Renovado por 24 meses no apagar das luzes de 2021, o programa que permite aos 17 setores que mais geram emprego no país optarem por recolher os 20% relativos ao INSS sobre a folha de pagamento ou um percentual fixado entre 1% e 4,5% da receita bruta vencerá em 31 de dezembro.
Na prática, as empresas contempladas respondem, atualmente, por 8,11 milhões de vagas com carteira no país e quase 711 mil no Rio Grande do Sul. Isso equivale a 15,4% e 21,3% do estoque total de postos de trabalho formais no Brasil e no Estado, respectivamente, segundo a base de dados por classificação de atividade mais atualizada do IBGE, referente a 2020.
Assim como dois anos atrás, começa uma movimentação para que esse benefício — considerado chave para preservar as posições já existentes no mercado — seja incluído de maneira permanente dentre as alterações esperadas na reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional. Dois anos antes, foi o então ministro da Economia, Paulo Guedes, quem lançou a ideia, que, por não ter sido efetivada, gerou correria ao Congresso para que fosse possível prorrogar a medida em tempo hábil de não perder seus efeitos a partir de 2022.
Agora, o aceno veio do titular da pasta do Trabalho, Luiz Marinho, que, em declarações à imprensa, empunhou de vez a bandeira ao sugerir que o tema frequente desde já as discussões sobre as aguardadas alterações no sistema tributário nacional. No início do mês, o fato provocou a manifestação de seu colega da Fazenda, Fernando Haddad, que considerou o assunto uma questão a ser revisada no segundo semestre deste ano, quando estima-se que a reforma sobre os impostos de consumo tenha avançado no Parlamento. Em recente visita ao Estado, questionado por GZH, Marinho reiterou a relevância de tornar o programa permanente e, quem sabe, ampliar o amparo a outros setores.
Conforme o vice-presidente jurídico da Federasul, Milton Terra Machado, esse é um modelo que deu certo, sobretudo, porque representa um alívio aos empregadores nos momentos de crise. O dirigente explica: quando o recolhimento é feito com base no faturamento, a fatia relativa ao imposto reduzirá em igual proporção à do lucro, o que não acontece com um percentual fixo de 20% sobre a folha, por exemplo, como é o padrão para os demais setores.
Dificuldades
Advogado tributarista, consultor de entidades empresariais gaúchas e coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), Rafael Pandolfo ainda chama atenção para dificuldades de planejamento que emergem, de tempos em tempos, durante os impasses que envolvem a continuidade ou não desse programa. Segundo ele, se não há previsão sobre o volume de tributos sobre os salários, é natural que haja interferência para a geração de novos e a manutenção dos empregos existentes.
Relator do texto que possibilitou a renovação da desoneração setorial sobre a folha, há dois anos, o então deputado do PP Jerônimo Goergen, que decidiu não concorrer à reeleição no pleito passado, lembra que a proposta no início do atual mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, é uma espécie de repetição do que foi visto em 2021 na gestão de Jair Bolsonaro. Para o ex-parlamentar, que agora atua como consultor da Confederação Nacional do Transporte (CNT), entidade representativa de três dos 17 setores beneficiados, a relevância do assunto demandaria que não se deixasse as definições para a última hora.
— Esse filme todo já vimos — resume, ao referir o adiamento das discussões sobre o tema na legislatura passada, o que, além de arriscar a perda do benefício em 2022 e a consequente ameaça a milhares de empregos naquele ano, ocasionou peregrinação de lideranças setoriais até Brasília, a fim de pressionar pela continuidade da medida.
— O roteiro é o mesmo. Primeiro sugere-se a inclusão na reforma tributária, os prazos correm, o tempo encurta e no final do ano está tudo sob suspenso — diz.
Calçadistas contabilizam possíveis efeitos
Em um dos segmentos mais afetados em eventual descontinuidade do benéfico, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, lembra que, em 2021, a entidade projetava um prejuízo em R$ 600 bilhões caso a contribuição sobre a receita bruta deixasse de ser uma opção e o recolhimento retornasse a incidir em 20% sobre o valor da folha de pagamento.
De acordo com o dirigente, se isso tivesse acontecido, o setor não abriria 37 mil postos de trabalho, após evolução de 12% sobre o ano anterior. Pelo contrário, cerca de 25 mil ocupações teriam sido extintas naquele momento, diz.
Atualmente, mais de cinco mil indústrias calçadistas respondem por quase 300 mil vagas no Brasil, com protagonismo em 10 Estados, entre eles o RS. Na prática, o diretor-financeiro e administrativo da Calçados Bibi, Rosnei Alfredo da Silva, identifica que a desoneração é uma garantia para a manutenção das oportunidades de trabalho em alta na empresa, que conta, hoje em dia, com 1,2 mil funcionários nas plantas industriais e outros 800 distribuídos na rede de lojas.
"Convidativa"
Silva argumenta que, antes de prováveis demissões, também haveria perda de margens e possíveis repasses do aumento de custos para o produto final. Ele lembra que as "condições de empregabilidade" são decorrentes dos momentos em que a atividade econômica é mais "convidativa":
— Quando a situação não é tão simpática, os governantes têm de perceber que o empreendedor que pretende ampliar uma fábrica vai calibrar um pouco e segurar a produção, o que vai ter influência direta no emprego — conclui o executivo.
O que está em jogo
Criada em 2011 e válida a partir de 2012, a chamada desoneração da folha de pagamentos tem o objetivo de auxiliar setores econômicos intensivos em mão de obra na geração de empregos.
Atualmente, a medida beneficia 17 atividades, que podem substituir o pagamento de 20% sobre a folha de salários por 1% a 4,5% da receita bruta, excluindo as exportações.
Há dois anos, a renovação da medida foi aprovada pelo Congresso e publicada no Diário Oficial de 31 de dezembro de 2021, ou seja, o último dia do prazo para manutenção dos efeitos em 2022.
Na ocasião, houve impasse após o governo ter feito acordo para incluir a prorrogação na reforma tributária e os recursos da renúncia fiscal no orçamento de 2022.
Ao fazer a checagem das dotações, descobriu-se que não havia recursos previstos para bancar a continuidade da desoneração no ano seguinte, o que era estimado em cerca de R$ 8 bilhões.
Em 2023, a pauta foi levantada pelo Ministério do Trabalho, a fim de tornar o benefício permanente dentro das propostas da aguardada reforma tributária.
Em 16 de março, o senador Efraim Filho (União-PB) defendeu projeto de lei de sua autoria que prorroga até 2027 a desoneração da folha de pagamentos para os 17 setores.
A proposta é considerada alternativa para manter as regras vigentes e garantir as vagas de trabalho enquanto não há definição sobre a inclusão dessa medida permanente na reforma tributária.