Poucas horas depois de uma reunião a portas fechadas na Faculdade de Engenharia na tarde desta quarta-feira (7), em que a direção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o movimento negro pareciam ter entrado em um acordo sobre mudanças na metodologia para verificar a autodeclaração de cotistas negros e indígenas, ativistas bloquearam a entrada da Reitoria por insatisfação com o resultado da conversa. A Reitoria considera que atendeu a parte das exigências, mas o Coletivo Balanta discorda.
Alguns funcionários da universidade chegaram a ficar trancados dentro do prédio, mas foram liberados por volta de 20h, quando integrantes do movimento se concentraram no saguão para uma assembleia sobre o rumo das reivindicações. Um vidro foi quebrado, e a Brigada Militar chegou a ser acionada. Teve também empurra-empurra.
O encontro da tarde reuniu o reitor Rui Vicente Oppermann, integrantes da Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial (que avalia os cotistas em primeira instância), da Comissão de Recursos (que julga os candidatos em segunda instância) e do movimento negro. Dentre as alterações com as quais a Reitoria diz ter concordado estavam duas exigidas pelo movimento negro: a ascendência de pais e avós não seria mais fundamental para o resultado das aferições e estudantes negros deveriam, também, estar entre os avaliadores.
Em conversa com GaúchaZH logo após o fim do encontro, às 17h30min, Oppermann destacou que a instituição “não dará vagas a pessoas por terem pais ou avós negros”. Mas foi justamente esse um dos pontos que teria deflagrado a confusão posterior. Cilas Machado, estudante que era da Comissão Permanente e pediu afastamento, estava na reunião. Ele afirma que a UFRGS não propôs uma alteração significativa na pauta do movimento negro. A principal reivindicação é de que a Reitoria retirasse a questão de ascendência negra ou indígena de pais ou avós como fator relevante na avaliação.
O estudante de Psicologia Arthur Katsurayama ficou desde as 18h preso dentro da Reitoria. Ele diz que cerca de 120 funcionários ficaram à espera da liberação do prédio:
— A interação com os militantes foi tranquila. A Reitoria é ocupara direto. O pessoal ficou esperando a porta ser aberta.
Discórdia começou após saída de pessoas da comissão
Em portarias publicadas em fevereiro, a UFRGS estabeleceu critérios para avaliar os candidatos que entrarem com recursos, depois de terem sua autodeclaração rechaçada na Comissão Permanente, onde é analisado o fenótipo – ou seja, se a pessoa tem características físicas negroides. O principal ponto da discórdia é que, com o novo regramento, o aluno poderá ser considerado negro e ingressar como cotista caso apresente documentação demonstrando que pais ou avós são pretos ou pardos. Depois disso, 10 dos 17 membros da comissão de verificação da autodeclaração, que analisa o fenótipo, pediram desligamento.
Nesta quarta-feira (7), enquanto a reunião ocorria, integrantes do movimento negro organizaram uma aula aberta em frente à Faculdade de Educação (Faced). De forma improvisada, cerca de cem alunos ouviram as falas de pesquisadores de questões étnico-raciais e de militantes do movimento negro criticando a UFRGS e o racismo na universidade.
Entre os palestrantes, estava Georgina Helena Nunes, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e pesquisadora das relações raciais. Ela criticou a possibilidade de a raça de pais e avós influenciar no parecer final da UFRGS para determinar se o aluno merece ou não uma vaga como cotista.
— O neto branco com avô negro ou pardo tem um passaporte que o avô não tem. O avô fica vulnerável, o neto não. Essa é a característica do racismo brasileiro. Ele tem uma especificidade para atingir, e essa especificidade é fenotípica — afirma.
Sentados debaixo de uma árvore, Airan Albino, 28 anos, e Winnie Bueno, 29 anos, ouviam com atenção.
— É dever de quem está aqui se opor ao que a UFRGS está promovendo. Ela está tentando embranquecer a universidade — disse Albino, que é jornalista.
Winnie, que é ativista do movimento negro, cita a importância da aula como “espaço de resistência negra”.
— As cotas raciais foram criadas por um arcabouço teórico do ativismo político-intelectual negro, que não estava no Direito Público. A UFRGS não reconhece a intelectualidade negra. O retrocesso da UFRGS ocorre dentro de uma conjuntura de retrocessos no Brasil, em outras instituições. É uma ruptura muito interligada — avalia a pós-graduanda em Direito Público na Unisinos.
Até as 23h desta quarta-feira (7), manifestantes seguiam bloqueando a reitoria, montando a estrutura para passar a madrugada no local. O grupo informou que seguirá ocupando a área até que as revindicações do movimento sejam atendidas.