jogadores prejudica a Seleção?
Por que o Brasil não se sobressaiu mais? Os clubes falidos mandam os jogadores embora para fazer caixa. E o garoto perde a identidade, não entendem o idioma e nem o sistema. Nós, de 70, todos jogávamos no país. Esse é o grande mal do futebol brasileiro, porque hoje esquecem dos jogadores que estão aqui, é um dos fatores das derrotas. Se ficarmos só encostados no Neymar, vai ver o que vai acontecer no futuro? A hora que a CBF fizer uma determinação que o jogador só pode sair com uma certa idade, o Brasil vai voltar a ser campeão. Se continuar assim, não vai chegar a nada, falo com experiência.
Vai ter outra Seleção igual à de 1970?
Se tivesse essa vidência, seria milionário.