Após a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) promover mudanças nos procedimentos para avaliar se os alunos que se autodeclaram negros no último vestibular têm direito às vagas de cotas raciais, mais de uma dezena de militantes se reuniu a portas fechadas, na tarde desta segunda-feira (5), com representantes da instituição – entre eles, o reitor Rui Vicente Oppermann e a titular da Coordenadoria de Ações Afirmativas, Denise Jardim. O encontro foi uma tentativa de diálogo em meio à discordância na forma como aferir a autodeclaração dos candidatos pelo sistema de cotas raciais.
A conversa teve apenas exposição de argumentos sobre a avaliação da autodeclaração racial de cotistas, sem qualquer tomada de decisão. Um integrante do Coletivo Balanta que estava presente e não quis ter a identidade divulgada afirmou que "não houve avanço em nada".
— A reunião acabou sendo uma conversa, mas não houve iniciativa por parte da Reitoria. Ela não quer reagir dentro do que é necessário para garantir a segurança das cotas — criticou.
Segundo a assessoria de imprensa da UFRGS, reunião na quarta-feira (7), que incluirá também membros da Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial (responsável por analisar os candidatos em primeira instância administrativa) e da comissão recursal (que analisará os recursos), "poderá promover mudanças no atual sistema de verificação, caso todos considerem a pertinência e a necessidade de adequações".
O Balanta foi responsável por entregar, em julho do ano passado, uma lista com cerca de 400 universitários que supostamente teriam entrado no vestibular fraudando as cotas raciais. Destes, 274 foram investigados pela UFRGS e 35 foram considerados negros por uma comissão especial, que avaliou o fenótipo (características físicas) dos estudantes.
A universidade recebia o apoio de movimentos negros até, em fevereiro, estabelecer, mediante portarias, os critérios para estudantes entrarem com recursos em segunda instância. A principal mudança é que, agora, o aluno poderá ser considerado negro e ingressar como cotista caso apresente documentos indicando que pais ou avós são pretos ou pardos (que formam o grupo negro). Como protesto, 10 dos 17 membros da Comissão Permanente se afastaram de forma voluntária.
— A gente entende que, no Brasil, o racismo se dá pelas características físicas. A polícia não pergunta quem é teu avô para te parar na rua. Somos um país miscigenado, todo mundo tem avô negro, com quem talvez nem tenha convivido – argumenta a estudante de Direito Carla Zanella Souza, 28 anos, integrante do Balanta.
Outra crítica é à formação da comissão recursal — segundo o Balanta, o movimento negro não está representado entre os avaliadores. Carla diz que a escola dos membros “é política”.
— São pessoas que vão seguir as ordens da Reitoria, que não quer processo judicial. Eles não querem que chegue até isso — afirma Carla.
Intervenção com música e discursos
Enquanto a reunião ocorria no prédio da Engenharia, militantes promoveram uma manifestação em frente à Faculdade de Educação (Faced). Panfletos eram distribuídos, acusando a UFRGS de ser “conivente” com práticas racistas.
Uma caixa de som reverberava músicas, como A Carne (“A carne mais barata do mercado é a carne negra”, diz um verso). Com o microfone aberto, jovens criticavam as mudanças adotadas pela universidade e denunciavam episódios de racismo.
O alpinista Henrique Cruz Machado, 23 anos, e a esposa, a estudante de Música Lana Shara dos Campos, 19 anos, foram à manifestação para acompanhar os debates.
— É errada a forma como a UFRGS está lidando com o assunto. É uma forma sutil de acabar com as cotas — defende Machado.
— A universidade tem um número muito pequeno de cotistas — argumenta Lana. — Isso tira o espaço do povo negro. A forma como isso é lidado na UFRGS repercute em outras universidades e inclusive no serviço público — avalia.