Em entrevista de quase 40 minutos ao Grupo RBS, na sexta-feira (4), após agenda em Passo Fundo e Porto Alegre, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, defendeu a desoneração da folha de pagamento para gerar emprego e renda, falou sobre reforma trabalhista e democracia. Bem-humorado e vestindo meias coloridas com desenhos de tubarões escolhidas pela esposa, Lu Alckmin, ele disse que não se preocupa em abrir mão do cargo na reforma ministerial e reafirmou o bom andamento da economia. A seguir os principais trechos da entrevista concedida aos colunistas Rosane de Oliveira, Marta Sfredo e Rodrigo Lopes.
Em entrevista recente à Rádio Gaúcha, o presidente Lula disse, a respeito da Venezuela, que a democracia é um conceito relativo. O senhor concorda com essa posição?
Comércio começa pela nossa região. Precisamos ter uma relação com a Venezuela. O regime interno da Venezuela é com os venezuelanos
Acho que o presidente quis colocar que uma coisa é a Venezuela, outra coisa é governo, que é transitório. É importante o Brasil ter uma boa relação com a Venezuela, devemos fortalecer o relacionamento regional. Eu disse hoje na Fiergs que o mundo é globalizado, mas o comércio é intrarregional. Se pegar Canadá, Estados Unidos e México, 50% é entre eles. União Europeia, 60%. Ásia, 70%. Na América Latina, 26%. Precisamos fortalecer esses laços. Comércio começa pela nossa região. Precisamos ter uma relação com a Venezuela. O regime interno da Venezuela é com os venezuelanos. Sempre evito críticas a país vizinho, só cria animosidade. Todos queremos que a democracia prospere na Venezuela.
O senhor mantém compromisso com a duplicação da BR-290?
Não tenho detalhes das BRs, mas o orçamento deste ano do Ministério dos Transportes é quase o total dos últimos quatro anos do governo anterior. Na sexta-feira (11) será lançado o PAC 3, com orçamento recorde para logística, com recurso público, parcerias público-privadas e concessões. Terá um grupo grande de investimentos no Rio Grande do Sul.
O que deve ser a pedra angular do PAC para que ele não seja um conjunto de obras inacabadas como foi o passado?
Vamos fazer uma agenda de competitividade, o que precisa? Câmbio, juros mais baixos e imposto mais simplificado. O câmbio está competitivo, o juro começou trajetória de queda e a reforma tributária está bem encaminhada. Falta melhorar a logística. O governo vai fazer uma parte com recurso próprio e trazer a iniciativa privada. O Brasil é o quinto maior receptor de investimentos do mundo. Se tivermos bons projetos, vai ter muita gente querendo investir em infraestrutura.
O senhor tem recebido muitos pedidos para estimular alguns setores. Como lidar com tanta demanda envolvendo renúncias fiscais em um governo preocupado em fechar brechas?
Governar é escolher. O dinheiro nunca vai atender todos os pleitos. O foco do presidente Lula é o desenvolvimento inclusivo, com estabilidade e sustentabilidade. Não tem bala de prata. É um conjunto de tarefas para fazer o país crescer e a economia prosperar. A reforma tributária está bem encaminhada, o arcabouço fiscal dá segurança que há rigor fiscal e ano que vem teremos déficit zerado. Em 2010, o déficit primário foi 10% do PIB. O Brasil não pagou a dívida e gastou a mais do que arrecadou R$ 750 bilhões. Mas zera ano que vem e depois superávits primários.
Incomoda muito os gaúchos a concorrência desleal, como o regime tributário da zona franca de Manaus e vantagens que o Nordeste tem. É possível equalizar esse tratamento?
A zona franca tem mais de meio século e foi feita para preservar a floresta amazônica. Vai até 2073. O que não pode ter é abuso. Estamos agindo com rigor para não ter triangulação e estimular a biodiversidade. Em relação à lealdade concorrencial, eu reuni hoje o pessoal da energia eólica. Vai ter o fundo do clima. Não é regional, é do Brasil, então podemos ter um recurso que vai ajudar muito.
O BNDES vai ter TR, é 1,9% ao ano de juro. Não há dinheiro mais barato que isso. Você vai ter, através do BNDES, R$ 20 bilhões. Acredito que dá para atender o Sul e o Sudeste, que não têm fundos constitucionais. Mas você vai ter fundos nacionais, como o fundo do clima.
Como está o diálogo com o empresariado e o agronegócio, dois setores muito próximos do bolsonarismo?
A eleição acabou. O agronegócio é importante e vai indo muito bem. O Plano Safra foi recorde. O presidente Lula recriou o Ministério da Indústria e Comércio. Temos que ouvir, ouvir, ouvir. Hoje fui a Passo Fundo, depois Porto Alegre. É bom ouvir problema.
A sua pasta é cobiçada na reforma ministerial. O senhor colocaria o cargo à disposição para acomodar o centrão?
Claro, cargo de ministro é do presidente da República. Minha disposição é ajudar o Brasil, ajudar o presidente Lula a fazer um bom governo. A economia está crescendo, o PIB pode chegar a quase 3%, a Bolsa subiu, o dólar caiu, todos os indicadores econômicos melhoraram. Não vamos nos iludir, isso é estímulo para fazer muito mais. Os desafios são as reformas que busquem eficiência econômica, reduzir o custo Brasil, melhorar competitividade, produtividade e, de outro lado, uma rede de proteção social.
O senhor está confortável com a entrada do centrão no governo?
Temos excesso de partidos no Brasil. Vai melhorar a cada eleição, mas o que não pode é ter fragmentação parlamentar. Dificulta a governabilidade. O governo anterior teve dificuldade, nós temos hoje e o futuro também terá. Os 14 partidos que nos apoiaram elegeram 139 deputados em 513. É muito mais difícil. Mas como o presidente Lula é um homem do diálogo, estamos avançando. O caminho é o diálogo, debate, bons projetos. O Congresso está surpreendendo positivamente no sentido de procurar ajudar tudo o que for para melhorar a eficiência econômica.
Uma demanda dos empresários é a desoneração da folha de pagamento. A desoneração até 2027, que está no Congresso, será sancionada? O senhor considera relevante manter a desoneração para esses 17 setores que mais empregam no Brasil?
O próximo desafio é desonerar a folha, mas com responsabilidade com a questão atuarial da Previdência
Estamos vivendo mais e melhor. Na década de 1940, a expectativa de vida era 45 anos, hoje é 77. É ótimo. De outro lado, isso demanda cálculo atuarial, você tem de ter preocupação com a Previdência Social. Passada a reforma tributária, a outra discussão tem de ser desonerar folha. Tudo o que a gente puder fazer para desonerar folha deve ser a próxima meta.
Até fiz um estudo. Quanto custaria isso? R$ 100 bilhões, 1% do PIB. Vamos descobrir onde tem 1% do PIB e começar. Passada a reforma tributária, o próximo desafio é desonerar a folha, mas com responsabilidade com a questão atuarial da Previdência.
Isso significa uma nova reforma da Previdência?
Não, é discutir financiamento. Hoje é financiada sobre a folha. Podemos achar uma maneira de diminuir isso. O foco tem de ser estimular emprego, e não onerar folha. Mas vamos por estampas, não vamos tumultuar esse momento.
O plano de estímulo à compra de carro nasceu grande e ficou menor porque é o que cabia no orçamento. Há um novo plano de estímulo à linha branca?
O presidente Lula é do ABC, conhece bem a indústria automobilística. O programa está indo bem, o de veículos leves acabou porque o sucesso foi grande. Em um dia foram vendidos 26,8 mil veículos. Agora, fizemos com critério social: não vou dar crédito para carro de R$ 200 mil, mas o carro de R$ 68 mil pode baixar para cerca de R$ 50 mil. Estamos estudando a linha branca. É mais fácil com automóvel porque são poucas montadoras. Linha branca é mais ampla. Vamos, cada dia, uma boa notícia.
Uma curiosidade: as suas meias coloridas são famosas.
Esse bom gosto é da Lu. Ela teve boutique, gosta de moda. Tinha uma boutique em Pinda quando éramos namorados. Hoje, brinquei na Fiergs que também era do setor têxtil. O pessoal dizia: "Ele tá de olho é na boutique dela".
É verdade que o senhor costuma escapar da segurança em Brasília de vez em quando para tomar café na padaria?
Eu não gosto de café, eu gosto é de gente. Eu adoro dar uma paradinha, conversar um pouco. Uma vez por mês vou a Pindamonhangaba. Minhas irmãs moram lá. Então, eu falo que não tenho nenhum compromisso no domingo. Saio cinco e pouco da manhã de carro, HB20, eu mesmo dirigindo, dou uma paradinha no café na Dutra, vou a Pinda (Pindamonhangaba), visito minhas irmãs, vou ao supermercado, tiro um monte de retratos. É interessante, fui quatro vezes governador, ninguém chega e diz: "Você fez tal obra". É o prefeito: "O senhor esteve na casa da minha avó, quando inaugurou a creche". E o médico: "Você fez anestesia no meu pai, quando ele foi operado". Isso é o que fica. São laços de afeto, essa é a parte boa da política. Isso que nos estimula.