Três em cada 10 alunos (31%) da Educação Básica da região Sul não estão evoluindo nos estudos, não estão motivados e manifestaram possibilidade de desistir da escola, segundo pesquisa da Datafolha. Apesar de preocupante, o percentual é o menor entre todas as regiões do Brasil – no Nordeste, metade dos estudantes apresenta risco de abandonar os estudos. A pesquisa foi encomendada pela Fundação Lemann, pelo Itaú Social e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e envolveu entrevistas entre abril e maio com 1.997 responsáveis por crianças e adolescentes de seis a 18 anos, todos estudantes da rede pública.
Além dos considerados na categoria “em risco”, outros 32% estão no grupo “resilientes” na região Sul, que envolve os estudantes que também não se sentem evoluindo nem motivados, mas não manifestaram a possibilidade de desistir da escola. Outros 28% estão se sentindo evoluindo e motivados, ainda que 9% não estejam conseguindo manter a rotina.
O professor Sani Cardon, da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), lembra que a evasão escolar não é uma novidade surgida no Brasil com a pandemia, e que ela envolve muito mais os alunos da rede pública do que da privada – e que esse abandono é potencializado pela falta de investimento.
— O jovem quer um ensino oferecido a partir de metodologias ativas, que trabalhe com inovação e se aproxime das necessidades dele, mas isso demanda investimento. Na pandemia, essa falta é agravada: muitos alunos da rede pública tiveram que se contentar com aulas assíncronas, enquanto os da rede privada tiveram contato síncrono, que permite a troca com os professores — observa o docente, que destaca que o vínculo é um fato motivacional para os estudantes.
A secretária estadual de Educação, Raquel Teixeira, revela que o governo do Estado pretende contratar uma empresa que realize a busca ativa para evitar o abandono escolar. Hoje, quem faz a busca ativa – que envolve descobrir onde estão os alunos que pararam de participar das aulas e trazê-los de volta – são diretores e professores das escolas. A ideia é, diante do aumento da evasão, profissionalizar essa busca.
— Existe uma empresa em São Paulo que faz busca ativa e também estamos vendo a possibilidade de fazer por meio da OEI (Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura), que tem uma plataforma importante de busca ativa. É um processo caro e, por isso, não tem nada fechado — detalha a secretária, que estima que o trabalho entraria em vigor ainda no segundo semestre de 2021.
Maioria dos pais considera educação ótima ou boa na região
Ainda que o risco de abandono escolar exista, a maioria dos entrevistados da pesquisa na região Sul (64%) afirmou que considera ótima ou boa a educação que seu filho recebe da escola pública atualmente. A média brasileira foi de 56%. Na comparação entre antes da pandemia e hoje, porém, o percentual de pais que consideravam o desempenho de seus filhos ótimo ou bom caiu de 86% para 63%.
A região Sul também foi destaque na abertura das escolas, junto à Sudeste – em ambas, 40% dos entrevistados responderam que a instituição de ensino na qual o filho está matriculado voltou a funcionar com aulas presenciais, total ou parcialmente. O índice mais baixo está na região Norte, com 6%. Mesmo com o percentual privilegiado de reabertura das escolas, 39% dos pais que responderam à pesquisa na região Sul optaram por não levar seus filhos à escola.
No processo de alfabetização, a maioria dos entrevistados (54%) da região Sul respondeu que seus filhos aprenderam coisas novas. Outros 17% disseram que a criança “desaprendeu” coisas que já sabia. A maior preocupação dos pais nessa região é com a falta de progresso no processo de alfabetização e, em segundo lugar, com o baixo desempenho escolar.
Modelo no limite
Na percepção de Daniel de Bonis, diretor de Políticas Educacionais da Fundação Lemann, o resultado da pesquisa mostra que o modelo não presencial de ensino chegou ao seu limite e que, agora, é necessário priorizar o retorno presencial, de forma segura e organizada.
— A região Sul tem índices um pouco melhores do que outras regiões, mas o problema em comum é o fato de os estudantes estarem menos motivados, com dificuldade de se organizar na sua rotina, e os pais estarem preocupados com um possível abandono dos estudos — relata de Bonis.
Para reduzir a evasão, o diretor de Políticas Educacionais orienta que o primeiro passo, antes mesmo da avaliação de perdas de aprendizagem, é garantir o vínculo do aluno com a escola, por meio de um acompanhamento especial durante a matrícula e atenção à busca ativa daqueles que não têm assistido às aulas.
— Se você perder esse aluno, será muito difícil recuperá-lo, porque ele vai ficando mais velho e mais atrasado. É fundamental fazer a busca ativa e garantir o acolhimento desses estudantes, sem deixar para eles ou para os professores o peso de que devem recuperar desde já o que ficou para trás, porque isso leva tempo — salienta o especialista.
O impacto no aprendizado vai depender das condições de estudo que o aluno tem em sua residência e de sua faixa etária. O maior impacto, na visão de De Bonis, é entre os estudantes mais novos, que têm menos autonomia e capacidade de concentração, mas será necessário ter um olhar mais individualizado para cada aluno, de acordo com o diretor da Fundação Lemann, para sanar o que ficou para trás.
Rio Grande do Sul aposta em avaliação diagnóstica de alunos
A secretária Raquel Teixeira diz que entende a preocupação dos pais entrevistados e diz que essa é a “maior crise educacional da história da humanidade”, com estudantes abandonando os estudos e indo para subempregos e pessoas com medo de voltar para as aulas presenciais.
— Há todo tipo de motivação para os pais estarem preocupados, principalmente por vivermos no século 21, que, diferentemente da época colonial, quando o extrativismo dava dinheiro sem necessidade de se ter educação, o motor hoje é o conhecimento, a inovação, a capacidade de trabalhar em grupo, criar, inovar, e isso se faz na escola — pondera a secretária.
Para mitigar as perdas de aprendizagem ocorridas ao longo do período sem aulas presenciais, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) realizou o Avaliar é Tri – uma prova feita por estudantes do segundo ano do Ensino Fundamental ao terceiro ano do Ensino Médio, nas disciplinas de língua portuguesa e matemática, sem a aplicação de nota, com o objetivo de entender o nível de aprendizado. O resultado dessa avaliação será divulgado entre 7 e 14 de julho.
Dos 680 mil alunos das escolas estaduais gaúchas nessas etapas, 524 mil (77%) participaram da avaliação diagnóstica. Para agosto, a pasta fará uma avaliação amostral, com 15 mil alunos do Ensino Fundamental I, 15 mil do Ensino Fundamental II e 15 mil do Ensino Médio, escolhidos de forma a cobrir toda a diversidade geográfica e socioeconômica da rede. Diferentemente da avaliação diagnóstica, a amostral será obrigatoriamente presencial e cada aluno receberá uma nota por seu desempenho.
O resultado das avaliações servirá de base para a elaboração do processo pedagógico de recuperação das aprendizagens. Nesta terça-feira (29), foi iniciado um curso para os diretores das escolas estaduais, que mostra como transformar o resultado das avaliações em propostas pedagógicas. Em paralelo, outra equipe da Seduc trabalha com os professores, para definir possibilidades de práticas a serem aplicadas a partir das demandas pedagógicas que surgirem.
— Os pais podem ficar tranquilos porque estamos fazendo um trabalho muito científico, com base em evidências, para oferecer ao aluno o que ele não tem. É uma ação que se manterá ao longo de 2021 e 2022, porque as perdas não são recuperadas de uma hora para a outra, mas a retomada das habilidades essenciais é, sim, possível — garante a secretária.