O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou há pouco que o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgado nesta quarta-feira (22), para justificar a manutenção da taxa Selic em 13,75%, é "muito preocupante". Segundo ele, o governo divulgou hoje, por meio do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do primeiro bimestre, que as projeções para as contas públicas estão melhorando.
— Eu considerei o comunicado do Copom preocupante. Muito preocupante, porque hoje nós divulgamos o Relatório Bimestral da Lei de Responsabilidade Fiscal, mostrando que as nossas projeções de janeiro estão se confirmando sobre as contas públicas, e o comunicado deixa em aberto, no momento em que a economia está retraindo e que o crédito está com problema, sobretudo empresas e famílias. O Copom chega a sinalizar até a possibilidade de uma subida da taxa de juros, que já é hoje a mais alta do mundo — disse.
Segundo Haddad, a depender das futuras decisões do Banco Central (BC), o resultado fiscal pode ser comprometido. O ministro ainda sinalizou que espera que a ata do Copom atenue o tom do comunicado.
— Obviamente, nós sempre vamos fazer chegar ao Banco Central as nossas observações, como aconteceu no primeiro comunicado da reunião de fevereiro. O primeiro comunicado também veio muito duro. A ata atenuou. Em alguns dias depois a ata veio diferente, uma pouco atenuada. Tomara que isso aconteça de novo. Nós esperamos que isso aconteça de novo, mas nós vamos fazer chegar ao Banco Central a nossa análise do que é mais recomendável para a economia brasileira encontrar o equilíbrio, de trajetória da dívida, da inflação, das contas públicas, do atendimento às demandas sociais — disse.
Haddad minimizou as preocupações do Comitê de Política Monetária (Copom) com a piora do ambiente internacional e com a desancoragem das expectativas de inflação. O ministro afirmou que o Brasil está em "uma situação diferente dos demais países, porque a nossa inflação está mais controlada que o mundo desenvolvido", e disse que a apresentação da nova regra fiscal deve melhorar as expectativas para a inflação.
— É só comparar com a inflação europeia. E a taxa de juros dos países desenvolvidos, apesar de ter subido, continua negativas. Não está positiva, enquanto a nossa taxa de juros é a maior do mundo. Está hoje, rodando, dependendo de como você faz a conta, entre 6,5% e 8% acima da inflação. Então, evidentemente que é diferente da situação do mundo desenvolvido. A Europa está com uma inflação encerrada agora de 8,5%. Não é a realidade brasileira — disse.
Segundo Haddad, a desancoragem das expectativas de inflação é conjuntural e não estrutural. O ministro ressaltou que um problema estrutural exigiria cautela, o que ele avalia que não está acontecendo no País. Segundo ele, a apresentação da nova regra fiscal pode mudar as expectativas.
— Expectativa é uma coisa que se muda de um dia para o outro. Então, nós temos de olhar para os fundamentos da economia e nos perguntar se há algum equilíbrio de oferta e demanda que faça prever um recrudescimento da inflação para os próximos meses. Eu penso que nesse momento, do ponto de vista dos fundamentos da economia, eu não percebo essa tendência. Agora expectativas, vocês conhecem o mercado, mudam de um dia para o outro. Amanhã, a apresentação do arcabouço fiscal pode mudar as expectativas — declarou.
Boa-fé
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que as reiteradas críticas que tem feito ao Banco Central (BC) e as decisões do Copom de manter os juros em 13,75% ao ano não geram ruídos porque são feitas de "boa-fé". Ele disse desejar que as suas opiniões sejam consideradas pelos diretores da autoridade monetária.
— Na verdade, não existe ruído quando existe boa-fé. Eu estou aqui de boa-fé emitindo uma opinião que, eu penso, que deve ser considerada pela política monetária, de uma pessoa que ocupa o Ministério da Fazenda. Eu falo em harmonia desde a primeira entrevista que eu dei em dezembro. Em harmonizar as políticas monetária e fiscal. E eu vou continuar preservando com esse objetivo. Nunca faltei com respeito com diretor, com funcionário, com presidente do BC. Não é esse o objetivo. O objetivo é que o diálogo seja franco e nós possamos construir saídas conjuntas para os anseios da população. Que é ter crescimento com inflação baixa — declarou.
Segundo Haddad, o Ministério da Fazenda está construindo um diálogo com o Congresso, com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com outros órgãos para que o Brasil volte a crescer e gerar empregos.
— Eu tenho aqui uma missão que não é simples, tem uma institucionalidade que precisa ser respeitada, isso é o Ministério da Fazenda. Aqui nós construímos o dialogo com o Congresso, com o STF, com as outras instituições e tenho de zelar para que isso aconteça da melhor maneira possível. Vamos fazer chegar ao Congresso e ao BC as nossas observações sobre a condução da política econômica. Eu, ainda que reconheça que o apontamento do Copom de que a Fazenda está cumprindo o calendário estabelecido em janeiro de recomposição fiscal do Estado brasileiro, mas realmente, no conjunto o comunicado preocupa um pouco — disse.
O comunicado
Nesta quarta-feira (22), o Copom manteve a Selic em 13,75% e o comunicado não deu mostras de que uma queda está a caminho.
A manutenção da Selic nesse patamar ocorre em meio à queda de braço entre o governo federal e o BC. De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integrantes do primeiro escalão do Planalto afirmam que o juro nesse nível trava investimentos, consumo e criação de empregos. Do outro, a autoridade monetária avalia que o aperto é necessário onde a inflação segue em patamar elevado e com estimativas de alta persistente por um tempo maior em um ambiente de incerteza fiscal.
Em comunicado divulgado após a reunião, o colegiado não faz acenos para corte. O Copom cita que o ambiente externo deteriorado, com a crise envolvendo bancos nos Estados Unidos e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados. No cenário doméstico, afirma que inflação ao consumidor “segue acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta”. Entre os fatores de risco, o grupo reforça maior persistência das pressões inflacionárias globais, incerteza sobre o arcabouço fiscal, e desancoragem maior das expectativas de inflação para prazos mais longos.
"Por um lado, a recente reoneração dos combustíveis reduziu a incerteza dos resultados fiscais de curto prazo. Por outro lado, a conjuntura, marcada por alta volatilidade nos mercados financeiros e expectativas de inflação desancoradas em relação às metas em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária. O Comitê avalia que a desancoragem das expectativas de longo prazo eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas", destaca trecho do comunicado.
Outras repercussões
Haddad não foi o único a tecer críticas à decisão do Copom. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, disse que a decisão não é "o que o governo esperava".
— O que o povo brasileiro, os empresários, a indústria e todos desejam é a redução da taxa de juros. Não dá pra compreender essa decisão do Banco Central de manter a taxa de juros em 13,75%, já que este porcentual foi adotado quando a inflação chegou no patamar de 10%. Hoje a inflação já caiu à metade, que é 5%. Não tem razão que explique a motivação do Banco Central em adotar essa medida — afirmou.
O economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, afirma que o juro elevado é um remédio amargo que afeta negativamente serviços e comércio, mas que seguirá sendo administrado enquanto não houver um equilíbrio entre as políticas fiscal e monetária. Um corte forçado na taxa pode provocar um problema ainda maior no futuro, cenário observado em um passado recente, segundo o economista.
— O governo cada vez mais vem adotando medidas de expansão fiscal, não temos até hoje a regra que vai substituir o teto de gastos, o novo arcabouço fiscal, e o governo segue atacando os fundamentos da política monetária. Isso tudo acaba dificultando o trabalho do Banco Central — explica Frank.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) criticou a decisão do Copom. Na avaliação da entidade, a Selic em 13,75% prejudica o setor, criando problemas na oferta de crédito e encarecimento das linhas ligadas ao capital de giro, “fundamentais para a manutenção das atividades produtivas”.
“A indústria não aceita esse nível de juros, ela sofre para obter seu capital de giro, e com essa taxa, não suporta tomar dinheiro no sistema bancário para tocar seus negócios”, destacou o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry, em comunicado.