Jornalista, palestrante e escritora, Sonia Consiglio tem 57 anos e atua com sustentabilidade e comunicação há mais de vinte anos. A especialista foi reconhecida em 2016 pelo Pacto Global da ONU como “SDG Pioneer”, uma das dez pessoas do mundo que impulsionam o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, conjunto de metas estabelecido pela ONU a serem cumpridas até 2030.
É Conselheira de Administração e membro de Comitês ESG (Environmental, Social, and Governance), ou Governança ambiental, social e corporativa, na tradução. Autora do livro #vivipraver – A história e as minhas histórias da sustentabilidade ao ESG e Top Voice de Sustentabilidade pelo LinkedIn, Sonia contribui na conscientização sobre ESG e sua importância, dentro e fora das empresas.
Por meio de trabalho de consultoria nas organizações, ela explica o papel das equipes e lideranças nesse movimento. Ela também atua como conselheira na Brazil Foundation e como professora em instituições como FIA e Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
ESG não é um tema novo. Há anos essas práticas estão no radar das empresas. O que mudou nos últimos anos que amplificou essa discussão?
A pandemia foi uma virada de chave do ponto de vista das empresas, mostrando que essas questões são mais estratégicas e menos operacionais. Essa questão de saúde colocou a economia em lockdown, e os líderes perceberam que o mundo é interligado. Houve um despertar das altas lideranças, dos conselhos, dos CEOs que ainda não estavam atentos, para a importância da agenda ESG do ponto de vista estratégico. De olhar para essa agenda não como uma lista de afazeres, mas como as questões sociais e ambientais podem impactar o meu negócio. E tem movimentos anteriores à pandemia que já vinham acontecendo. Muitos riscos se materializaram, com os desastres ambientais que vimos acontecer, e oportunidades foram criadas em torno dessa agenda. Muitas empresas perceberam que estavam perdendo dinheiro e oportunidades por não olharem para a agenda ESG.
Um desastre recente foi a enchente que atingiu no Rio Grande do Sul. Você acredita que isso influenciou de alguma forma a visão das empresas sobre ESG?
Sem dúvidas. Para as empresas que já estavam engajadas na agenda, houve um aumento da conscientização, porque o que aconteceu no RS foi extremo. Nunca tínhamos visto uma devastação tão grande como essa. As empresas já conscientes ligaram ainda mais o alerta. Quem estava fora dessa discussão teve um despertar. Esse evento é um marco na agenda de conscientização sobre a gravidade das mudanças do clima. É um sinal de alerta definitivo para o setor empresarial e público também, assim como a sociedade civil, todo mundo foi mobilizado.
Qual a relação disso com o conceito de "cisne verde", que se refere à crise financeira gerada pelas mudanças climáticas?
Esse conceito aborda como que uma tragédia climática, como esta que devastou cidades inteiras no Rio Grande do Sul, afeta a questão financeira, social e ambiental. As empresas têm que ter lucro, mas ele não pode mais ser baseado só em variáveis econômico-financeiras. Porque os desastres ambientais e sociais também impactam no financeiro. Se a empresa não estiver gerenciando os seus riscos socioambientais, ela está colocando em risco o seu retorno financeiro. A lógica é mudar a gestão empresarial, trazer essas variáveis para o seu acompanhamento, para a sua mitigação. As empresas precisam ampliar o olhar para questões sociais e ambientais, e isso já está acontecendo. Assim surge esse conceito dos cisnes verdes. Quando a gente fala de ESG, de sustentabilidade, é uma transformação de modelo de mundo. Onde pessoas, meio ambiente e a forma como a gente faz as coisas, que é a governança, passaram a influenciar o capitalismo, a forma como nós geramos riqueza. Aí que entra o capitalismo consciente, responsável, o capitalismo de stakeholder. Independentemente do nome adotado, é um novo capitalismo.
Seu trabalho de consultoria e conscientização sobre ESG junto às empresas é mais focado nas lideranças ou nas equipes, como um todo?
Eu faço em todos os níveis, depende do momento da empresa. Têm surgido muitas demandas para trabalhar com o conselho de administração, o que chamamos de letramento da alta liderança. As empresas querem alguém de fora que traga as tendências, os movimentos que estão acontecendo. Existe uma demanda grande para trabalhar isso com a alta gestão das empresas, então, esse é um público. Tem um outro movimento que as empresas costumam fazer, quando elas lançam seus relatórios de sustentabilidade ou suas metas. Nesse caso, elas me chamam para auxiliar a divulgar isso, para realizar uma palestra, por exemplo. Ou seja, depende da abordagem. Quando trabalhamos com a alta liderança a conversa é mais estratégica, no sentido de mostrar a responsabilidade que a gestão tem dentro desses temas. Que é fazer acontecer, quando falamos de conselho. Quando falamos para os funcionários como um todo, tem uma abordagem de movimento, de mostrar a importância e como isso vai impactar na vida deles, quer queiram, quer não. Mas sem as lideranças as coisas não vão acontecer, eu sempre digo. Ou vão acontecer, mas vai demorar o triplo do tempo e gastar o quádruplo de energia. Essa é a principal mensagem que eu trago, que as lideranças têm que estar envolvidas e tomando as decisões, porque são elas que têm o poder da caneta, de exercer, de assinar um compromisso ou fazer algo acontecer.
Que lacunas você percebe no setor privado em relação à implementação da agenda ESG?
Quando a gente separa as três letras, temos um desafio grande no ‘S’ do ESG, que trata sobre pessoas. Precisamos pensar em como trabalhar direitos humanos na cadeia de valor, nos fornecedores e nos funcionários, de uma forma mais efetiva. Mas eu gosto de juntar as três letras. Precisamos usar a lente da sustentabilidade de uma forma holística, e trazer essas questões no planejamento estratégico da empresa. Se você continua olhando só para o ponto de vista financeiro no planejamento, você terá problemas a curto prazo. Tem um desafio grande do ponto de vista de mercado que impacta na gestão empresarial.
Quais mudanças estão acontecendo dentro das empresas, na prática, que servem como bom exemplo?
O Brasil foi o primeiro país do mundo a aderir, por meio da Comissão de Valores Mobiliários, às normas do International Sustainability Standards Board. As empresas estão muito atentas a isso, e isso vai trazer uma mudança absurda na forma como olhamos para a sustentabilidade. A International Financial Reporting Standards Foundation criou essas duas primeiras normas para a elaboração de relatórios de sustentabilidade. Com isso, as empresas terão de publicar as informações sociais, ambientais e de governança junto das informações financeiras. Isso será obrigatório a partir de 2027, ou seja, as informações relativas ao ano de 2026. Isso vai mexer muito com o mundo da contabilidade. Atualmente, não é feito dessa forma, é tudo separado. O relatório de sustentabilidade é voluntário, inclusive. Por isso, nem sempre temos um padrão comparável. Isso significa que a partir de 2026 vamos acabar com o mundo paralelo da sustentabilidade, do ponto de vista de publicação de informações, da transparência. Conforme nós vamos acelerando esses movimentos de criação de mercado e de estabelecer novas regras, vamos mudando a lógica de que essas questões são voluntárias. Esse movimento não é algo voluntário, mas sim algo essencial para os negócios.
Quanto dessas iniciativas se concretiza, de fato? Muito se fala de greenwashing (lavagem verde) por parte das empresas, de um discurso que fica só no papel.
Um ponto importante é que agora começam a surgir regras, como essas normas internacionais. São formas de estabelecer critérios para que as empresas possam se declarar socialmente e ambientalmente responsáveis. Tem fundos de investimento sendo multados, porque nos panfletos dizem uma série de coisas que não correspondem à realidade, conforme critérios definidos pela Anbima [Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais]. Essa é uma forma de tentar coibir os washings. Outro aspecto é o controle social muito maior que temos hoje. Se uma empresa vem a público dizer que ela faz uma coisa que ela não faz, ela pode ser penalizada fortemente, pode ser cancelada, gerar um movimento nas redes sociais. Por isso, as organizações estão mais atentas a essas questões, evitando exagerar nas narrativas, porque já vimos muitos casos que deram errado. O lado bom é a visibilidade que esses temas ganharam.
Essa pressão exercida pelos jovens e pelas redes sociais tem surtido efeito nas práticas das empresas?
Com certeza. Da pandemia para cá o mundo virou digital. O que não era acabou se tornando digital depois da pandemia. Uma pesquisa recente da Orbit mostra as redes sociais que mais estimulam conversas sobre sustentabilidade, e a primeira da lista é o TikTok. Instagram e YouTube também. Então, não tenho dúvidas. A rede social hoje é onde nós pressionamos e valorizamos as empresas também, principalmente em relação a essas temáticas. E a geração Z já vem com o chip da sustentabilidade, eu sempre brinco. Essa é uma das coisas que me animam, porque estamos fazendo essa transição de modelo e já temos uma geração que chega mais consciente, mais preocupada com o impacto ambiental, que vai acelerar essa transformação.