Concebida para estimular a geração de empregos, a desoneração da folha de pagamento inclui um dispositivo inédito que pode gerar economia de R$ 518 milhões para 485 municípios gaúchos. A medida permite aos municípios pagar menos impostos sobre os salários dos servidores e está em tramitação na Câmara dos Deputados, com pedido de urgência para ser apreciada em plenário. O governo analisa com cautela a iniciativa, já que a renúncia fiscal de R$ 9 bilhões prevista no texto original chega a R$ 20 bilhões com a inclusão das prefeituras.
O objetivo central da desoneração é diminuir a tributação sobre 17 setores considerados grandes empregadores: indústria, serviços, transportes e construção (veja abaixo). O benefício permite às empresas pagarem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre os salários.
Essa redução entrou em vigor em 2011 e vem sendo renovada pelo Congresso. Como a vigência atual expira em 31 de dezembro, o projeto expande o benefício até o final de 2027.
Durante a tramitação no Senado, o relator da matéria, Angelo Coronel (PSD-BA), estendeu a desoneração a todos os municípios com menos de 156.216 habitantes. Ao incluir no texto nada menos do que 96,5% dos municípios do país, o senador criou um rombo de R$ 11 bilhões no caixa da União.
O projeto foi aprovado no Senado e atualmente está na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara, com previsão de votação na próxima quarta-feira, dia 23. Relatora da matéria no colegiado, a deputada gaúcha Any Ortiz (Cidadania) acatou na íntegra o texto de Coronel para evitar que atuais alterações atrasem a aprovação.
Segundo ela, os setores beneficiados geraram 620 mil empregos em 2022, resultando em R$ 13,2 bilhões em receitas das contribuições patronal e dos trabalhadores:
— As empresas precisam de previsibilidade para fazer seu planejamento. São setores que geram 9 milhões de empregos. Se a desoneração não for prorrogada, vamos deixar de abrir novas vagas e ainda colocar em risco muitos dos atuais postos de trabalho — sustenta, lembrando que em 2021 a desoneração só foi sancionada às 23h45min de 31 de dezembro, faltando 15 minutos para o prazo fatal.
Pela tramitação normal, o projeto ainda precisa passar por mais duas comissões (a de Finanças e Tributação e a de Constituição e Justiça). Todavia, um requerimento assinado por líderes partidários pede que o texto passe a tramitar em regime de urgência. Dessa forma, seria levado direto a plenário. O atalho depende do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
“Situação é insustentável”, diz presidente da CNM
Há 12 anos em vigor, a desoneração da folha encontra respaldo no governo e já tem o custo de R$ 9,4 bilhões contabilizados pela equipe econômica. A surpresa veio com a inclusão dos municípios, medida que mais do que dobrou a renúncia fiscal prevista com o projeto.
Pelo artigo proposto pelo relator, Angelo Coronel, os municípios teriam a alíquota reduzida de 20% para 8%. Quando o tema foi a votação no Senado, o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA) chegou a discutir com o Ministério da Fazenda a apresentação de alguma emenda amenizando a sangria, mas o ministro Fernando Haddad foi contra por entender que qualquer alteração proposta pelo governo pudesse soar como um acordo pela aprovação.
A medida foi sugerida ao relator pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), principal entidade do país na defesa dos prefeitos. Cálculos feitos pela CNM mostram que 5.375 municípios seriam beneficiados, 485 deles no Rio Grande do Sul – apenas as 12 cidades gaúchas mais populosas ficariam de fora. De acordo com o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, as prefeituras não conseguem arcar com uma alíquota de 20% e acumulam uma dívida com a Previdência que alcança R$ 200 bilhões. Conforme ele, 53% das prefeituras estão no vermelho e a situação “é insustentável”.
— Temos 1 bilhão de ações ambulatoriais reprimidas, 4,8 milhões de cirurgias. Esse dinheiro da desoneração vai para a área social, pois a arrecadação cai e a demanda por serviços só aumenta — afirma o dirigente.
Articulação
A pressão pela votação do projeto ocorre em um momento de especial fragilidade na articulação política do governo. Enquanto busca ampliar receitas para zerar o déficit em 2024, Haddad enfrenta descontentamento dos deputados após reclamar do “poder muito grande da Câmara”. A declaração irritou o presidente Arthur Lira, ampliando o desgaste acumulado pela demora na condução da reforma ministerial. Não bastasse a turbulência, os deputados enxergam a desoneração como afago aos prefeitos, aliviando os gastos justamente em 2024, ano eleitoral.
A intenção da equipe econômica era debater a desoneração no escopo da reforma tributária, mas a questão foi ignorada quando o tema foi aprovado na Câmara. Os senadores tampouco pretendem revisar o assunto agora. Em passagem por Porto Alegre no início do mês, o vice-presidente Geraldo Alckmin disse que a busca por uma solução definitiva para a desoneração será prioridade tão logo o novo sistema tributário passar pelo Congresso.
Entenda a proposta
A desoneração
- O PL 334/2023 prorroga até 31 de dezembro de 2027 a desoneração na folha de pagamento de 17 setores econômicos.
- Ramos da indústria, serviços, transportes e construção podem pagar de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre os salários.
- A renúncia fiscal para esses setores é calculada em R$ 9,4 bilhões ao ano.
- Para compensar a perda de receita, haverá prorrogação do aumento de um ponto percentual na alíquota da Cofins-Importação.
- Essa taxação gera uma arrecadação extra estimada em R$ 2,4 bilhões.
Os 17 setores econômicos desonerados
- Confecção e vestuário
- Calçados
- Construção civil
- Call center
- Comunicação
- Empresa de construção e obras de infraestrutura
- Couro
- Fabricação de veículos e carroçarias
- Máquinas e equipamentos
- Proteína animal
- Têxtil
- Tecnologia da informação (TI)
- Tecnologia de comunicação (TIC)
- Projeto de circuitos integrados
- Transporte metroferroviário de passageiros
- Transporte rodoviário coletivo
- Transporte rodoviário de cargas
Os municípios
- O PL 334/2023 reduz de 20% para 8% a alíquota previdenciária patronal dos municípios com população inferior a 156.216 habitantes.
- A medida beneficia 5.375 dos 5.570 municípios brasileiros – ou seja, 95,6% do total.
No total, a renúncia fiscal alcança R$ 11,08 bilhões. - No Rio Grande do Sul, são 485 municípios (97,6%).
- No total, a economia no Rio Grande do Sul será de R$ 518.566.725, sétimo maior valor entre os Estados.
- O benefício será maior para 153 prefeituras que não têm regime próprio de previdência, mantendo todos os servidores no guarda-chuva do INSS.
- Os 332 municípios com previdência própria terão redução só na contribuição patronal dos cargos em em comissão, incluídos no regime geral.
As cinco cidades gaúchas com maior economia
- Santa Cruz do Sul: R$ 21.800.843,74
- Torres: R$ 13.465.526,06
- Capão da Canoa: R$ 11.569.339,38
- Uruguaiana: R$ 10.475.638,04
- Campo Bom: R$ 8.920.847,90
Fonte: Confederação Nacional dos Municípios