Aprovada nesta terça-feira (6), uma resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) sugere mudanças na condução dos desafios enfrentados pela Educação em meio à pandemia do coronavírus. Entre as alternativas construídas pelo grupo está a que permite o ensino remoto nas escolas públicas e particulares do país até 31 de dezembro de 2021. Dessa forma, as redes de ensino podem organizar seus calendários, com reposições de aulas perdidas e avaliações não apenas até o fim deste ano. O documento também recomenda que as escolas não deem faltas aos alunos neste período de pandemia.
A resolução ainda precisa do aval do Ministério da Educação (MEC) — o CNE é responsável por assessorar o ministério nas políticas educacionais federais, formulando e avaliando a política nacional de educação.
De acordo com o site G1, também foi aprovado que Estados e municípios optem pela fusão dos anos letivos de 2020 e 2021 por meio da adoção de um currículo contínuo de dois anos, na educação básica, e que os estudantes do 3º ano do Ensino Médio tenham um ano letivo "suplementar".
Para o doutor em Educação e pós-doutor em Sociologia pela Universidade Federal do RS (UFRGS) e professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) Gregório Grisa, a decisão de permitir atividades remotas até 2021 e a fusão dos anos letivos "pode dar mais tranquilidade para as redes".
— A decisão do CNE autoriza, de maneira razoável, que se siga fazendo no ano que vem o que está se tentando fazer agora, já que a pandemia seguirá presente em 2021. É uma normativa de exceção, que tenta sistematizar o que pode ser feito em momento de emergência — afirma.
No entanto, ele destaca que "os efeitos dessa decisão podem ser diferentes para educação básica e superior e para educação pública e privada".
— São realidades muito diferentes. Hoje vivemos processos de adaptação de professores, estudantes e famílias. Mesmo com o retorno presencial no ano que vem, para fins de reforço e recuperação, o ensino remoto será necessário. Essa ampliação do CNE preserva a autonomia das redes, mas tem de ser acompanha de planejamento do poder público de como irá garantir que os estudantes tenham computador e internet para seguir realizando atividades remotas, parcial ou totalmente, em 2021 — avalia.
Para isso, Grisa defende que o MEC deve ter participação "mais ativa", tanto para auxiliar alunos e professores no acesso à internet quanto para garantir que as redes possam realizar avaliações para verificar a aprendizagem dos alunos durante o período.
Esta também é uma preocupação do doutor em Educação Gabriel Grabowski, membro do Conselho Estadual da Educação (CEEd/RS). Seu receio é de que o prolongamento do ensino remoto possa causar danos difíceis de reparar entre parte dos alunos.
— Cerca de 40% dos estudantes da rede pública estão sendo muito prejudicados por esta questão da tecnologia. Os governos precisam se articular melhor e investir efetivamente na melhoria do acesso remoto às aulas — aponta.
Grabowski avalia que a eventual definição, ainda em outubro, de que haverá união dos calendários dá tranquilidade às escolas, governos e alunos para que planejem o próximo ano e possam flexibilizar suas atividades.
— É uma inovação positiva, permite que as escolas foquem efetivamente no aprendizado do aluno sem estarem presas à questão de aprovação ou reprovação — completa.
Conforme a presidente do Cpers Sindicato, Helenir Aguiar Schürer, a ideia de mesclar os calendários de 2020 com 2021 já era uma sugestão de educadores para viabilizar a recuperação de alunos que ficaram prejudicados pelo ensino remoto, em particular da rede pública. No entanto, Helenir também frisa que é preciso dar melhores condições tecnológicas para que o ensino remoto continue próximo ano.
— Os alunos tiveram e ainda estão tendo dificuldades com o ensino remoto, principalmente em razão da dificuldade de acesso à internet. Caso se confirme a prorrogação do ensino remoto ao próximo ano, é fundamental que se dê melhores condições para usarem as plataformas com conteúdos — afirma.
Para o secretário de Educação da Capital, Adriano Naves de Brito, há receio de que ocorra a precarização dos processos de aprendizagem ao unir os calendários dos dois anos.
— Se aponta a possibilidade de junção de 2020 com 2021 sem uma avaliação própria dos resultados de 2020. Isso pode induzir muitas redes, públicas e privadas, a simplesmente passar em uma borracha sobre 2020 e recuperar em 2021, como se pudessem recuperar este ano lá na frente. Acho preocupante, e isso aponta para um cenário, na minha avaliação sombrio, para a educação brasileira. Podemos estar criando uma situação, sem nenhum procedimento centralizado via MEC, de simplesmente certificar os alunos sem que a gente realmente se preocupe com a aprendizagem deles.
Maria Beatriz Luce, professora da Faculdade de Educação da UFRGS e ex-conselheira do CNE entre 2004 e 2012, lamenta que a decisão do conselho tenha sido tomada sem levar em conta todo o rito democrático, ouvindo sugestões de professores, sociedade civil e educadores. Essa falta de diálogo, ela exemplifica, pode tornar nebulosas questões como a aplicabilidade da sugestão de um ano suplementar para jovens que tenham finalizado o Ensino Médio em meio à pandemia.
— Dependendo da forma como isso for aplicado, pode atender às necessidades educacionais e de igualdade de ensino. O fundamental é que as flexibilizações não ocorram às custas da qualidade — alerta.
Procurada para analisar a resolução, a Secretaria Estadual da Educação afirmou que "irá se manifestar após a análise completa do documento".