O cabo de guerra inaugurado no núcleo da Presidência da República, do Ministério da Fazenda e do PT sobre mudar a meta prevista pelo arcabouço fiscal em 2024 parecia ter encontrado um desfecho na semana passada, quando o relator da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), Danilo Forte (União-CE), anunciou que o governo havia batido o martelo sobre a manutenção do déficit zero das contas públicas do próximo ano.
No entanto, o roteiro inaugurado no final de outubro – após fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que admitia a impossibilidade de alcançar receitas necessárias para manter o ajuste proposto por sua equipe econômica, liderada por Fernando Haddad – prepara o cenário para um final oculto.
A cena pós-créditos deverá ser revelada nesta terça-feira (28), quando está prevista a entrega do relatório das normas que embasam a confecção da Lei Orçamentária Anual (LOA). É o que determinará prioridades e limites para o próximo exercício.
Alternativa às dificuldades
As lentes estão direcionadas à emenda apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), que é considerada alternativa às dificuldades de entregar o resultado previsto pelo arcabouço fiscal. Na prática, o dispositivo que deverá ser incluído no relatório de Danilo Forte abriria, de acordo com estimativas do Congresso, o equivalente a R$ 30 bilhões em gasto extra, mesmo que o governo precise lançar mão do bloqueio de R$ 23 bilhões do orçamento, segundo calcula Haddad, para cobrir a falta de receitas demandadas para zerar o déficit e atingir a meta, o que significa que não irá cumpri-la.
Custo
A legenda, conforme a tradução do economista e professor da FGV, Mauro Rochlin, é um "muda sem mudar", que o leva a concluir:
— O governo não quer fazer o ajuste fiscal do qual é autor. Deveria aceitar que não é possível pagar juros mais baixos e menos despesas — diz, ao lembrar que o custo da dívida (maior a cada novo déficit) chega a R$ 650 bilhões ao ano, valor próximo ao que o relatório preliminar do Plano Plurianual, aprovado na última quinta-feira, reserva ao Bolsa Família até 2027 (R$ 685 bilhões) e representa quase 65% da soma dos recursos da saúde (R$ 240 bilhões) e da educação (R$ 180 bilhões) em 2023.
A sinopse, explica o economista e professor da UFRGS, Marcelo Portugal, é que a meta se tornará residual, e o arcabouço não regrará a formação do orçamento como preconizado, e sim a sua execução. Isso fará, analisa, com que as despesas aumentem a despeito do resultado primário:
— Se a emenda for aprovada, não há mais meta, pode ser o que for e o governo terá aumento real de pelo menos 0,6% (de crescimento real). Se a receita for gorda, há superávit; se decepcionar, há déficit. Significa que voltamos ao tempo em que, de verdade, não existe meta, a meta é variável, não será perseguida. O que será obrigatório é, sim, um gasto, no mínimo, 0,6% maior em 2024.
Ajuste nas expectativas
Quando a regra de controle das contas públicas era o superávit primário (resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de juros), o ex-secretário da Fazenda Aod Cunha conduziu o RS para três anos seguido de saldo positivo (2007, 2008 e 2009), algo inédito desde 1998. Após, novo superávit só ocorreria em 2021.
Aod explica que o país produziu déficits primários por 10 anos. Isso traz, acrescenta, efeitos especiais para a elevação da taxa de juros, uma vez que amplia os níveis de endividamento. Ele comenta que a âncora baseada em meta fiscal é, no fundo, uma mensagem para dizer que em algum momento essa dívida vai parar de crescer e se tornará sustentável em longo prazo.
— Flexibilizar a meta ou maquiá-la fará com que o mercado ajuste expectativas e precifique a perda de confiança no governo ao não acreditar na mensagem — diz, ao antever alto custo se o arcabouço, aprovado em agosto com a previsão de ajustes forçados em caso de descumprimento da meta, seja rompido no primeiro ano.
Objetivo é evitar bloqueio, diz especialista
Zerar o déficit sempre foi considerada tarefa árdua por demandar receitas muito maiores do que as atuais, além da descrença de que as despesas serão controladas em igual nível. É o que afirma o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, ao lembrar que o objetivo da manobra, com a emenda apresentada, é evitar que, em razão do descumprimento da meta, o governo seja obrigado a contingenciar gastos no ano seguinte e, mais tarde, disparar gatilhos – já previstos no texto – com relação a reajustes de salários e contratações de servidores, por exemplo.
— É um drible no arcabouço fiscal — resume.
Economista-chefe da Federação da Agricultura no Estado (Farsul), Antônio da Luz percebe a reedição de filme já visto. Ele recorda que a película, em gestões petistas do passado, recebia o título de "contabilidade criativa". O enredo consistia em alavancar projetos de infraestrutura via recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) subsidiados com recursos do Tesouro, o que permitia inverter déficit e investimento.
Isso porque ao captar recursos à taxa mais cara (Selic), o governo emprestava com alíquota reduzida (a TJLP) e, autorizado pelo Tribunal de Contas, abatia do cálculo o cruzamento de operações entre Tesouro (dívida) e o BNDES (investimento/empréstimos) para preservar o superávit primário – o arcabouço daquele momento. Da Luz lembra que o governo federal já utilizou R$ 25 bilhões em valores não sacados do PIS/Pasep e os contabilizou como "receita", revertendo assim o que seria o déficit de setembro em um superávit no mesmo mês.
Entenda a situação
A nova regra
- Em março, foi apresentada a nova regra fiscal, a do arcabouço fiscal, que previa não mais limitar investimentos ao crescimento das receitas, mas sim em um modelo de bandas (intervalos) do resultado primário.
- Na prática, se o resultado primário (receitas menos as despesas) crescer dentro da banda, as despesas podem ser elevadas em valor equivalente a 70% da receita acumulada até julho.
- Há um freio para o crescimento das despesas.
- A regra limita o aumento de gastos no ano em no mínimo 0,6% do crescimento real (acima da inflação) das despesas e no máximo de 2,5%.
- Para que isso acorra, o governo precisaria zerar o déficit em 2024, caso contrário, em vez de poder investir mais, teria os gastos limitados a 50% do crescimento da receita.
A emenda
- Mas emenda na LDO determina que sejam mantidos os 0,6% de crescimento mínimo das despesas mesmo em bloqueio de recursos.
- A proposta foi apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Trata-se de uma maneira de evitar o corte de despesas caso o déficit zero não seja atingido no próximo ano, o que já é dado como certo pelo mercado financeiro e até por integrantes do governo.
- Na prática, caso sejam bloqueados R$ 23 bilhões em despesas do orçamento em 2024 para zerar o déficit, conforme estima a Fazenda, o governo ainda disporia de R$ 30 bilhões para investimentos.