A diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, de Santa Cruz do Sul, Janaína Venzon, afirma que a instituição não solicitou o livro O Avesso da Pele (2020), do escritor Jeferson Tenório. Na sexta-feira (1º), ela fez um vídeo em que reclama de palavras utilizadas na obra entregue no ano passado à instituição. Os exemplares foram retirados da biblioteca da escola. No entanto, o livro consta em solicitação feita pela instituição disponível no Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação e aberto ao público.
— Para a nossa surpresa, a escola realmente não solicitou o livro, a escola não fez o pedido. Eu acredito que deve ter dado algum problema — afirma a diretora, depois de conversa com funcionários da instituição e de verificar o sistema. Ela afirma que quando não há escolha da escola, o programa tem liberdade de mandar qualquer livro literário para a instituição.
Em entrevista à GloboNews nesta segunda-feira (4), Tenório lamentou o protesto da diretora.
— Me causa sempre espanto, porque já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores, e não censurar livros — disse.
O livro foi foi aprovado pelo Ministério da Educação para uso em escolas do Ensino Médio em setembro de 2022 e faz parte de um catálogo com mais de 500 obras do Programa Nacional do Livro e do Material Didático, que envia os títulos de forma gratuita para as escolas.
— A gente ficou bastante apreensivo em utilizar o livro dentro da escola com aquele vocabulário inapropriado. A gente, com certeza, temia mesmo pela questão do que os pais iam pensar da escola trabalhar com aqueles termos inadequados — afirma.
Em uma primeira entrevista, a diretora havia afirmado que a escolha havia sido feita apenas com base na capa e sem ler o conteúdo da obra. Depois, voltou atrás, e negou a decisão.
— Os livros já estão no seu lugar devido lá na escola, porém a questão é que a gente agora tem que consultar a comunidade — afirma, complementando que não pode ir contra "os valores éticos que os pais também tanto prezam na escola".
Ângela Fronckowiak, doutora em Educação, afirma que o livro é importante para a formação crítica dos estudantes.
— Com certeza esse livro deve ser lido com estudantes de Ensino Médio acompanhados de seus professores. O livro está discutindo uma ferida da nossa sociedade, que é justamente a questão do racismo estrutural — afirma.
O que dizem a editora e o Estado
A editora Companhia das Letras se manifestou, no final de semana, pelas redes sociais. A empresa informou que repudia "veementemente qualquer ato de censura que limite o acesso dos estudantes a obras literárias sob pretexto de protegê-los de conteúdos considerados "inadequados" por opiniões pessoais e leituras de trechos fora de contexto".
De acordo com a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), não houve qualquer orientação da coordenadoria regional para recolher os livros e o uso das obras literárias deve acontecer dentro de um contexto pedagógico sob orientação e supervisão dos professores.
Quem é o autor
Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.