
Enquanto Lula se despede da China e da Rússia com o discurso de sempre, de que o mundo precisa de diálogo, multilateralismo e equilíbrio entre as nações, aqui no Brasil ele coordena, à distância, uma reforma ministerial que tem tudo menos diálogo, equilíbrio ou multilateralismo. Pelo contrário: o que se vê é o reforço de um projeto de poder cada vez mais centralizado, com o PT ocupando o governo como se fosse extensão do diretório nacional.
De acordo com os bastidores de Brasília, Guilherme Boulos, do PSOL, deve ganhar um ministério. Com isso, o PT e seus satélites ideológicos ampliam o já expressivo domínio sobre a Esplanada. O partido do presidente, que representa apenas cerca de 10% da Câmara e 13% do Senado, controla hoje 38% dos ministérios e quer mais.
E qual é o problema nisso? O problema é que quem governa só com os seus, acaba governando contra os outros e, por consequência, contra a governabilidade. Lula, que já perdeu diversas votações importantes no Congresso, precisa agora despejar bilhões em emendas parlamentares para tentar manter uma base artificialmente de pé. Um governo que precisa comprar maioria todo santo dia é um governo que perdeu o ponto de equilíbrio. Mas o pior é que ninguém por lá parece se incomodar com isso.
A eventual entrada de Boulos no governo é simbólica. Ele próprio já sinalizou que topa assumir o cargo, mesmo que isso lhe custe a reeleição à Câmara. O gesto mostra que a prioridade agora é colocar mais soldados na Esplanada, ainda que isso reduza a diversidade política e desgaste alianças feitas em nome da tal frente ampla. Uma frente que, convenhamos, vai se tornando cada vez mais estreita.
E para abrir espaço para Boulos, a solução encontrada foi transferir Márcio Macedo, atual secretário-geral da Presidência, para o Ibama. A troca rendeu até um argumento técnico: Macedo é biólogo, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Faz sentido. Mas se isso é critério agora, não fazia sentido ele estar no coração da articulação institucional do governo. A não ser que a lógica, então, fosse assumir que o Planalto é uma selva.
E aí entra um ponto incômodo mas cada vez mais presente nas conversas de bastidor: a influência de Janja no isolamento político de Lula. A primeira-dama, que ganhou espaço na agenda, no cerimonial e até nas indicações para cargos de segundo escalão, tem se tornado uma espécie de filtro informal do entorno presidencial. Não são poucos os relatos de que ministros e parlamentares enfrentam dificuldade para acessar Lula sem o aval do núcleo palaciano liderado por ela. Talvez seja por isso que em todas as mais recentes viagens internacionais do presidente, a primeira-dama tenha ido 5 dias antes. São os poucos momentos que Lula tem para governar sozinho.
É nesse cenário que a Esplanada vai se transformando numa reunião de alinhados ideológicos, com ar-condicionado central e bilhões em emendas como lubrificante de governabilidade. Mas falta representatividade, falta articulação real, falta visão de país e sobra projeto de partido e de poder.
Lá fora, Lula aperta a mão de líderes autoritários enquanto prega o multilateralismo. Aqui dentro, constrói um governo monocromático, encapsulado, e que olha com desconfiança tudo o que não carrega o selo vermelho.
Se o governo tivesse metade da pressa para entregar resultados que tem para entregar cargos ao PT, talvez o Brasil já estivesse em outro estágio de desenvolvimento. Mas para isso seria preciso dividir. E o PT, há tempos, já deixou claro: prefere comandar um governo encastelado a liderar uma coalizão de verdade. O problema é que os castelos isolam e, mais cedo ou mais tarde, caem.