Vereadores de Porto Alegre procuram garantir o ensino da língua portuguesa formal nas escolas municipais e a adoção da norma culta em todos os meios de comunicação da administração pública por meio de um projeto de lei protocolado em março deste ano. A intenção é coibir casos como o da Escola de Ensino Fundamental São Pedro, que enviou material para os estudantes chamando-os de "alunes" e "alunxs".
Segundo a vereadora Comandante Nádia (DEM), uma das autoras do projeto, pais e mães costumam procurar alguns vereadores reclamando que as escolas estão abordando a chamada linguagem neutra com seus filhos, uma forma de tratamento criada por movimentos LGBT+ para evitar a demarcação de gênero e promover maior inclusão na fala e na escrita.
O PLL 077/21 é assinado por Nádia e outros cinco vereadores, entre eles Jessé Sangalli (Cidadania), que em julho foi acionado por uma mãe da Escola São Pedro. Ela ficou incomodada com as tarefas recebidas pelo filho, matriculado na sexta série, em que os estudantes são tratados por expressões da linguagem neutra.
— Protocolamos na Câmara de Vereadores um projeto que garante aos estudantes o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com normas e orientações legais de ensino, com base na legislação nacional. E também obriga a administração, direta e indiretamente, a utilizar a mesma base legal nos seus documentos oficiais — diz a vereadora.
Na interpretação dela, o projeto não vai impedir que a linguagem neutra circule no ambiente escolar:
— Proibir não vou poder, qual ferramenta terei para saber se a linguagem neutra foi adotada ou não? Agora, a partir do momento em que temos uma lei que garante o direito ao aprendizado da língua portuguesa formal, aí é outra coisa. Aí, se acontecer, teremos algo que não foi correspondido.
A direção da Escola São Pedro não quis se pronunciar, mas assegurou que a reclamação dessa mãe foi caso isolado e que não houve manifestações por parte de outros pais. Os professores que enviaram o material aos alunos também não quiseram se manifestar.
Formada em Letras, Comandante Nádia entende que a linguagem neutra, também chamada não-binária, é uma gíria, uma maneira informal de se expressar, e que não deve ser usada em sala de aula.
— Tu tens a língua formal e a informal. Informalmente, não tem problema usar gírias, nomes diversos. Agora, no ensino formal, não pode. Até hoje, não existe "alunes" e não existe "todes". Temos que cuidar. Professores não podem ensinar a informalidade dentro da sala de aula — diz ela.
Diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Ildo Meneghetti, Karime de Souza Kiener discorda do projeto apresentado pelos vereadores. No início do ano letivo, ela passou por uma situação parecida com a da São Pedro. Ao fazer uso da linguagem neutra para publicar um comunicado a alunos e familiares na internet, a Ildo Meneghetti foi denunciada à Secretaria Municipal de Educação (Smed), sofreu uma enxurrada de ataques nas redes sociais e a própria diretora, que é lésbica, se viu agredida pelos comentários.
Com a polêmica, foi decidido que a Ildo Meneghetti não iria, neste momento, utilizar esse tipo de comunicação.
— Recebemos contato da Smed solicitando que a gente não utilizasse a linguagem neutra. A gente acredita que o uso dessa linguagem é uma forma mais acolhedora, mais respeitosa, mas, como estávamos sofrendo um processo de violência por pessoas que não eram da comunidade escolar, por uma rede de ódio que se constrói nos meios virtuais, decidimos não usar. Não porque a gente pensa que estávamos equivocados, mas para proteger a comunidade escolar — conta Karime.
Para ela, a proposta dos vereadores de garantir que a língua padrão seja abordada em sala de aula é uma forma de silenciar opiniões divergentes.
— Não me surpreende, mas fico perplexa que isso esteja sendo proposto em 2021. A língua portuguesa não é estática. Ela vai se modificando com o tempo, acolhendo novas expressões. É preocupante que esse projeto tenha não uma preocupação com o ensino, mas com o que a gente não deve falar em sala de aula. A escola, em nenhum momento, trabalha no sentido de trazer violência. Silenciar vozes que existem na escola é uma violência que não podemos mais aceitar. Precisamos dar voz à diversidade — defende.
Primeira parlamentar assumidamente lésbica na Câmara de Porto Alegre, a vereadora Daiana Santos (PCdoB) entende que a discussão sobre a linguagem neutra não deve se resumir a contra ou a favor, e sim um tema que precisa ser ampliado e levado para a sociedade.
— Se parte das pessoas não se reconhece em uma linguagem, e o português é uma língua viva, precisamos trazer isso para um debate sério. Sem ideologia, sem conservadorismo. A gente precisa considerar que a pluralidade dos corpos e das existências existe. Não colocar o assunto para debate e dizer simplesmente "não concordamos" não constrói absolutamente nada. Se a sociedade é plural, que tenhamos inclusão — diz Daiana.
Ela também se diz desfavorável a um projeto como o protocolado pelos vereadores, que, na sua interpretação, não considera a diversidade.
— Estamos vivendo um momento em que se polariza inclusive um processo educacional. Então, precisamos olhar de uma forma diferente. Em vez de dizer "não pode, não queremos", vamos debater sobre isso? Vamos chamar a comunidade escolar para debater? — sugere.