O veto presidencial que barra a continuidade do alívio tributário sobre a folha salarial em 17 setores intensivos em contratações com carteira assinada no país liberou uma enxurrada de manifestações contrárias ao ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, confirmado na quinta-feira passada (23). No Rio Grande do Sul, os segmentos beneficiados pela medida, criada em 2011, durante o governo Dilma Rousseff, respondem hoje por cerca de 700 mil postos de trabalho, que equivalem a 20% no estoque total das ocupações formais gaúchas.
No país, são mais de 8 milhões de empregos distribuídos em call center, construção civil, comunicação, indústria calçadista, de confecção e vestuário, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte ferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
É o que leva as entidades empresariais a estimarem em 600 mil a quantidade de empregos nacionais que entrariam na linha de corte, caso o veto não seja revertido pelo Congresso, onde há intensa movimentação a partir desta terça-feira (28). Trata-se da data em que começa uma série de encontros com parlamentares e lideranças empresariais, antes do prazo regimental pra a apreciação do veto, cuja derrubada é dada como possível, tendo em vista os números expressivos da votação em prol do PL nas duas casas. Foram 430 deputados favoráveis e somente 17 contrários, com a aprovação unânime no Senado.
Estimativa aponta menos 400 mil vagas e mais R$ 720 milhões em tributos
Preocupação, certa surpresa (porque a medida foi criada em governos petistas), estratégias para pressionar o Congresso e cálculo de estimativas são linhas em comum nas entidades gaúchas afetadas pelo fim da desoneração da folha de pagamento. É o caso da Federação das Indústrias do RS (Fiergs), que projeta risco para 413 mil ocupações formais nas fábricas do Estado.
— O governo deve trabalhar para reduzir suas despesas em vez de aumentar a arrecadação — pontua o presidente da entidade Gilberto Petry, ao lembrar que, no acumulado do ano, o segmento registra queda de 0,2% na produção e elevar impostos nas contratações, afirma, pioraria o quadro.
O mesmo acontece nos calçadistas. De acordo com o presidente da Abicalçados, Haroldo Ferreira, o incremento da carga poderá chegar a R$ 720 milhões e há riscos para 20 mil postos de trabalho no país.
— O veto deveria estar na pauta de terça (28), mas a ideia é que isso só ocorra a partir da próxima semana, o que é prejudicial ao planejamento. Trabalhamos junto aos deputados e vamos usar esse tempo para ampliar a sensibilização da bancada gaúcha pela rejeição do veto.
Efeito negativo da casa própria ao transporte de passageiros
Além do fator emprego, a descontinuidade da desoneração apresenta potencial para encarecer serviços e produtos. Isso acontece, conforme explica o vice-presidente jurídico da Federasul, Milton Terra Machado, porque restituir a contribuição com uma alíquota “altíssima” (20%) é “pouco inteligente”.
Ele lembra que o grande benefício da desoneração é permitir a substituição do recolhimento em faixa de 1% a 4,5% da receita bruta. Na prática, significa que em momentos de crise ou de baixa atividade econômica, como o atual, se o faturamento de uma empresa cai, a cobrança do imposto sobre a folha é reduzida em igual escala.
Isso acaba por não gerar efeitos sobre a majoração de custos. Apesar de o ministro da Fazenda Fernando Haddad ter se comprometido em apresentar medida capaz de amenizar o descontentamento, Machado diz desconhecer o teor, o que mantém ativos os esforços em sensibilizar parlamentares do RS para a necessidade de rejeitar o veto.
Do contrário, em setores como a construção civil, por exemplo, que depende de mão de obra, a impossibilidade de contratar tende a encarecer custos em cadeia. É o que explica o presidente do Sinduscon-RS, Claudio Teitelbaum, ao afirmar que a atividade concentra 2,6 milhões de empregos com carteira assinada e a tributação sobre as contratações implica na queda da competitividade e prejudica inclusive projetos futuros de habitação e de infraestrutura urbana essenciais para a população.
— Trabalhamos junto com deputados federais e senadores, articulados com a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), para impedir essa medida que vai na contramão do que o país necessita. O governo até pode ganhar arrecadação, mas ao custo de empregos, e no final é o mesmo bolso que paga a conta.
Por essa razão, o presidente da Associação dos Transportadores Intermunicipais Metropolitanos de Passageiros (ATM), José Antônio Ohlweiler, lembra, em nota, que o veto presidencial agrava dificuldades enfrentadas pelo setor desde a pandemia. Segundo ele, à queda gradual da demanda de passageiros soma-se a perda do benefício como fator capaz de aumentar tarifas e necessidade de aporte de subsídios ao sistema de transporte público.
De acordo com o texto, a desoneração, garante a diminuição de 6,78% nos custos totais do transporte público e a descontinuidade ameaça 328 mil empregos diretos em todo o país.
O que está em jogo
- Colocada em prática em 2012, a desoneração da folha de pagamentos tinha o objetivo de auxiliar setores econômicos intensivos em mão de obra na geração de empregos.
- A medida beneficia 17 atividades ao permitir que se substitua o pagamento de 20% sobre o valor da folha de salários pelo equivalente de 1% a 4,5% da receita bruta, sem exportações.
- Em dezembro de 2021, o Congresso aprovou a renovação por dois anos, o que faria com que os efeitos fossem anulados em 2023, caso não fosse ampliada.
- Em outubro o Congresso aprovou o projeto de lei (PL) 334/2023 que renovava o benefício até 2027 com a meta de garantir os empregos.
- Levantamento de GZH em abril apontou que que os setores contemplados respondiam por 8,11 milhões de vagas com carteira no país e quase 711 mil no RS.
- Na ocasião, juntos, os setores representavam 15,4% e 21,3%, respectivamente, no estoque total de postos de trabalho formais no Brasil e no Estado.
Por que Lula vetou
- A medida que prevê a desoneração da folha é uma criação do governo de Dilma Rousseff (PT), em 2011, para incentivar contratações com carteira assinada nos setores que mais empregam no país.
- De caráter provisório, a concessão do benefício ficou condicionada de tempos em tempos à aprovação de projetos que ampliassem os efeitos da medida.
- Isso deve ocorrer no ano anterior ao encerramento do prazo, uma vez que é necessário contar com a previsão de renúncia fiscal por parte do governo no orçamento.
- No início do ano, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, passou a defender a inclusão permanente da desoneração na reforma tributária, ainda em fase de discussão preliminar.
- O veto chega em meio à retomada das discussões sobre a reforma tributária e a LDO que entre outros fatores expõem a necessidade de receitas do governo para o próximo ano.
- Não vetar a desoneração da folha significaria abrir mão de recursos, o que contradiz a necessidade de ampliar a arrecadação em no mínimo R$ 150 bilhões.
- De acordo com a Receita Federal, em 10 anos, a desoneração gerou R$ 139 bilhões em renúncia de arrecadação para a União. Em 2023, o impacto foi estimado em R$ 9,4 bilhões.
- Além disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chamou a atenção para a recorrente crítica de inconstitucionalidade da matéria, já que privilegia setores em detrimento do outros.
Os próximos passos
- Após o veto na semana passada, entidades do setor produtivo iniciaram movimentações para a derrubada no Congresso.
- Além de entidades patronais, sindicatos como a Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) também assinaram manifestos contra o veto.
- Após a publicação de veto no Diário Oficial da União, a Presidência encaminha mensagem ao Congresso, em até 48 horas, especificando suas razões e argumentos.
- A partir de então, corre prazo de 30 dias para deliberação das razões expostas no Senado e na Câmara em sessão conjunta.
- A convocação de sessão conjunta é prerrogativa do presidente do Senado Federal, que dirige a Mesa do Congresso (art. 57, §5º CF).
- Para a apreciação de veto, o Regimento Comum fixa como data de convocação de sessão a terceira terça-feira de cada mês, impreterivelmente.
- Não ocorrendo nesta data por qualquer motivo, a sessão conjunta é convocada para a terça-feira seguinte.
- Para derrubar o veto (rejeição) é necessária a maioria absoluta dos votos de Deputados e Senadores, ou seja, 257 na Câmara e 41 no Senado.
- Em caso de rejeição, as partes correspondentes do projeto apreciado são encaminhadas à promulgação pelo presidente da República em até 48 horas.