A suspensão na cobrança de parcelas dos empréstimos consignados tomados por servidores públicos do Estado junto ao Banrisul, adotada como medida de apoio ao funcionalismo após a enchente que atingiu grande parte do território gaúcho em maio, agora gera críticas de representantes da categoria e motiva ações judiciais. Isso ocorre pois parte dos devedores de empréstimos, que tiveram os descontos em folha suspensos e os contratos prorrogados, considera que foi induzida à aquisição de produto bancário que gera ônus, em vez de ser beneficiária de um auxílio no cenário pós-calamidade.
Num primeiro momento, a cobrança das parcelas foi suspensa automaticamente, para todos os servidores com consignados, com o banco anunciando que os pagamentos relativos a maio, junho, julho e agosto seriam postergados para o fim dos contratos, sem cobrança de juros. Dias depois, o Banrisul informou que a suspensão seria estendida por seis meses, mas que haveria ônus aos contratantes dos empréstimos.
Ao menos três categorias já obtiveram na Justiça decisões liminares que mantêm a primeira proposta, com a cobrança interrompida por quatro meses e o período de quitação sendo estendido proporcionalmente, sem incidência de juros. Os servidores alegam que faltou clareza na oferta do benefício e que, nos termos atuais, teriam de optar por quitar imediatamente as parcelas atingidas pela suspensão automática (de maio e junho) ou manter a prorrogação por seis meses, pagando mais.
Uma das entidades que obtiveram liminar para que a suspensão ocorra sem ônus aos membros é a Associação dos Delegados de Polícia Civil (Asdep/RS). A decisão de terça-feira (9) é do juiz José Antônio Coitinho, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre.
Em nota, o presidente da Asdep, delegado aposentado Guilherme Wondracek, afirma que a promessa aos servidores era de prorrogação dos pagamentos sem custos, diante da situação de calamidade. Para ele, faltou clareza na oferta do benefício: "O banco lançou uma armadilha no APP instando os funcionários públicos detentores de consignados a aceitar um novo termo para suspender os pagamentos durante seis meses. Ocorre que nessa modalidade o saldo devedor aumentará" (leia a íntegra da manifestação abaixo).
Na decisão favorável à Asdep, o juiz José Antônio Coitinho registrou sua avaliação sobre a oferta do banco: "Houve, portanto, uma espécie de reparcelamento das prestações, sem o devido esclarecimento sobre o método de recálculo e os encargos que serão aplicados, cuja postergação já havia sido antes concedida e noticiada nos meios de comunicação".
Outras duas entidades, o Sintergs, que representa servidores de nível superior, e o Ugeirm, sindicato que representa escrivães e inspetores da Polícia Civil, obtiveram decisões provisórias no mesmo sentido junto à 3° Vara da Fazenda Pública.
No caso do Sintergs, o despacho saiu também na terça-feira (9). A diretora de Assuntos Funcionais e Qualificação Técnica do sindicato, Nádia Regina Silveira Pacheco, informa que associados procuraram agências do banco nesta quarta-feira e não conseguiram sair com a certeza de que a suspensão por quatro meses sem ônus será mantida.
— Vamos buscar as medidas cabíveis, pois os servidores associados do Sintergs estão no limite e essa carência dos consignados é o mínimo — disse Nádia.
A liminar referente à Ugeirm é de duas semanas atrás. O presidente da união, Isaac Ortiz, classificou a decisão como "grande vitória" para a categoria: "O nosso Judiciário, ao proteger os nossos policiais civis que estiveram na linha de frente do socorro aos atingidos pelas enchentes, frente ao verdadeiro confisco que o Banrisul pretendia fazer nos seus salários, demonstrou sensibilidade que faltou ao Executivo".
Em todos os casos, ainda haverá análise do mérito das ações nas respectivas Cortes. Questionada se pretende recorrer das decisões liminares, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) manifestou que analisa "medidas cabíveis".
Acordo com Defensoria e MP
Além das discussões pautadas por sindicatos, um movimento liderado pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público, com participação de unidades do Procon, gerou acordo acerca do tema, determinando ao banco o ajustamento dos contratos à forma originalmente divulgada da proposta. Porém, beneficiando somente servidores diretamente atingidos pela enchente.
— Foram dois formatos de propostas anunciadas pelo Banrisul. A primeira, em 10 de maio, falava em quatro meses de carência e não era clara sobre a incidência de encargos. Outra, em 30 de maio, ampliava a carência para seis meses e definia a existência de oneração — descreve o defensor público Felipe Kirchner, dirigente do Núcleo de Defesa do Consumidor e de Tutelas Coletivas da Defensoria Pública.
Conforme o defensor, que atuou na elaboração do acordo, para definir quais servidores foram diretamente afetados será usado o Mapa Único do Plano Rio Grande (MUP), do governo estadual.
— Isso significa que o benefício pode ser acessado por quem foi atingido diretamente pela enchente. Na proposta original, não havia esta distinção. No entendimento da Defensoria, esta previsão harmoniza a ideia de benefício a quem precisa e permite ao agente credor manter a oferta sob parâmetros sustentáveis economicamente. Isso não impede que outros entendimentos sejam pleiteados — pondera.
As liminares obtidas até aqui pelas categorias estendem o benefício dos quatro meses sem ônus a todos, independentemente do local de moradia.
Contrapontos
O que diz o Banrisul
"O Banrisul não ofertou nenhum produto bancário nesse episódio. O Banco anunciou proposta de adiamento (postergação) de prazo para pagamento de parcelas sem encargos de mora. A taxa de juros remuneratórios do capital emprestado permanece a mesma que foi contratado na origem das operações. A medida adotada pelo Banrisul segue modelo utilizado por diversas instituições financeiras em situação como esta – postergação de pagamento de parcelas de empréstimos, mantidas as demais condições contratuais.
As condições ajustadas no Termo de Compromisso firmado com a Defensoria e Ministério Público em 24/06/2024, foram definidas em linha com as diretrizes estabelecidas em todos os programas federais e estaduais, que concederam benefícios específicos a pessoas atingidas pela enchente - os domiciliados em local considerado “Diretamente Atingido” conforme Mapa único do Plano Rio Grande (“MUP”), desenvolvido pela Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG) do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
Para os clientes que não desejarem a prorrogação o Banco oferece alternativas para pagamento das parcelas não consignadas em suas folhas de pagamento nos meses de maio e junho passados.
Quanto as liminares, o cumprimento se dará considerando o rito e os prazos processuais aplicáveis."
O que diz o governo do Estado
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) emitiu posicionamento em resposta ao pedido da reportagem sobre a possibilidade de recurso acerca das liminares: "No que se refere à atuação processual, a PGE-RS estuda as medidas cabíveis, estando em curso prazo para recurso da decisão antecipatória de tutela", respondeu a PGE.