O fim das restrições e a melhora no quadro da covid-19, com o avanço da vacinação, trouxeram alívio para negócios de diversos ramos que foram fortemente impactados pela crise sanitária. Com operações reestruturadas para se adaptarem a uma pandemia que ainda não terminou, aos poucos os empreendimentos começam a sair do vermelho e a recuperar os prejuízos.
De acordo com a edição de novembro da pesquisa Monitoramento dos Pequenos Negócios do Sebrae-RS, 62% dos empreendedores já percebem melhora nas suas atividades. O percentual de empresas que retornaram às atividades ao nível pré-pandemia subiu de 19% em outubro para os atuais 24%.
Do período de portas totalmente fechadas até o status mais recente de um “novo normal” possível, os empresários contam que muitas lições ficaram, entre elas o planejamento antecipado para enfrentar novos “sustos” e até alternativas de negócio.
Três em cada cinco empresas relataram ao Sebrae-RS que remodelaram suas atividades. O uso de ferramentas digitais para venda e a readequação da estrutura física estão entre as principais estratégias adotadas.
A reportagem de GZH revisitou negócios que foram afetados pela pandemia e que foram temas de reportagens ao longo dos últimos dois anos para saber como está o processo de retomada. O sentimento de volta por cima e a perspectiva de melhora gradual são construídos dia após dia, junto de lições que vieram para ficar.
Como está a retomada
- 62% dos empreendedores percebem melhora nas atividades o com avanço da vacinação
- 24% das empresas retornaram ao mesmo nível de atividade pré-pandemia; 39% ainda seguem abaixo, mas o percentual diminuiu – chegou a 51% em setembro
- Em novembro, 19% das empresas sinalizaram aumento da ocupação de pessoas na empresa
- Uma em cada cinco empresas buscaram crédito nos últimos 30 dias; o valor médio obtido foi de R$ 85,9 mil
- 62% das empresas aprenderam que é fundamental ter uma reserva financeira
- Para 47%, estar presente no ambiente digital não é mais diferencial, é obrigatório
- 58% dos empresários remodelaram suas atividades após o início da pandemia
Fonte: Sebrae-RS
Diversificar para resistir
Antes da pandemia, o Tasco Bistrô atendia apenas presencialmente no espaço que ocupa até hoje no bairro Santa Cecília, em Porto Alegre. Mas viu essa realidade mudar com as medidas que vetaram o consumo de clientes no salão dos restaurantes e o autosserviço nos bufês.
O jeito, então, foi buscar alternativas. O sócio-proprietário Vinícius Schneider lembra que a aposta foi investir no serviço por telentrega e pague e leve. Para isso, ampliou os canais de atendimento e lançou novas linhas de produtos, como a marca Alecrim Dourado Cozinha Prática, de conceito mais econômico, e as refeições ultracongeladas.
Segundo Schneider, a diversificação foi o que manteve o negócio. A telentrega se agregou ao faturamento, virando uma concorrente do salão. A nova marca criada chega a 20% do faturamento.
— Não consigo nos enxergar sem ter aberto a telentrega e os congelados, que hoje ainda não estão nem próximos do que a gente planeja. Os congelados representam de 5% a 7% de vendas no mês e poderiam crescer mais — afirma.
Outro sinal de retomada é que a empresa voltou a ter lucratividade. Duas pessoas foram contratadas no período, totalizando 10 funcionários.
O fluxo está tão alto que o rodízio de clientes chega a girar quatro vezes nas mesas –mas a ocupação total dos lugares ainda não está em 100% para manter algum distanciamento. Além disso, o restaurante passou por reformas e uma nova área externa está sendo preparada com parklet na calçada para ampliar os espaços ao ar livre.
— Agora se consegue ver uma luz no fim do túnel. Voltamos a tirar lucros de uns quatro meses pra cá. E já estamos pensando na ampliação da operação — conta o proprietário.
A mesma sorte, porém, não é onipresente no segmento. Segundo a seccional no Rio Grande do Sul da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-RS), 44% dos estabelecimentos gaúchos fecharam outubro no prejuízo. Mas as perspectivas são boas sem as restrições para funcionar e a chegada do verão: 59% dos empresários acreditam em aumento nas vendas de dezembro em relação a outubro.
Decisão na hora certa
O momento certo para decidir sobre o rumo do negócio foi fundamental para evitar um acúmulo de dívidas, conta Carlos Frederico Schmaedecke, proprietário da loja Confraria Masculina. O empresário optou por encerrar a operação em um shopping da Capital para seguir comercializando de maneira mais autônoma. Graças à decisão, o negócio de mais de três décadas segue vivo até hoje.
— Sem dúvida nenhuma, fechar o ponto físico foi positivo porque acabamos com um custo muito grande que tínhamos e o reduzimos a um nível muito baixo. Ficamos igual urso hibernando: funcionando, mas no mínimo. Se eu não tivesse tomado essa providência, muito provavelmente eu teria falido — diz Schmaedecke.
O empresário está utilizando o local onde fica o estoque para realizar as entregas dos produtos aos clientes. O foco passou a ser o atendimento individual, com as vendas se desenrolando, basicamente, de forma online.
— Mas no nosso produto, as pessoas ainda precisam experimentar e ver se veste bem. O nosso público é exigente nesse tipo de abordagem. Então a gente atrai e mantém o contato com a clientela pelas redes e marca horário para atendimento — explica.
O retorno até aqui tem sido positivo, muito porque a venda acaba sendo mais personalizada. Mas o empresário é cauteloso sobre uma retomada do negócio no mesmo modelo como existia antes da pandemia.
— Existe um plano de voltar para o físico, mas não é obrigatório. Se o mercado mostrar que tem potencial de retomar de forma saudável, com custos adequados, aí a gente reabre. Mas só vou examinar quando estiver mais claro. Por enquanto, estamos vivendo sem nenhum problema. Temos muitos clientes fiéis — diz Schmaedecke.
Dentre as lições que o período mais difícil deixou, o lojista cita que a agilidade na tomada de decisões contou muito a favor.
— Foi o que salvou. Estamos aqui sem dívidas e tudo sob controle. É uma escolha difícil e dolorosa abrir mão de tudo o que se construiu, mas é um remédio amargo — conclui.
Otimismo com cautela
Os negócios relacionados à vida noturna como bares, casas de shows, festas e danceterias estão entre os que mais sofreram durante o período mais crítico da pandemia, principalmente pela dificuldade de adaptar as operações para eventos sem nenhum público.
Muitos tiveram que criar produtos para ter o que comercializar e garantir alguma renda. Foi o caso do Agulha, localizado no Quarto Distrito da Capital, que passou a vender itens como camisetas, pijamas, adesivos e bebidas. Os shows transmitidos pela internet também viraram opção, mas não trouxeram o retorno esperado.
Em março deste ano, antes da reabertura das casas, Eduardo Titton, um dos proprietários do bar, chegou a afirmar à reportagem que a perspectiva para 2021 ainda era bastante pessimista. Agora, com as portas novamente abertas, ele avalia que o momento é de juntar o otimismo com boa parcela de cautela.
— Estamos acompanhando bem atentamente a nova variante. Nossa ideia não é voltar ao que era antes da pandemia, porque isso nem existe mais, mas readequar encontrando um formato que una o modelo presente, passado e futuro — diz Titton.
Por enquanto, o local está funcionando como bar e restaurante, evitando ainda os shows, que voltam para a agenda em janeiro do próximo do ano. Titton explica que a casa prefere aguardar a consolidação deste momento de reabertura, assim como ter tempo hábil de produção. Vários equipamentos se deterioraram ao longo dos quase dois anos sem uso, o que vai exigir investimento mínimo de R$ 15 mil para garantir a estrutura de shows anterior à pandemia.
Uma reserva para emergências, que foi consumida na pandemia, foi o que manteve o negócio. O apoio de amigos e clientes também foi fundamental, diz Titton, por meio de um clube de sócios. A maior dificuldade para uma retomada plena, no entanto, é o cenário econômico geral de custos elevados e inflação em alta.
— Está sendo desafiador, não tanto o trazer as pessoas de volta, que estão saindo de casa, mas fazer com que as vendas se transformem em algum lucro. Para 2022, o principal desafio será fazer esta equação de custo e preço — observa Titton.
Espaço em dobro
A empresária Simone Postal estava reformando o prédio onde mantém um espaço de beleza no bairro Santana, em Porto Alegre, quando a chegada do coronavírus obrigou o setor de serviços a suspender os atendimentos.
Já retomada a atividade, Simone não apenas concluiu a obra interrompida como engatou uma segunda reforma para se adequar às novas exigências de distanciamento. Investiu R$ 250 mil na ampliação de um segundo andar com novas salas e mais serviços. O espaço dobrou de tamanho.
No começo da crise, ela conta que chegou a demitir cinco funcionários, mas já recontratou três. E recuperou cerca de 80% do movimento anterior à pandemia.
— São serviços essenciais, é uma higiene e cuidado consigo mesmo. As pessoas voltaram a procurar e se sentir mais à vontade para isso, e mais ainda depois que ampliamos — celebra.
Das lições que ficaram, a empresária avalia que agora está mais preparada financeiramente e que conseguiu planejar um rodízio de profissionais. Além do espaço mais amplo, da escala de funcionários e da higienização diária do espaço, adotou também o uso de toalhas descartáveis como cuidados que irão permanecer.
Cautelosa sobre o futuro, Simone defende a continuidade de algumas restrições, já que vê com preocupação a chegada de uma nova onda da pandemia, como já acontece em outros países.
— Melhor seguir operando com alguns cuidados do que ter que chegar ao ponto de fechar tudo de novo — diz.
Conhecendo a clientela
Quase um ano e meio após abrir as portas, o chef Fernando Gadelha vibra por, enfim, estar “conhecendo os rostos” dos clientes. Isso porque o Verissimo Café Bistrô ficou pronto durante a pandemia e os sócios tiveram de adaptar toda a operação na Avenida 24 de Outubro para um sistema de entrega e pague e leve, que nem estava previsto.
Hoje, o local já recebe público no espaço e se consolida como um café com ares de bistrô.
— O delivery funcionou bem para quem já operava. E a gente não tinha esse parâmetro. Agora no presencial conseguimos construir uma clientela. Mexemos no cardápio, porque as pessoas estão passando por dificuldades — descreve Gadelha.
Para se adequar ao novo momento, os proprietários ampliaram o espaço com uma área externa, instalada em deck junto à calçada. Também reforçaram a carta de drinques e cafés e o próximo passo é operar com jantares. Ao menos por enquanto, os investimentos devem se concentrar no espaço, visão um pouco diferente do plano inicial.
— Chegamos a pensar em três lojas. Mas hoje em dia, mesmo com abertura possível e maior movimento, ainda estamos num cenário econômico bastante delicado. Decidimos não ampliar para outras lojas, mas sim na atual. Queremos investir no treinamento de funcionários, reter talentos e melhorar o que temos hoje — projeta o chef.
Desde que abriu para o atendimento presencial, a operação cresceu em torno de 60%, segundo Gadelha, e dobrou o quadro de funcionários para uma equipe de seis pessoas. Mesmo com as flexibilizações, ainda opera com 65% da capacidade de produção.
— Preferimos manter alguns cuidados, como o distanciamento. Não preciso de uma casa completamente lotada e cheia. O cliente quer qualidade. São cuidados e boas práticas que não dependem de uma pandemia — conclui Gadelha.
Saúde também nos negócios
— Passamos pelo pior momento nesses oito anos de academia — resume Guilherme Diel, proprietário da Fun Academia Personalizada, ao relembrar os períodos de medidas restritivas e fechamento total.
O estabelecimento recém havia trocado de sede e adquirido equipamentos quando eclodiu a crise sanitária. Felizmente, o cenário hoje é outro e os alunos aos poucos estão voltando. São 95 matriculados atualmente, somando todas as atividades ofertadas no espaço. No auge da pandemia chegaram a ser somente 35.
— Um aprendizado que ficou para todos é a importância de valorizar o exercício físico, principalmente depois do longo período em que as pessoas ficaram reclusas em casa. A importância que as pessoas estão dando a isso vem nos ajudando muito a reerguer o negócio — diz Diel.
Nesses quase dois anos, as aulas online abriram a possibilidade de um novo produto, que até então era pouco explorado no ramo das academias. Mesmo com a maior procura no presencial, o atendimento personalizado pela internet segue. A academia ainda não voltou a ter ocupação de 100%, até para preservar o distanciamento e o atendimento com cuidados. As aulas coletivas não foram retomadas, por exemplo.
— Apostamos em um serviço mais personalizado e individual, ligando para cada cliente. Assim conseguimos manter a nossa agenda — conta o proprietário.
Segundo Diel, muitas pessoas ainda têm receio de voltar para as academias, mas ainda assim sua expectativa de retomada é boa. Principalmente por ter sido um período onde ficou comprovado que é preciso dar atenção à saúde e ao exercício.