A Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc RS) determinou que exemplares do livro O Avesso da Pele, do autor Jeferson Tenório, sejam mantidos em escolas da região de Santa Cruz do Sul, que fica a 153 quilômetros de Porto Alegre.
Na sexta-feira (1º), a diretora de uma escola da cidade publicou um vídeo nas redes sociais pedindo que exemplares da obra fossem retirados da instituição e não fossem usados por professores dentro da sala de aula. Na postagem, Janaina Venzon, diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira, considera "lamentável o Governo Federal através do MEC (Ministério da Educação) adquirir esta obra literária e enviar para as escolas com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio". A publicação foi apagada.
Em entrevista à GloboNews nesta segunda-feira (4), Tenório lamentou o protesto da diretora.
— Me causa sempre espanto, porque já temos tão poucos leitores no Brasil e deveríamos estar preocupados em formar leitores, e não censurar livros — disse.
Depois da publicação, a 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), ligada a Seduc, chegou a orientar a retirada dos exemplares da biblioteca da escola até que o MEC se manifestasse.
A editora do livro e o autor, que foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020 e vencedor do Prêmio Jabuti de melhor romance em 2021, trataram o caso como censura. Em suas redes sociais, Tenório afirmou que o discurso usa "distorções e fake news":
— Não vamos aceitar qualquer tipo de censura ou movimentos autoritários que prejudiquem estudantes de ler e refletir sobre a sociedade em que vivemos — escreveu.
No domingo (3), a Seduc emitiu nota afirmando que "não orientou para que a obra (...) fosse retirada de bibliotecas da rede estadual de ensino" e que "a 6ª Coordenadoria Regional de Educação vai seguir a orientação da secretaria e providenciar que as escolas da região usem adequadamente os livros literários".
O Avesso da Pele faz parte do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), do MEC, que compra e distribui obras didáticas e literárias para escolas públicas do país desde 2021, ainda durante a gestão de Jair Bolsonaro. No programa, editoras inscrevem obras e são avaliadas por especialistas da banca do MEC para que, depois, os diretores de escolas escolham as obras. O livro, portanto, foi escolhido pela própria escola para fazer parte do catálogo.
Em nota, o MEC afirma que a permanência no programa é voluntária e que "as escolas podem escolher de forma democrática os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas".
Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.
Repercussão
Após a repercussão do caso, cerca de 250 artistas e intelectuais assinaram uma petição em apoio a Jeferson Tenório. Nomes como Ailton Krenak, Antônio Fagundes, Drauzio Varela, Djamila Ribeiro, Mia Couto e Ziraldo subscrevem o texto intitulado "Contra a Censura à Literatura de Jeferson Tenório".
"Ferem de morte a democracia, o direito de um autor se expressar, tiram a oportunidade de alunos entrarem em contato com textos escritos que foram observados e selecionados por comissões especializadas e preparadas para levar qualidade ao ensino", diz o texto, publicado em forma de abaixo-assinado em um site.
Nota da Secretaria de Educação do RS
"Sobre as obras previstas no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação (MEC), a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que este é um trabalho realizado diretamente pelas equipes gestoras das escolas, conforme priorização de faixa etária dos alunos, etapa de ensino, realização de projetos pedagógicos e contextualização prévia do material trabalhado em sala de aula com as turmas.
A Seduc reitera ainda que os livros aprovados passam a compor um catálogo no qual as escolas podem escolher, de forma democrática, os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas."
Nota do Ministério da Educação
"O Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) é uma relevante política do Ministério da Educação com mais de 85 anos de existência e com adesão de mais de 95% das redes de ensino do Brasil. A permanência no programa é voluntária, de acordo com a legislação, em atendimento a um dos princípios basilares do PNLD, que é o respeito à autonomia das redes e escolas.
A aquisição das obras se dá por meio de um chamamento público, de forma isonômica e transparente. Essas obras são avaliadas por professores, mestres e doutores, que tenham se inscrito no banco de avaliadores do MEC. Os livros aprovados passam a compor um catálogo no qual as escolas podem escolher, de forma democrática, os materiais que mais se adequam à sua realidade pedagógica, tendo como diretriz o respeito ao pluralismo de concepções pedagógicas.
Dados gerais sobre o PNLD podem ser encontrados no link. Para detalhes sobre dados de entrega do PNLD, acesse o link."