Em um cenário marcado por desaceleração na economia do país, o juro em patamar elevado preocupa o mercado imobiliário do Rio Grande do Sul. De um lado, inflação e taxas para financiamento devem segurar parte das vendas e lançamentos na área de imóveis de médio padrão, mais sensível aos movimentos do crédito no país. De outro, iniciativas do governo na área de habitação popular poderão dar impulso no segmento de imóveis de baixo valor.
Dados de pesquisa do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS) mostram a venda de 493 unidades em Porto Alegre em janeiro deste ano — aumento de 21,42% ante o mesmo mês de 2022. No entanto, o levantamento também mostra que o estoque cresceu e não houve registro de lançamentos na capital no primeiro mês do ano nessa comparação de janeiro contra janeiro.
O presidente do Sinduscon-RS, Claudio Teitelbaum, estima um ano marcado por estabilidade no setor no Estado. Juros elevados e problemas com fontes de recursos para financiamento via poupança dificultam o processo de obtenção de crédito para o consumidor final na linha de médio padrão. Já o ramo de habitações sociais deve ser um dos impulsionadores do setor neste ano diante de ações do governo, como alterações no programa Minha Casa Minha Vida, segundo o dirigente:
— Tem um foco muito grande indo para esse mercado, principalmente naquela faixa de menor valor, a faixa 1. Vejo que isso, diferentemente dos últimos anos, pode puxar um pouco o mercado da construção civil.
Teitelbaum projeta um cenário estável no mercado de alto padrão. No grupo das unidades de médio valor, o executivo reforça que cenário ainda é nebuloso, porque depende da dinâmica do juro:
— No médio padrão tem aquela incógnita, depende muito do financiamento. A gente vai ter que ver ainda como vão se comportar a Selic e as demais taxas de juros, que acabam guiando os lançamentos e as vendas nesse tipo de habitação.
Os números do financiamento imobiliário com recursos da poupança na arrancada de 2023 são alguns dos pontos que mostram esse arrefecimento no apetite por imóveis de médio padrão. Em janeiro, os financiamentos imobiliários com recursos das cadernetas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) somaram R$ 11,9 bilhões no Brasil – queda de 18,4% ante o mesmo mês do ano passado. No Estado, a queda nessa mesma comparação foi de cerca de 11% (veja mais abaixo).
O diretor-executivo da Abecip, Filipe Pontual afirma que essa desaceleração nos financiamentos ligados ao SBPE ocorre diante de uma procura menor por parte dos compradores e do aumento das taxas de juros em um cenário onde as instituições financeiras precisam usar outras fontes de financiamento além da poupança:
— É uma combinação de fatores. Tem essa retração do consumidor, esperando como vai ser o futuro próximo para ele. E os bancos continuam prontos para conceder o empréstimo, mas com o juro um pouco mais alto diante desse mix de funding.
O professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), também destaca o impacto nos imóveis de médio padrão. O especialista afirma que, além do juro alto, os consumidores dessa faixa estão com o orçamento apertado diante da inflação:
— A taxa de juros segue alta tanto para quem vai construir quanto para quem compra. O mercado está bem pressionado. (...) O segmento médio é o que mais vai sofrer, a classe média, porque tem pressão inflacionária ainda e o governo federal não tem recurso para investir.
Dados do Banco Central mostram que a taxa média dos financiamentos imobiliários chegou aos 10,74% no país em janeiro deste ano. Mesmo em patamar abaixo da Selic (13,75% hoje), o percentual está na casa dos dois dígitos desde meados do ano passado e acima do observado no mesmo mês nos últimos anos. Em janeiro de 2022, esse indicador estava em 9,41%. No primeiro mês de 2021, a taxa média ficou em 6,98% (veja mais abaixo).
Segmento de médio e alto padrão segue “cinza”
O diretor comercial da MRV, ítalo Pita, afirma que a empresa projeta crescimento de 25% a 30% na liquidez em relação ao ano passado. Estabilização de preços diante de uma acomodação dos custos é um dos principais pontos que ajudam nas vendas, segundo o executivo. Em relação aos efeitos da reformulação do Minha Casa Minha Vida, o diretor afirma que um eventual aumento de teto para acesso ao programa pode ajudar o setor. Pita afirma que o segmento de médio e alto padrão segue “cinza” diante da especulação de aumento da taxa de juros nesse ramo e destaca a importância dos imóveis de menor valor dentro do desempenho esperado para este ano:
— Se a gente não tivesse produtos dentro do programa, seria um ano mais difícil do ponto de vista de liquidez.
O vice-presidente de operações da Melnick, Marcelo Guedes, afirma que a empresa estima um ano com bons números no âmbito das vendas e lançamentos diante do planejamento e assertividade das decisões da companhia mesmo em um ambiente de Selic alta. O executivo também cita o impacto maior do juro alto nos imóveis de entrada e de médio padrão, mas destaca que a empresa segue analisando o desempenho de cada produto para planejar movimentos futuros:
— É um ano parecido com o ano anterior, mas obviamente com um olhar atento para o desempenho de cada produto. (...) A gente segue acompanhando muito atento o desempenho daqueles produtos que já temos lançados no mercado e também dos novos projetos que a gente pretende lançar. Naturalmente, com esses lançamentos recentes, a gente consegue observar como o mercado está se comportando.