Filip de Fruyt é especialista em Psicologia Diferencial, pesquisador e professor da Universidade Ghent, na Bélgica. Visitante frequente no Brasil, ele dá aulas online na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e esteve em Porto Alegre recentemente para dar palestras. Ele foi um dos convidados do CongregaRH 2024, promovido em setembro pela Associação Brasileira de Recursos Humanos seccional Rio Grande do Sul (ABRH-RS).
O pesquisador dedica seus estudos ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais em jovens e adultos como preditores do sucesso pessoal e profissional e da empregabilidade. Ele é membro fundador de um projeto do Instituto Ayrton Senna que implementa e avalia políticas educacionais de larga escala no Brasil.
Também é fundador do EduLab21, o Centro de Conhecimento do instituto, que conta com uma cátedra na Universidade Ghent, na Bélgica. É coautor de mais de 200 publicações científicas em periódicos que são referência na área.
Consultor e palestrante, ele foi responsável pela construção de importantes modelos psicométricos sobre a forma como os indivíduos se diferenciam entre si e como isso afeta as rotinas de trabalho. Veja, abaixo, a entrevista completa com o especialista.
Confira a entrevista
Por que as habilidades socioemocionais ganharam tanta importância e repercussão nos últimos anos?
Quando eu era jovem e estava na escola primária, a principal “habilidade” esperada de nós era ficar quieto e calado. Estas eram as competências avaliadas na época. Mais tarde, as pessoas perceberam que um espectro muito mais vasto de competências se tornaria importante, para além dos conhecimentos técnicos.
Temos que continuar a aprender Matemática, Língua Portuguesa, Geografia, etc. Mas não podemos deixar de prestar atenção nessas habilidades, que serão muito importantes para o futuro e para o mercado de trabalho.
As competências socioemocionais não vão substituir o conhecimento, como muitas pessoas pensam.
Quais são as principais competências socioemocionais para o futuro, na sua avaliação?
Existe um forte consenso sobre cinco dimensões que englobam as principais competências socioemocionais. O primeiro é o que chamamos de envolvimento com os outros. Na verdade, trata-se de todo o tipo de competências que se relacionam com interação social, com ser assertivo para defender o seu ponto de vista. Um segundo grupo de competências tem a ver com a qualidade das relações. Entram nesta caixa competências como a amizade, ser respeitoso. Para além das competências mais interpessoais, precisamos também de habilidades de autogestão. Estas são competências orientadas para as tarefas, como a concentração, a ordem, a organização. E um quarto grupo é inovação e ter a mente aberta. Tratam-se de competências relacionadas à criatividade, ao pensamento inovador, ao pensamento crítico. E, finalmente, não acontecem só coisas boas na vida das pessoas. Também precisamos preparar as pessoas para lidar com situações difíceis. O quinto grupo é constituído pelas competências de resiliência emocional ou de regulação das emoções. É por meio delas que lidamos com os contratempos, com a frustração, com as coisas que não correm dentro do planejado. Portanto, há um consenso sobre estes cinco aspectos. E precisamos focar nestas cinco dimensões quando se trata da educação e do mercado de trabalho.
Não gosto do termo “soft skills” porque as competências socioemocionais não têm nada de “soft” e as “hard skills” não têm nada de “hard”, de difícil.
Temos falado muito em “soft skills” aqui no Brasil. Essas habilidades que você comentou se relacionam com isso?
Prefiro o termo competências socioemocionais, porque a maior parte das competências são, na verdade, uma combinação de habilidades e personalidade.
A maioria das competências é, de fato, uma combinação daquilo a que chamaríamos de hard e soft skills ou competências cognitivas e não cognitivas. Por exemplo, a colaboração como uma competência. A colaboração seria, em tese, algo relacionado às “soft skills”. Mas quando falamos de colaboração, também é necessário saber se comunicar com os outros. E esse é um tipo de capacidade que poderia ser considerada “hard skills”, uma competência técnica. Por isso, eu sempre digo que as “soft skills” também podem ser difíceis de aprender, muitas vezes. As competências são, na verdade, um amálgama de traços de personalidade combinados com as habilidades. O pensamento crítico, por exemplo, tem um aspecto forte de habilidade, tem a ver com raciocínio e verificação de pressupostos. Mas também tem relação com a personalidade da pessoa. Tudo isso está englobado dentro dos quatro principais grupos que estudo – interesses, personalidade, habilidades e valores.
Qual a importância das habilidades socioemocionais na carreira e por que você as considera preditoras do sucesso pessoal e profissional?
Estamos falando de competências que são relevantes não só na carreira, mas também na vida pessoal. Por isso, consequentemente, também serão eficazes e importantes para o mundo do trabalho. Temos diversos empregos que envolvem relações interpessoais. Jornalista ou vendedor, por exemplo. Você precisa interagir com muitas pessoas diariamente, então, é imperativo que tenha boas habilidades interpessoais. Habilidades que se relacionam com as relações interpessoais são fundamentais neste caso. Se o profissional quiser ser pesquisador, é importante ter autogestão, por exemplo. A forma como ele lida com os dados será muito importante em termos de inovação e ter a mente aberta, além de curiosidade intelectual. Cada pessoa precisa ter uma espécie de caixa de ferramentas com diferentes habilidades, que será útil para resolver problemas na carreira. Mesmo quando o sujeito se sentir insatisfeito com o trabalho e buscar uma mudança de carreira ou de área, por exemplo. Nesse caso, será importante ter competências de resiliência emocional para fazer alguma coisa, para tomar alguma atitude, ter assertividade para começar a fazer alguma coisa. Seja para procurar ajuda ou para explorar os seus interesses.
O Low Lands Assessment Systems (LOLA), questionário para escolhas de carreira que você desenvolveu, auxilia nisso, certo? Como funciona essa ferramenta e qual é sua importância?
É uma ferramenta de desenvolvimento que construímos, que consiste em avaliar os interesses vocacionais do indivíduo. Tem um modelo muito popular e muito importante que foi concebido por John Holland a partir dos anos 1960. O teórico descreveu os interesses das pessoas em torno de seis componentes principais: realista, investigativo, artístico, social, empreendedor e convencional. E o que fizemos no LOLA foi dar um passo adiante e conceber um sistema de avaliação com caraterísticas adicionais. Esse instrumento pode ser utilizado por estudantes ou profissionais maduros que estejam enfrentando dúvidas na carreira. Por exemplo, alguém que tenha perdido o emprego da noite para o dia. Nossa avaliação permite que a pessoa explore suas possibilidades de forma ampla, com base em seus interesses.
Como as equipes de Recursos Humanos podem adotar essas estratégias?
Outro uso para a plataforma é junto às equipes de Recursos Humanos, ou seja, como aproveitar os interesses vocacionais na gestão de talentos. Todas as organizações dizem que fazem gestão de talentos. Mas, na verdade, boa parte delas realiza um trabalho fragmentado, com programas voltados a um pequeno grupo de pessoas da empresa, que funciona como uma espécie de planeamento de sucessão. Nos dias de hoje, em que falamos de lifelong learning, precisamos de um programa de gestão de talentos pensado para toda a organização, e não somente para os mais jovens. As pessoas estão trabalhando por um período mais longo da vida, e os jovens pulam de emprego com mais frequência, eles buscam diversas experiências ao longo da carreira. E isso exigirá mais aprendizados. Assim, a gestão de talentos torna-se uma questão muito, muito importante nas organizações. Se quisermos fazer uma gestão de talentos sustentável, temos de nos concentrar naquilo que as pessoas gostam de fazer, os interesses. Se a pessoa não gostar do trabalho, é muito pouco provável que siga fazendo aquilo durante 30 ou 40 anos. E é claro que podemos evoluir no nosso trabalho. Os seus interesses também podem mudar. Os interesses e prioridades vão mudando conforme a fase da vida, conforme as pessoas se casam, têm filhos, entre outros fatores. Por isso, precisamos tornar os empregos sustentáveis e manter as pessoas empregáveis, e isso não diz respeito somente às competências, mas também aos interesses.
E como os profissionais podem desenvolver essas habilidades socioemocionais? Por meio de cursos específicos ou ao longo da trajetória da educação formal?
Nós nos desenvolvemos o tempo todo. Mesmo quando você tem 60 ou 70 anos, você vai continuar se desenvolvendo constantemente, e com as habilidades socioemocionais não é diferente. Normalmente, a gente aprende essas competências fazendo, assim como outros aprendizados. Mas existem cursos e projetos para auxiliar nesse processo. Temos iniciativas como o programa MySkills, do Instituto Ayrton Senna. Por meio dele, treinamos e apoiamos alunos no desenvolvimento dessas competências, auxiliando no ingresso no mercado de trabalho. Em termos de desenvolvimento formal, há três coisas importantes a se pensar. Primeiro, você precisa da linguagem. É isso que tentamos ensinar aos alunos. Nós ensinamos a eles o tipo de linguagem, o tipo de habilidades que você precisa para resolver os problemas do cotidiano. Você precisa nomear os problemas que está enfrentando para saber como resolvê-los. Esses rótulos ajudam os alunos a definir melhor o problema e entender onde eles podem encontrar uma solução dentro da sua "caixa de ferramentas". O vocabulário é importante. Em segundo lugar, ensinamos a eles que há níveis de domínio das habilidades. Você pode ter um tipo de nível básico, mas também pode chegar a um nível avançado.
Nós não vamos necessariamente atingir um nível avançado em relação a todas as habilidades socioemocionais. Mas há sempre espaço para melhorias, esse é o ponto.
Por fim, apresentamos situações-problema aos alunos para que eles entendam que tipo de habilidades precisam para lidar com aquela determinada situação. Cognitivamente, isso é importante, saber identificar as ferramentas certas para lidar com um problema. Isso lhe dá mais controle sobre a situação. Caso contrário, a pessoa fica perdida e entra em desespero, em uma situação de crise. Sistematicamente, é isso que fazemos.