O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que apesar de os juros no Brasil serem "absurdamente altos" não é possível afirmar que a taxa de juros seja "exorbitante". A declaração foi realizada em audiência da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (13). Ele pontuou que nos últimos cinco anos, entre 2019 e 2024, o Brasil teve uma menor inflação com uma menor taxa de juros.
— Não é possível afirmar que a gente tem uma taxa de juros exorbitante, apesar de ter uma inflação muito baixa. Na verdade, a gente tem é uma taxa Selic menor do que a média e uma inflação menor do que a média, ainda mesmo passando por um período de inflação global muito grande — defendeu.
Ao analisar a evolução da taxa de juros no Brasil, Campos Neto reconheceu que ela é elevada. "Ainda é verdade que as taxas de juros no Brasil são absurdamente altas, isso a gente não discute O que a gente está querendo mostrar aqui é que, ao longo do tempo, a gente tem sido capaz de trabalhar com taxas de juros mais baixas comparado com outros intervalos na história, tanto na parte real quanto na parte nominal", disse.
Para o economista, reformas estruturais que passem a percepção de melhora fiscal abrem espaço para um juro menor no país. No entanto, ponderou que um ajuste fiscal pelo lado da receita é menos eficiente do que pelo lado da despesa. Essa é uma das críticas do mercado em relação ao ajuste promovido pelo governo Lula, que buscou ampliar a arrecadação e ainda não apresentou uma agenda consistente de redução de despesas.
— Quando a gente tem uma percepção que as contas públicas estão desorganizadas, dificulta o processo de convergência. A gente tem o que a gente chama de ancoragem gêmea. Eu preciso convencer que a minha política monetária no futuro vai funcionar e eu preciso convencer que a minha política fiscal no futuro vai funcionar. Se eu tiver um desentendimento entre essas duas dimensões, o custo para a convergência é maior —disse.
Na mesma audiência, o presidente do Banco Central afirmou que apesar de não caber ao BC comentar sobre a política fiscal no país, a percepção do mercado é de que o tema será difícil para o Brasil nos próximos anos, o que adiciona prêmio de risco.
Ele avaliou que parte da acelerada depreciação recente do real foi provocada por um movimento global, mas que características específicas do Brasil e de emergentes provocaram maior desvalorização.
Sobre o sistema financeiro nacional, Campos Neto disse que os bancos estão saudáveis, com índices de liquidez e capitalização adequados.
— Na verdade, juro alto é ruim para o banco. Banco tem uma carteira de crédito que precisa ter securitização, que precisa ter giro e quando o juro é muito alto isso não acontece— comentou.
Banco Central e a missão de cumprir a meta
Roberto Campos Neto afirmou que é possível observar a inflação convergindo para a meta no movimento mais longo, ainda que a média dos núcleos tenha começado a apontar "um pouquinho para cima". Os componentes mais voláteis tiveram mudança, como a alta dos preços administrados de combustíveis.
Ele ponderou, também, que existe um debate sobre se a mão de obra apertada gera inflação ou não e como afeta a parte de serviço.
— O Banco Central está atento a esse movimento, é importante entender o que está acontecendo, mas até agora a gente tem sido capaz de ter um crescimento maior do que o esperado, com números de mão de obra muito bons, muito satisfatórios, ainda sem uma pressão muito grande na parte de serviços, mas a gente começa a ver que tem uma pressão.
Autonomia do BC foi grande ganho institucional
Roberto Campos Neto afirmou que a autonomia da autoridade monetária foi um grande ganho institucional para o Brasil.
— Nós vimos, houve uma eleição onde teve pouca variação em termos de variáveis econômicas e eu acho que em grande parte se deu graças à autonomia do Banco Central. A autonomia está passando pelo seu primeiro teste. Tenho certeza de que o processo vai amadurecer, as pessoas vão entender ao longo do tempo que o Banco Central é técnico— declarou.
Campos Neto lembrou que a proposta de emenda à Constituição que amplia a autonomia do BC está em avaliação no Senado e, para defender o projeto, citou dados e estudos.
Ele disse que há pesquisas que mostram que 74% dos bancos centrais acham que a autonomia financeira é a mais importante e que quanto mais independente é a autoridade monetária, menor é a inflação.
— Alguns países tentaram sair da independência, da autonomia do Banco Central e alguns países também flertaram com a saída do sistema de metas. Acho que não tem na história nenhum exemplo que tenha dado certo — disse ele, citando os casos de Argentina e Turquia como exemplos mais evidentes da escolha errada.
Atuação técnica do Banco Central
O economista frisou que a autoridade monetária terá de perseverar no processo de convergência do IPCA para a meta, já que o ritmo da desinflação tem arrefecido no Brasil, e destacou o caráter técnico das decisões da autoridade monetária.
— O Banco Central tem atuado de forma técnica e autônoma para cumprir as suas missões — disse, lendo um slide preparado para a palestra na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.
— Mais recentemente, as decisões têm sido todas unânimes no colegiado o Comitê de Política Monetária — acrescentou, sem recorrer ao slide.
Desancoragem da inflação
Campos Neto admitiu que o país tem tido uma desancoragem das expectativas de inflação que é preocupante e destacou que, embora a inflação implícita também tenha começado a subir, recentemente está se estabilizando. Ele reiterou que o Brasil está no processo de convergência de inflação com custo baixo tanto no emprego quanto no Produto Interno Bruto (PIB), levando em conta as surpresas positivas do mercado de trabalho e da massa salarial.
Ele também pontuou que o BC observa a taxa de juros neutra na política monetária.
— O Brasil tem uma taxa de juros neutra maior que alguns outros países. A gente vê que em termos de esforço monetário o Brasil está mais ou menos na média de outros países, apesar de ter uma taxa de juros real mais alta, o que significa que a nossa taxa de juros neutra é mais alta também. Precisamos investigar as causas da taxa de juros estrutural ser mais alta, que é um tema que a gente tem discutido bastante recentemente — disse.
Também ponderou que o juro neutro é alto por causa da baixa taxa de recuperação de crédito. A dívida pública elevada, taxa de poupança menor e crédito direcionado maior também influenciam o juro neutro. A autonomia do BC voltou a ser discutida e Campos Neto argumentou que o Brasil teve o maior aumento de juro em período eleitoral em 2022, avaliando todo o mundo emergente.
Desinflação global
O presidente do Banco Central afirmou que é possível observar um movimento de desinflação global.
— A inflação tem caído quase em sintonia.
Ele argumentou que a pandemia basicamente sincronizou muito os ciclos de vários países, por causa dos estímulos monetários e fiscais, e que o período de desinflação é um pouco diferente por causa do peso de componentes nas diferentes regiões. Na América Latina, por exemplo, o peso dos alimentos é maior do que em países avançados.
Ao olhar para países, ele mencionou preocupação maior com alguns casos, como o da Austrália, onde a inflação voltou a subir.
— O grande questionamento é o que vai acontecer nos Estados Unidos, que serve como um elemento, como balizador em termos de política monetária — declarou.
Ele destacou que a regularização dos juros no Japão também está provocando essa volatilidade no mercado.