Sem recursos para cobrir um rombo de R$ 125 bilhões na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a União deu aval para que os Estados possam aumentar a tributação sobre a gasolina. O acerto foi encaminhado nesta sexta-feira, mas ainda depende da palavra final dos governadores. A decisão deverá ocorrer na segunda-feira.
O aumento da tributação foi a alternativa encontrada nesta sexta-feira (2), durante a última reunião da comissão formada no Supremo Tribunal Federal (STF) para modular uma conciliação entre o governo federal e os Estados. A sangria nos caixas estaduais foi provocada pela limitação imposta pela União na cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia, transportes e comunicações.
Em vigor desde junho, as mudanças na legislação tributária foram aprovadas pelo Congresso após pressão do presidente Jair Bolsonaro por queda nos preços das tarifas públicas às vésperas da campanha eleitoral. A principal alteração foi alinhar a cobrança de ICMS sobre itens considerados essenciais à alíquota geral de cada Estado. A gasolina, que não era produto considerado essencial, ganhou esse status. Com isso, alguns Estados que chegavam a operar com alíquotas de 30% viram despencar a entrada de recursos.
Pelo acordo alinhavado no STF, a gasolina perde o status de item essencial, podendo ter alíquota superior ao índice modal do ICMS em cada Estado. No Rio Grande do Sul, esse índice é de 17%. O acerto também pavimenta caminho para que a União não reembolse integralmente as perdas de receitas dos Estados, o que vinha sendo exigido inclusive com ações judiciais.
Há pelo menos duas ações de inconstitucionalidade tramitando no STF e oito Estados já haviam obtido liminares determinando o ressarcimento mensal das perdas. Pelo acordo, em 30 dias será celebrado convênio no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para dar tratamento uniforme ao tributo incidente sobre combustíveis, com exceção da gasolina. A decisão ocorreu no mesmo dia que o ministro André Mendonça prorrogou por mais um mês o início da cobrança de alíquota uniforme sobre combustíveis em todo o país.
Estados não podem contar com ressarcimento da União em 2023
Além da essencialidade dada à gasolina, o governo havia tirado da base de cálculo do imposto as tarifas de transmissão e geração de energia. Apenas essas duas medidas respondem por 60% da queda na arrecadação no ICMS. Relatório divulgado esta semana pelo Banco Central revelou déficit de R$ 3,9 bilhões dos Estados e municípios em outubro.
— O sistema precisa voltar a ser como era. Os Estados são a perna fraca da federação e tiveram essa lei enfiada goela abaixo — diz o economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento.
A limitação na cobrança do ICMS sobre setores essenciais como energia, combustíveis e comunicações estava prevista para entrar em vigor em 2024. Ao ser antecipada pelo governo federal, com anuência do Congresso, acentuou o desequilíbrio de forças entre a União e os Estados, comprometendo o planejamento financeiro. O governo do RS, que em maio enviou à Assembleia Legislativa a Lei de Diretrizes Orçamentária para 2023 prevendo superávit de R$ 37 milhões, refez as contas e aprovou semana passada um orçamento com déficit cem vezes maior, de R$ 3,8 bilhões.
— Estamos perdendo R$ 2 bilhões em 2022 e vamos chegar a uma queda de R$ 5 bilhões no ano que vem, comprometendo o equilíbrio das contas e ameaçando investiment0s. Proporcionalmente, somos o Estado que mais perdeu, com um baque de 10% na receita — afirma o secretário estadual da Fazendo, Leonardo Busatto.
Pelas regras aprovadas, o governo federal terá que indenizar os Estados que perderem mais de 5% da arrecadação do tributo em 2022, em comparação a 2021. A proposta é controversa porque pune quem teve um desempenho melhor e ainda prevê compensação por meio de abatimento em parcelas da dívida com a União. Todavia, alguns Estados não mantêm dívida com o governo federal e outros estão com o pagamento suspenso por adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. O Rio Grande do Sul, por exemplo terá R$ 2 bilhões a pagar à União em 2023, ante uma perda acumulada de R$ 7 bilhões.
— As perdas foram significativas e as demandas de educação, saúde e segurança continuam as mesmas. Se a reforma tributária avançar, isso poderá estar contemplado num novo modelo, mas até lá é preciso achar alguma solução — conclama o economista Aod Cunha, ex-secretário da Fazenda do RS.
De acordo com o Comitê Nacional de Secretários da Fazenda dos Estados (Comsefaz), a perda de receita chega a R$ 125 bilhões em 12 meses. Somente em 2022, pode alcançar R$ 48 bilhões. O Ministério da Economia alega que o aumento das receitas no primeiro semestre equilibrou as finanças estaduais, dispensando indenizações. Governadores ainda devem insistir na compensação das perdas de 2022 e uma nova comissão acaba de ser criada pelos Estados para tratar do tema, em até 120 dias, com o governo eleito. Os termos de um eventual acordo precisarão ser transformados em projeto de lei e submetidos ao Congresso.
Único secretário estadual da Fazenda eleito governador, Rafael Fonteles (PT-PI) tem dito aos colegas não acreditar que o próximo governo esteja trabalhando com algum ressarcimento. A PEC da Transição, prioridade da equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prevê R$ 198 bilhões de espaço fiscal em 2023, mas não contempla indenizações do ICMS.
Havia uma reunião dos governadores eleitos com o futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevista a para quarta-feira (7), mas a agenda foi cancelada. A expectativa é de que o encontro seja remarcado para antes das posses, em 1º de janeiro.
Uma forma isolada de recompor a arrecadação seria os Estados aumentarem a alíquota geral do ICMS, elevando junto a receita com os setores desonerados. Contudo, há consenso entre os secretários de que não há ambiente político para ampliar a tributação – por enquanto, somente o Pará majorou a alíquota modal, passando de 17% para 19%. Para Busatto, a melhor alternativa seria o STF retirar a essencialidade da gasolina, o que foi acordado na comissão, e recompor a base de cálculo da energia elétrica. O secretário, porém, assegura que o Piratini não cogita aumentar a alíquota sobre a gasolina.
— Sem chance. Não tem espaço para isso — comenta Busatto.
O buraco de R$ 125 bilhões
Veja a perda de arrecadação dos Estados com cada um dos produtos desonerados:
- Gasolina - R$ 42,42 bilhões
- Energia elétrica - R$ 27,76 bilhões
- Sistema elétrico - R$ 24,95 bilhões
- Comunicações - R$ 12,67 bilhões
- Diesel - R$ 11,11 bilhões
- GLP - R$ 3 bilhões
- Etanol - R$ 2,99 bilhões