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Controvérsia jurídica permeia reformulação de agência que fiscaliza concessões de rodovias e energia no RS

Executivo pretende enviar projeto que reestrutura Agergs à Assembleia Legislativa nas próximas semanas. A proposta passa à Procuradoria-Geral do Estado funções jurídicas da instituição, medida que é alvo de críticas. Servidores também cobram reajuste salarial

Mateus Bruxel / Agencia RBS
Entre as atribuições da Agergs está a fiscalização das concessões do setor de energia elétrica.

Prometida desde o ano passado pelo governador Eduardo Leite, a proposta de reestruturação da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs) está envolta em uma altercação jurídica. A instituição, que tem autonomia em relação ao governo, é responsável por fiscalizar e regular atividades de interesse público prestadas por empresas privadas, como a distribuição de energia elétrica e o saneamento básico.

O projeto de lei que modifica a estrutura da Agergs chegou a ser protocolado na Assembleia no mês passado, mas acabou retirado nas negociações para aprovar a reforma nas carreiras do funcionalismo. No entanto, o governador já disse que pretende enviar o texto novamente nas próximas semanas.

Dos 94 artigos da versão original, um deles está no centro das discussões: o que acaba com a diretoria jurídica da agência e delega a prestação desse serviço à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), órgão que integra o gabinete do governador e representa o governo judicialmente.

O governo sustenta que a alteração está de acordo com a legislação e fortalecerá a autarquia, enquanto o comando da Agergs afirma que a medida coloca em risco a independência da instituição e pode afastar investidores.

Na prática, o corpo jurídico da agência, que hoje emite manifestações sobre os processos discutidos, se transformaria em uma assessoria jurídica voltada a fundamentar votos dos conselheiros, que são os responsáveis por tomar decisões como normas regulatórias, reajustes tarifários ou multas às concessionárias.

A advogada Luciana Luso de Carvalho, presidente da Agergs, afirma que é "indispensável" que a autarquia tenha seu próprio órgão jurídico, formado por especialistas em regulação. Segundo ela, embora contenha pontos positivos, o projeto abre margem para a interferência da PGE nas atividades regulatórias.

— Os aspectos técnico-jurídicos vão ser exercidos pela PGE, sem sombra de dúvidas, o que é algo que prejudica a previsibilidade e a segurança jurídica dos contratos. Isso considerando que a cada quatro anos os governos podem mudar, instabilizando as análises jurídicas da Agergs —aponta.

Por sua vez, o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, salienta que modelo proposto é semelhante ao adotado em agências reguladoras nacionais e já está previsto em lei estadual. Segundo ele, a procuradoria setorial instalada na Agergs será responsável por analisar atos internos, como contratações e sindicâncias, sem interferir em atividades regulatórias.

— Essa mudança vai trazer um benefício que é o reforço da competência e da autonomia dos conselheiros. O trabalho feito hoje pela assessoria jurídica da agência passará a constituir uma assessoria técnica vinculada aos conselheiros e a estes vai apresentar suas propostas. O conselheiro terá a liberdade de acolher ou alterar — explica Costa.

A crítica à alteração legislativa é compartilhada por Luiz Afonso Senna, ex-presidente da Agergs e consultor com largo histórico de atuação e pesquisa atinentes às atividades regulatórias. Senna foi indicado para a agência pelo governador Eduardo Leite, mas deixou o cargo no ano passado, reclamando que a autonomia estaria em risco.

O especialista classifica a presença da PGE na Agergs como um "retrocesso" e diz que a medida pode afetar o interesse de investidores no Rio Grande do Sul. Senna também é crítico ao modelo adotado nas agências federais, em que a Advocacia-Geral da União cumpre funções jurídicas nas agências reguladoras, e diz que a mudança proposta pelo Piratini tende a repelir investimento externo.

— Na prática, se está definindo uma subordinação da agência ao que o governo acha que deve ser feito. Os investidores já estão recolhendo esses fatos. O histórico do RS não é bom em termos de cumprimento de contratos, sob a perspectiva dos investidores — avalia Senna.

Valorização dos servidores

Além da polêmica envolvendo a PGE, outra reclamação que envolve o projeto é a reformulação nas carreiras. Para a associação dos servidores (Assegergs), a valorização salarial está aquém do necessário para evitar a perda de funcionários.

— Nossa defasagem chega a quase 160% desde 2006. A remuneração está tão defasada que a Agergs virou uma escola preparatória para outros órgãos do Estado, que pagam melhor. O projeto não dá uma remuneração adequada e não estanca a rotatividade — diz Luiz Klippert, presidente da entidade.

Em contraponto, o secretário da Reconstrução, Pedro Capeluppi, argumenta que as condições apresentadas estão no limite da capacidade do governo estadual.

— Dentre as organizações da administração indireta, a carreira da Agergs será a melhor, com o maior salário de entrada e de saída. A reestruturação será a melhor possível, tanto do ponto de vista do limite com nossa capacidade quanto do comparativo com outras carreiras — salienta Capeluppi.

A presidente da Agergs, Luciana Luso de Carvalho, menciona que os recursos para a valorização dos servidores não demandariam acréscimo de gastos ao governo, visto que a instituição teve superávit de R$ 23,5 milhões no ano passado, mais da metade do que a agência arrecadou.

O que é a Agergs

  • Agência estadual criada em 1997, tem autonomia financeira e administrativa
  • Regula serviços públicos prestados por entes privados, como saneamento, energia elétrica, concessões rodoviárias, hidrovias e transporte intermunicipal
  • Decisões são tomadas por um conselho superior, formado por sete integrantes
  • Em 2023, arrecadou R$ 43 milhões e teve gasto de R$ 19,5 milhões, gerando superávit de R$ 23,5 milhões
  • Tem pouco mais de 70 servidores em seu quadro

Algumas medidas incluídas no projeto

  • Alteração na estrutura de carreira, salários e regras para promoções, além da abertura de novas vagas
  • Inclusão da iluminação pública e do transporte ferroviário entre os setores regulados
  • Extinção da diretoria jurídica, com abertura de setorial da PGE no órgão
  • Extensão do mandato dos conselheiros, de quatro para seis anos; mandatos seriam intercalados entre os mandatos de governador
  • Indicações do governo para o conselho passariam de três para quatro; entre os demais, um seria indicado pelas concessionárias, um pelos servidores da Agergs e outro pelo Conselho Estadual de Defesa do Consumidor
  • Criação de uma ouvidoria independente
  • Obrigação da publicação anual de relatório de atividades e, a cada quatro anos, de um plano de metas

Setores hoje regulados pela Agergs

  • Energia elétrica 
  • Saneamento básico 
  • Gás canalizado 
  • Irrigação
  • Rodovias
  • Transporte intermunicipal
  • Transporte metropolitano
  • Estações rodoviárias
  • Transporte hidroviário de veículos
  • Transporte hidroviário de passageiros
  • Aeroportos regionais


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