Aliado do universitário na sua formação e inserção no mercado de trabalho, o estágio mudou de cara durante a pandemia. Muitas vagas que antes eram presenciais adotaram o modelo remoto ou híbrido. Levantamento do Centro de Integração Empresa-Escola no Rio Grande do Sul (CIEE-RS) aponta que, há dois meses, 70% das oportunidades eram de teletrabalho, mas a tendência recente tem sido de queda desse percentual. A realidade de atuar parcial ou totalmente a distância traz consigo desafios de organização, comunicação e gestão entre estagiário e empregador.
No ano passado, a crise econômica causou uma redução de 20% a 25% no número de vagas de estágio ofertadas no CIEE-RS. Mas o setor voltou a se aquecer: em 2021, 18% das oportunidades foram recuperadas. A projeção é de que, até o final do ano, o cenário pelo menos empate com o pré-pandemia.
Uma das principais dificuldades é criar, sem a convivência diária, um vínculo entre o jovem que está fazendo o estágio e a empresa. Por isso, empresas têm demandado um perfil de candidatos que saibam usar ferramentas tecnológicas, especialmente de comunicação, como Zoom, Skype e Teams.
— Se acentuou muito a demanda por conhecimento em tecnologias que permitam o relacionamento por meio de aplicativos e chamadas. Nem todos os jovens têm as mesmas possibilidades, em função das realidades socioeconômicas distintas, mas quem não tem um acesso tão fácil compensa com uma força de vontade fantástica para aprender — destaca o superintendente executivo do CIEE-RS, Lucas Sciapina Baldisserotto.
Na visão do professor Marco Antonio Pereira Teixeira, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o desafio trazido pela pandemia para o desenvolvimento de novas competências veio para todos, como a melhoria da capacidade de gestão de tempo e de executar atividades sem a presença física de colegas e supervisores, que dá margem à procrastinação. O docente recomenda uma preocupação maior com a organização de espaços e tempos de trabalho.
O trabalhador que já tinha uma rotina antes da pandemia precisou adaptá-la, mas para o estagiário que nunca teve a experiência de uma rotina de trabalho pode ser mais desafiador
MARCO ANTONIO PEREIRA TEIXEIRA
Professor do Instituto de Psicologia da UFRGS
— O trabalhador que já tinha uma rotina antes da pandemia precisou adaptá-la, mas para o estagiário que nunca teve a experiência de uma rotina de trabalho pode ser mais desafiador. Em alguns horários, haverá atividades definidas para se fazer, mas, no resto do tempo, ele terá de ser proativo — destaca Teixeira.
O CIEE-RS tem reforçado entre as empresas cadastradas que busquem sanar essa distância com o uso recorrente de ferramentas de comunicação, não só entre estagiário e gestor, mas com toda a equipe presente.
— Sem dúvida, os melhores recursos são as videochamadas, que permitem um contato mais próximo e nas quais é possível compartilhar questões e tirar dúvidas — sugere Baldisserotto.
Cultura empresarial comunicativa motivou estagiária
Manoella Inácio dos Santos, 21 anos, é estudante de Psicologia e estagiária há quatro meses no setor de Recursos Humanos da CWI Software, localizada em São Leopoldo. Este é o seu segundo estágio na pandemia. O primeiro foi totalmente remoto, e assim era também na CWI até um mês atrás, quando a empresa passou a adotar o modelo híbrido de trabalho. A dificuldade de comunicação na empresa anterior foi o que motivou a universitária a buscar outra oportunidade.
— A cultura da CWI contribuiu muito para a experiência ser diferente. Na outra empresa, cada um fazia o seu trabalho e eu me sentia muito sozinha. Nesta, temos reuniões diárias, que servem para termos uma aproximação com o setor e com a empresa — diz Manoella, que conta que, quando foi contratada, passou por um processo de integração online e se sentiu rapidamente conectada à empresa.
Na outra empresa, cada um fazia o seu trabalho e eu me sentia muito sozinha. Nesta, temos reuniões diárias, que servem para termos uma aproximação com o setor e com a empresa
MANOELLA INÁCIO DOS SANTOS
Estudante de Psicologia
A principal ferramenta usada pela CWI é o Skype. Cada estagiário tem um ou mais supervisores. A estudante de Psicologia, por exemplo, tem como referência uma assistente e uma analista, com as quais está em contato permanente.
O professor Marco Antonio Pereira Teixeira indica que o estagiário procure sempre compartilhar com seus gestores seus interesses de crescimento e aprendizado e que peça feedbacks sobre seu desempenho.
— Sabemos que o espaço para esse diálogo dependerá das características do supervisor, mas vale a pena investir nisso. Demonstra interesse em aprender e gera oportunidades não só de desenvolver habilidades, mas também de construir um sentido de por que trabalhar naquilo. Só que, para isso, temos de estar disponíveis para receber críticas — ressalta o docente da UFRGS.
Organização do tempo
O principal desafio, para Manoella, foi organizar seu trabalho em casa. Ela criou um pequeno escritório em seu quarto e é lá que cumpre a carga horária de seis horas diárias, das 9h às 16h, com uma hora de intervalo de almoço e pausas curtas de manhã e à tarde. Para definir melhor os momentos de trabalho e de descanso, a estudante procura sair para caminhar ou ouvir música entre os horários de estágio e das aulas.
— O home office me permitiu entender a diferença entre produtividade e qualidade, que são coisas distintas. Primeiro, se cuida de dentro para, depois, se cuidar de fora, para não nos sobrecarregarmos — observa a jovem.
Apesar de ter criado novos hábitos para dar conta do teletrabalho, a estagiária comemorou a possibilidade de atuar em regime híbrido, pois sente que aprende mais quando vai presencialmente à sede da empresa. Ela entende que o estágio preenche uma parte da lacuna que sente em sua formação, diante do ensino remoto oferecido há um ano e meio na faculdade onde estuda.
— As escolas estão todas abrindo e as faculdades seguem remotas, o que é muito ruim, pois nos sentimos meio deixados de lado. O estágio consegue suprir uma parte disso, sendo uma ponte entre a teoria e a prática que eu não teria — avalia a jovem.
O superintendente do CIEE-RS concorda que o estágio pode ser ainda mais importante durante as aulas remotas. Para o profissional, a supervisão diária das atividades do estágio por parte dos gestores da empresa torna o acompanhamento mais efetivo do que o das instituições de Ensino Superior, neste contexto. O estágio, para o professor da UFRGS, é uma oportunidade de desenvolver novas competências e se reconhecer enquanto profissional.
— O mundo sempre foi instável, mas a pandemia escancarou o fato de que vamos passar por mudanças que exigem adaptação. Talvez a pessoa não esteja no estágio com que ela sonhava, mas é preciso aprender a adaptar os planos à demanda externa e maximizar aquela experiência para aprender mais e ter a melhor vivência possível daquela oportunidade — pontua Teixeira.
Preferência pelo remoto
Enzo Bertoldi Oestreich, 20 anos, é estudante de Estatística e faz estágio desde março na empresa Neogrid, de soluções de gestão para o varejo. Antes disso, seu primeiro estágio foi também neste ano, em outra companhia, da qual resolveu sair por sentir que não estava aplicando tudo o que aprendia na graduação e por ser um trabalho presencial, em escritório fechado. Agora, seu estágio é remoto.
— A experiência tem sido boa porque, como eu lido com computador, não tem tanto problema ser a distância. Acabamos criando um período de meia hora na semana em que ficamos no Teams jogando conversa fora para ter uma experiência como se fosse presencial. Eu acho bem tranquilo — analisa Enzo.
Com a graduação ainda totalmente remota, o jovem se mudou de Porto Alegre e está morando em Lajeado, com sua família. Tem achado positivo fazer estágio em teletrabalho, pois evita deslocamento, mas reconhece que ainda não sabe, com sua pouca experiência profissional, como é trabalhar em grupo. Por enquanto, não há previsão de retorno para o presencial.
— Ainda não pude pegar a real essência de como é trabalhar em equipe, mas, na Neogrid, a minha equipe é pequena, de sete pessoas. Então, fica mais fácil nos sentirmos unidos, como uma família, mesmo a distância — avalia o estagiário.
O estudante, que estagia das 9h às 16h, sente dificuldade de separar os horários de trabalho e de descanso, e com frequência se vê trabalhando depois do período oficial. Não vê isso, porém, como algo ruim:
— Não temos muita coisa para fazer na quarentena, mesmo, então é uma distração. Mas realmente é complicado de separar.
O estágio tem trazido para Enzo a experiência de lidar com problemas reais, aplicando, assim, o que aprendeu em teoria na faculdade. Ele é o único estagiário de sua área de conhecimento na sucursal e, por isso, acaba sendo o “especialista” em estatística do grupo.
O professor Marco Antonio Pereira Teixeira defende que os estagiários vejam o momento da pandemia como uma oportunidade de aprendizados diferentes daqueles que se tinha em outros momentos. Segundo o docente, habilidades como qualificar a comunicação e conhecer melhor os programas e softwares, assim como fazer a gestão das suas próprias emoções, seguirão sendo capacidades importantes para além do momento atual.