Eduardo Henzel tinha objetivos bem claros em 2017: aos 17 anos, concluiria o Ensino Médio. Com o diploma em mãos, se inscreveria em um curso técnico de eletromecânica. Utilizaria os conhecimentos adquiridos ao longo dos últimos três anos escolares para tentar o ingresso em alguma universidade. Enquanto dava continuidade a sua educação, planejava ainda começar um estágio — tinha em mente trabalhar na Gerdau. Buscaria se especializar no trato com máquinas, como fez o pai. Aproveitaria este ano para se dedicar à conclusão dos estudos na educação básica, e em 2018 daria início à trajetória profissional.
Tantos planos acabaram dando lugar a uma série de incertezas. Há mais de dois meses sem as principais disciplinas na escola estadual em que tem aulas, em Butiá, na Região Carbonífera, Eduardo não sabe se vai conseguir fazer tudo a que se propunha. As inscrições para o curso técnico que almejava já começaram, e ele não sabe quando voltará de vez à sala de aula — muito menos quando conseguirá o diploma que o curso exige para a matrícula. Imagina que o 3º ano do Ensino Médio prolongado deve ir pelo menos até fevereiro, e que só depois disso, se for aprovado, vai conseguir o certificado de conclusão — tarde demais para concorrer às vagas que pretendia.
— Agora vou ter que trabalhar em um emprego qualquer, ficar um ano longe do colégio, meio perdido, para depois tentar de novo o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) ou um curso. Logo neste ano em que eu tinha meus planos, estava no embalo — desabafou o jovem ao pai, Marcos José Henzel, operador de máquinas em Butiá.
— Ele fica desmotivado, vê toda a programação que tinha se perder. E eu não tenho o que fazer por ele, não sei o que dizer para animar, para dar um caminho — lastima Henzel.
As alternativas para remediar a falta de aulas em função da greve — que começou em 5 de setembro devido à insatisfação dos professores estaduais principalmente com o parcelamento de salários e a indefinição sobre o pagamento do 13º salário — não deram certo. Escolas em municípios vizinhos que não aderiram à paralisação ou que já a encerram, como Minas do Leão, não tinham vagas suficientes para a transferência de todos os solicitantes. Mesmo colégio particulares relutaram em aceitar alunos que sequer receberam as notas do segundo trimestre deste ano letivo.
Ainda assim, Eduardo decidiu prestar no começo deste mês o Enem, exame para o qual já havia se inscrito em maio, quando as aulas ainda seguiam o calendário normal. Com a aproximação das provas, realizadas nos últimos dois finais de semana, passou a sentir-se pouco preparado, fora de ritmo até, para responder às questões da forma como gostaria. A greve na Escola Estadual de Ensino Médio Visconde de Mauá, onde ele estuda, só não foi total porque os alunos contam com aulas de educação física e língua inglesa.
O jovem ainda nutre a esperança de ser aprovado em alguma instituição de Ensino Superior nos próximos meses, mas teme também pela hora da matrícula: será que ele ao menos estará formado no Ensino Médio? Terá um certificado de conclusão para apresentar a tempo?
— Ainda que ele e os colegas sejam aprovados em alguma universidade, é uma rapaziada que vai chegar fraquíssima na faculdade. A formação deles em escola pública, com tantos problemas, com greve todo ano, não se compara à de quem teve um calendário de aulas adequado. Chega a ser injusto — desabafa o pai, Marcos Henzel.
"Aos trancos e barrancos"
Situação semelhante vive Tiago Propp, colega de Eduardo em Butiá. Definido pela família como um estudante dedicado, Tiago tentou recuperar os conteúdos atrasados lendo partes dos livros escolares a que ainda não tinha chegado sob a orientação dos professores. Procurou aulas na internet para reforçar alguns conteúdos e aprender outros. Mas acabou estudando, segundo o pai, o motorista Alexandro Propp, "aos trancos e barrancos":
— O guri está há quase três meses sem aula. Fez praticamente um trimestre só, eles não chegaram a terminar o segundo trimestre ainda. É complicado. Eu não deixei ele começar a trabalhar este ano porque decidimos que seria melhor se dedicar aos estudos, fazer o Enem e depois arranjar um emprego. Mas esse "se dedicar aos estudos" resultou em mais de dois meses de aulas completamente paradas.
Os colegas agora aguardam a confirmação dos resultados que obtiveram no Enem para tentar o ingresso em alguma universidade pelo Sistema de Seleção Unificada (SiSU), que deve abrir inscrições em janeiro. Ambos estimam, porém, que não terão notas tão boas quanto poderiam se as aulas estivessem sendo ministradas no ritmo normal.
A Visconde de Mauá, onde Tiago e Eduardo estudam, é uma das 521 escolas no Rio Grande do Sul que continuam em funcionamento parcial devido à greve, de acordo com o governo do Estado. Outras 35, número que corresponde a menos de 2% do total de escolas no Estado, ainda estão totalmente paradas, conforme a Secretaria Estadual da Educação (Seduc/RS). E 1.989 escolas, de um total de 2.545, já estariam em funcionamento normal.
O QUE DIZ A SEDUC
Atraso no ano letivo
"Como os períodos de greve não são os mesmos, cada escola tem o compromisso de integralizar os seus dias letivos, nos anos que tiveram greve e nas turmas individualmente", explicou, por e-mail, a diretora pedagógica da Secretaria Estadual da Educação, Sônia da Rosa. Isso significa que ficará a cargo de cada instituição definir como vai recuperar as aulas de forma a cumprir o mínimo de 200 dias letivos exigido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Reflexos em 2018 e 2019
"O calendário escolar para as escolas que estão totalmente paradas refletirá no início do ano letivo de 2018", afirmou a diretora pedagógica da Seduc. Ela estima, porém, que a reorganização escolar dos dias letivos de 2018 — incluindo aulas nos sábados — pode normalizar o ano letivo, evitando reflexos em 2019. Ainda assim, eles podem acontecer: "há um entendimento de que teremos diferentes calendários escolares em 2018, tendo em vista o número de dias de greve de cada unidade escolar", garantiu Sônia.
Alunos concluindo o Ensino Médio
A secretaria não deu uma resposta clara sobre o que poderão fazer alunos que precisam do certificado de conclusão do Ensino Médio e ainda não têm sequer previsão para o encerramento do ano letivo. Além do prejuízo aos alunos do 3º ano do Ensino Médio que buscam o ingresso em uma instituição de Ensino Superior, também os alunos matriculados no 9º ano do Ensino Fundamental podem ter problemas para ingressar nas escolas técnicas de qualquer esfera.
Como alternativa, Sônia explica que "uma das orientações às famílias foi a possibilidade de transferência dos alunos que estavam matriculados nas escolas em greve para escolas que estavam em funcionamento". Em alguns casos, também seria recomendado procurar o Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (NEEJA), que fornece um certificado, mas só para estudantes que tenham pelo menos 18 anos.