O processo de revisão do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi devolvido pelo ministro Kassio Nunes Marques, abrindo assim a possibilidade de um novo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A marcação da data, entretanto, está sujeita à decisão da presidência da Corte, responsável por definir a agenda das sessões. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.090, apresentada em 2014, contesta o método de correção dos fundos do Fundo de Garantia, que envolve o uso da Taxa Referencial (TR) acrescida de juros de 3% ao ano. A solicitação busca a declaração de inconstitucionalidade dessa taxa e a substituição da fórmula atual de atualização por um índice que reflita a taxa de inflação. A TR, atualmente, gera um rendimento praticamente nulo.
O processo de revisão do FGTS teve início em 20 de abril, quando o ministro Luís Roberto Barroso emitiu seu voto. De acordo com ele, o Fundo de Garantia deveria, no mínimo, ser corrigido com base na taxa da caderneta de poupança, que atualmente é de 6% ao ano mais a TR. O voto recebeu apoio do ministro André Mendonça.
A sessão foi suspensa e posteriormente reiniciada em 27 de abril. Antes de apresentar seu voto, Nunes Marques solicitou um tempo para revisar com mais profundidade o assunto, pedindo vista do processo.
Próximos passos
A retomada do julgamento não assegura que a tese será avaliada rapidamente, uma vez que qualquer outro ministro pode solicitar vista do processo para uma análise mais aprofundada. Especialistas avaliam que, devido às mudanças na composição da Corte decorrentes de aposentadorias, é provável que ocorram tais solicitações.
O ministro Cristiano Zanin, que ingressou no Supremo no começo de agosto e tem recebido críticas por sua tendência conservadora em seus votos, é um dos ministros que poderia desejar uma análise mais detalhada do caso. Isso ocorre especialmente porque, de acordo com a Advocacia-Geral da União (AGU), a revisão poderia gerar um impacto significativo nas contas públicas, estimado em R$ 661 bilhões.
Caso haja um pedido de vista, a continuidade do julgamento será mais uma vez suspensa e somente poderá ser retomada após a devolução do processo. Além disso, a tese em questão pode não ser aprovada, sendo que pode prevalecer o entendimento de que o uso da TR é constitucional.
Uma alternativa é a possível adoção da nova fórmula de correção. Nesse cenário, existe a oportunidade de apresentar embargos de declaração, que são solicitações para esclarecer aspectos específicos do julgamento, podendo resultar em uma nova análise por parte da Corte.
Mario Avelino, que lidera o Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, expressa o desejo de que a ministra Rosa Weber, que preside o Supremo, agende a votação do caso o mais cedo possível. Em sua opinião, a data ideal seria 13 de setembro, coincidindo com o aniversário do FGTS.
— A decisão final do STF é aguardada por trabalhadores, que já estão perdendo a esperança em pôr fim às suas perdas. Esperamos que o julgamento seja pautado. Quem sabe no dia do aniversário de 57 anos do Fundo de Garantia? — disse.
Avelino afirma ter esperança de que a decisão seja equitativa tanto para os trabalhadores quanto para o Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e as prefeituras que utilizam o FGTS como uma fonte de financiamento mais acessível para projetos de saneamento básico e infraestrutura urbana. Além disso, ele espera que aqueles que entraram com a ação até 20 de abril sejam beneficiados.
A advogada Caroline Floriani Bruhm, do escritório Bastos Tigre Advogados, esclarece que não existe um prazo estabelecido no regulamento para a retomada desse julgamento, uma vez que isso depende da inclusão na pauta por Rosa Weber. A ministra está programada para se aposentar em setembro. Se ela seguir a mesma abordagem adotada no caso da revisão da vida toda, em que antecipou seu voto, pode ser que deseje abordar a questão do FGTS antes de deixar o cargo.
De acordo com Carolina, o voto de Barroso, que estabeleceu uma comparação entre a remuneração do FGTS e a da poupança, gerou debates jurídicos.
— Além da forma em si de calcular a correção, que para muitos, permanece deficitária em relação à inflação, a modulação dos efeitos passar a valer somente após a publicação da ata de julgamento foi objeto de críticas e apreensão — declarou.
Entenda o caso
A revisão do FGTS foi apresentada ao Supremo em 2014, após um estudo encomendado pelo partido Solidariedade e pela Força Sindical apontar significativas perdas para os trabalhadores. Na ocasião, a pesquisa revelou que a correção dos valores resultou em um prejuízo de 88,3% para os fundos depositados no FGTS no período de 1999 a 2013.
A solicitação consiste na substituição da taxa atual por um índice de inflação, que pode ser o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), utilizado para ajustar salários e aposentadorias do INSS, ou o IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - Especial), que foi empregado até dezembro de 2021 para corrigir precatórios do governo federal na Justiça.
Se a revisão for ratificada pelo Supremo, isso pode impactar cerca de 117 milhões de contas ativas com saldo no FGTS, de acordo com informações fornecidas pela Caixa Econômica Federal. Contudo, o número de trabalhadores afetados pode ser menor, já que um único indivíduo pode possuir mais de uma conta, sendo aberta uma nova a cada registro na carteira de trabalho.
O que é a revisão do FGTS?
Trata-se de uma ação legal que coloca em dúvida a constitucionalidade do método de correção dos fundos depositados no Fundo de Garantia. Atualmente, o retorno do FGTS consiste em 3% ao ano acrescido da Taxa Referencial, que apresenta um rendimento praticamente nulo.
Como resultado, a atualização dos fundos fica abaixo da taxa de inflação, resultando na incapacidade de compensar as perdas para o trabalhador. Desde 1999, quando houve uma modificação no cálculo da TR, os trabalhadores têm acumulado perdas ao longo do tempo.
Por que se questiona a correção do dinheiro?
A TR, empregada para ajustar o valor dos fundos, apresenta um rendimento extremamente baixo, praticamente nulo. Isso resulta na incapacidade dos trabalhadores de manter o seu poder de compra com os saldos do FGTS. Diversos cálculos indicam perdas que variam de 24% nos últimos dez anos a até 194% para aqueles que mantêm valores no fundo desde 1999.
Em 2014, quando a ação teve início, um estudo realizado pela Força Sindical revelou que um trabalhador que possuía R$ 1 mil no Fundo de Garantia no ano de 1999 teria acumulado um saldo de R$ 1.340,47 até 2013. Se fosse aplicada a inflação medida pelo INPC, que é utilizada para corrigir salários, o montante deveria ser de R$ 2.586,44, resultando em uma diferença de R$ 1.245,97.
A favor da correção mais substancial, especialistas argumentam que os fundos do FGTS representam uma parte da renda obtida a partir do salário e não devem acarretar perdas, uma vez que não se destinam a fins de investimento.
Quem tem direito à revisão do FGTS?
Se o voto do ministro Barroso for validado, todas as contas vinculadas ao FGTS receberiam uma nova forma de correção após a divulgação da ata do julgamento. De acordo com especialistas, todos os trabalhadores com fundos no FGTS a partir de 1999 poderiam ter direito a essa correção, abrangendo um grupo de aproximadamente 70 milhões de pessoas.
Para resolver questões como o pagamento de valores retroativos, o Supremo precisará estabelecer uma modulação para o assunto.
Na modulação, é possível determinar que a Caixa, responsável pela administração do fundo, seja obrigada a efetuar o pagamento somente para aqueles que entraram com ação até 2014, até o início do julgamento, ou exclusivamente para os participantes de ações coletivas. No entanto, é necessário aguardar a decisão final do STF para saber qual será o curso de ação adotado.