Em julgamento com resultado unânime, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a cobrança do chamado imposto sobre herança em planos de previdência privada, que ocorria em alguns Estados brasileiros — incluindo o Rio Grande do Sul. A decisão, que envolve casos de morte do titular de planos dos tipos Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) e Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), foi tomada em dezembro de 2024 e já está valendo para todo o Brasil.
Oficialmente chamado de Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), o tributo por vezes era aplicado quando a pessoa que tinha um dos planos de previdência privada morria e seu dinheiro acumulado era repassado para os beneficiários. No julgamento, o STF declarou inconstitucional essa arrecadação, decidindo, portanto, que o imposto não deve ser cobrado sobre esses repasses.
Heranças e doações
O mestre e doutor em Direito Tributário Salvador Cândido Brandão Jr., que é sócio do Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, explica que o ITCMD é um imposto que incide na transmissão de patrimônio, como em casos de recebimento de heranças e doações. Também esclarece que, quando a pessoa contrata um plano de previdência privada, seja VGBL ou PGBL, ela vai aportando mês a mês para juntar um montante para sua aposentadoria, construindo um fundo:
— Mas quando havia falecimento, alguns Estados entendiam que esse fundo era transmitido para os herdeiros e, por isso, precisaria ter o ITCMD. O que o STF definiu foi que, quando esse plano de previdência é extinto por conta do falecimento e transmitido para os herdeiros, não é transmitido como herança, mas sim como um seguro de vida. Então, aquilo que o beneficiário recebe não é herança, não é um patrimônio transferido, é um seguro.
De acordo com o especialista, a decisão do STF é válida para toda a jurisdição nacional porque foi formada em repercussão geral. Em nota publicada ao fim do julgamento, o órgão informou que a seguinte tese de repercussão geral foi fixada:
“É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quanto ao repasse para os beneficiários de valores e direitos relativos ao plano Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou ao Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) na hipótese de morte do titular do plano”.
Jurisprudência
— Então, todo o judiciário tem que obedecer. O julgamento era referente a um recurso do Rio de Janeiro, mas isso não importa, porque vale para todo o Brasil. Então, o Rio Grande do Sul, que vinha cobrando isso, também não vai poder mais cobrar porque o fundo que consta na previdência privada do falecido tem tratamento de seguro de vida — ressalta Brandão.
Edmundo Cavalcanti Eichenberg, advogado tributarista do ELA Advogados, acrescenta que alguns Estados inclusive colocavam expressamente em suas legislações que o imposto incidiria no recebimento de valores de planos de previdência dos tipos PGBL ou VGBL.
No Rio Grande do Sul, não havia previsão de cobrança expressa em lei, mas toda vez que se verificava que um pessoa falecida era investidora e que havia beneficiários, o Estado entendia que o seguro compunha a herança.
— Tem uma regra bastante antiga na legislação civil que diz que o seguro de vida não integra a herança da pessoa falecida. Então, é com base nesse entendimento que, tributariamente, não se pode tratar como uma herança sujeita ao imposto — resume Eichenberg.
O advogado pondera que apesar de válida para todos os tribunais, a decisão não atinge diretamente a administração pública. Assim, um Estado não estaria desobedecendo ou descumprindo uma ordem legal ao cobrar esse imposto hoje, por exemplo:
— Vai haver um descumprimento da ordem jurídica se, diante de uma ação judicial que questione a cobrança desse imposto, o Tribunal de Justiça de qualquer Estado, inclusive do Rio Grande do Sul, venha a decidir que o imposto é devido. Mas a tendência que nós temos identificado é que as fazendas públicas, inclusive estaduais, alteram seus procedimentos para se adequar à decisão.
Impactos
Os especialistas apontam que a decisão não gera um impacto direto para o investidor, apenas para seus beneficiários em caso de falecimento. Também destacam que esse beneficiário não precisa ser, obrigatoriamente, o herdeiro do titular — alguns, elegem somente a esposa ou o irmão, por exemplo.
Além disso, a mudança se aplica a todos os planos de previdência privada, inclusive aqueles contratos que foram firmados antes do julgamento, enfatiza Eichenberg:
Segurança
— Essa decisão do STF é uma segurança e confirma aquilo que o mercado vinha sinalizando, mas que do ponto de vista das fazendas públicas estaduais, inclusive do Rio Grande do Sul, não vinha sendo acolhido. Então, a decisão é muito positiva para dar tranquilidade de que o imposto não incide, na regra geral, nos valores recebidos pelos beneficiários.
Entretanto, o tributarista afirma que há uma ressalva: o entendimento do STF não impede o combate a planejamentos tributários abusivos, que se referem às situações em que o contribuinte converte todo o seu patrimônio em um plano de previdência com o único objetivo de evitar a incidência do imposto.