Em um ano de pandemia, novos hábitos de consumo emergiram entre a população e soluções ligadas a áreas como saúde, tecnologia e alimentação ganharam espaço. Nesse contexto, uma série de empresas encontrou espaço para crescer mesmo durante a crise.
Por outro lado, negócios em áreas consideradas não essenciais, que dependiam da circulação de pessoas para gerar receita, viram o faturamento encolher com força desde março de 2020.
A seguir, conheça histórias de empreendimentos gaúchos que conseguiram se reinventar neste período de turbulência e daqueles que ainda seguem em busca de recuperação.
Crescimento rápido e meta antecipada
Em meio à crise sanitária, produtos e serviços voltados à área da saúde viveram um salto substancial de demanda. É o que aconteceu com a DHMed, empresa instalada no Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc) voltada à venda de equipamentos médicos. Com a criação de novas frentes de atuação no último ano, como o aluguel dos materiais e o conserto de ventiladores pulmonares, viu o faturamento atingir R$ 15 milhões em 2020, alta de 300% frente ao ano anterior.
Em um ano, a lista de clientes pulou de 600 para 4 mil, todos na Região Sul, foco da companhia. Em 2021, a DHMed planejava faturar R$ 50 milhões. No entanto, com a demanda ainda mais aquecida, deve bater a meta ainda no primeiro trimestre. Por conta da pandemia, os ventiladores se tornaram o carro-chefe da empresa. Foram mais de mil equipamentos disponibilizados no mercado, além de monitores que medem os sinais vitais dos pacientes, oxímetros e outros itens focados para UTIs.
- A principal sensação que temos é de que estamos contribuindo no combate à pandemia. Sabemos que cada equipamento vai chegar na ponta final, ajudando médicos e enfermeiros - ressalta Rafael Heck, diretor-executivo.
Com o aumento no número de casos e internações por covid-19, a empresa só está conseguindo entregar novos ventiladores em 60 dias. Paralelamente, a procura pelo conserto dos equipamentos segue em alta. Para dar conta da quantidade de serviço, a DHMed dobrou o quadro de funcionários desde o ano passado, passando de 20 para 40 pessoas.
A empresa também passou desenvolver soluções específicas para atenuar os efeitos da pandemia. A ideia é disponibilizar um equipamento para fornecer oxigênio umedecido e aquecido em alto fluxo aos pacientes com sintomas leves e inicias de covid-19, acompanhado de um oxímetro de pulso. Assim, consegue-se driblar a necessidade do ventilador, caso ele não esteja disponível.
Aposta em novas fontes de receita
Entre os estabelecimentos mais afetados pela pandemia, bares e restaurantes viram o faturamento despencar. Operando somente por telentrega e pague e leve por meses a fio ou com limitações na capacidade de atendimento presencial, antes de vigorar a bandeira preta, as empresas tiveram de se reinventar na crise. Com o Tasco Bistrô, no bairro Santa Cecília, não foi diferente. A aposta foi por ampliar os canais de atendimento e lançar novas linhas de produtos.
Antes da pandemia, o estabelecimento só atendia presencialmente. A partir das primeiras restrições para abertura, começou a utilizar aplicativos e passou a receber pedidos por internet e telefone. Mas a aposta por novos canais de atendimento não seria suficiente para atenuar as perdas. Por isso, a empresa decidiu lançar uma nova marca no segundo semestre de 2020, a Alecrim Dourado Cozinha Prática, focada em pratos mais simples e entregues a domicílio.
Neste mês, uma nova linha de produtos foi adicionada ao portfólio: refeições ultracongeladas. A ideia é lançar nas próximas semanas um site próprio, no qual serão comercializados kits com os pratos prontos.
- Decidimos diversificar. A situação nos fez sair da zona de conforto para criarmos novas possibilidades de faturamento. A receita está cerca de 70% do que era antes da pandemia, mas está se recuperando - destaca Vinícius Schneider, sócio-proprietário do Tasco.
Schneider destaca que as novidades permanecerão mesmo e após a pandemia. As novas frentes de atuação fazem com que a empresa esteja equilibrada financeiramente e já pense até mesmo em reforçar o quadro de funcionários, hoje com nove pessoas. A expectativa é recuperar o nível de receita pré-crise ainda em 2021.
Presente virtual
As restrições para abertura de comércio e serviços não essenciais, vigente em diferentes momentos da pandemia, estimulou a migração de boa parte das compras para a internet. De quebra, mudou também a maneira como as pessoas presenteiam amigos ou familiares. Os cartões-presente, tradicionais nas lojas físicas, agora são cada vez mais virtuais. A Todo Cartões, empresa da Capital que trabalha neste mercado junto a restaurantes, lojas de roupas, cinemas e outros estabelecimentos, viu a demanda por esse tipo de produto disparar 300% nos últimos 12 meses.
O vale virtual, que representava menos de 5% da receita da empresa antes da pandemia, agora já responde por 15% dos negócios e caminha para se tornar o carro-chefe nos próximos anos. A migração é incentivada pelas próprias empresas, que viram no cartão-presente digital uma maneira de garantir a venda mesmo com as incertezas sobre a abertura ou fechamento de suas unidades.
Com o presente digital, o ingresso de cinema ou o almoço que deixaria de ser vendido neste momento de agravamento de crise sanitária pode ser usufruído pelo dono do cartão em até um ano. Já a roupa, que seria comprada no varejo físico, pode ser adquirida no e-commerce da loja. Desta maneira, a Todo Cartões viu a base de clientes subir de 50 para 70 empresas, a maioria no varejo.
- O peso do cartão virtual nas nossas vendas vem subindo rapidamente. Investimos na experiência digital e, com isso, conseguimos buscar boa parte das vendas que foram perdidas pelo fechamento das lojas físicas - destaca João Espíndola, diretor-executivo da Todo Cartões.
Antes da pandemia, os negócios da startup estavam mais concentrados na venda dos cartões físicos para o consumidor final do varejo e também na comercialização dos vales diretamente para empresas, que distribuíam os benefícios para seus funcionários ou como brindes aos clientes.
Em meio à pandemia, a startup gaúcha também acabou sendo adquirida pela americana Incomm Payment, especializada em meios de pagamentos. Mesmo com a aquisição, os fundadores gaúchos seguem à frente da operação no momento.
Saída foi fechar a loja
Cartazes de aluga-se ou vende-se proliferaram nas ruas e avenidas com forte presença do comércio em Porto Alegre. Nos shoppings também se tornou comum ver tapumes escondendo lojas vazias, disponíveis para locação. A situação reflete o fechamento ou o encolhimento de marcas do setor, fortemente afetado pela crise ao longo do último ano, em especial em ramos como vestuário e calçados.
A Confraria Masculina é uma das empresas que, durante a pandemia, optou por entregar o ponto que tinha em um shopping da Capital. Ainda no início da crise sanitária, o proprietário Carlos Frederico Schmaedecke vislumbrou que a situação poderia se alongar além do que a empresa poderia suportar. Em abril, decidiu que fecharia a operação. A medida só foi confirmada três meses depois, após acabar o tempo de estabilidade dos três funcionários da loja que tiveram o contrato suspenso temporariamente.
- Foi uma decisão radical, mas foi o que ajudou a não ficar completamente quebrado - diz Schmaedecke, que mantém a marca hoje somente com vendas por telefone e internet.
O empresário diz que a crise da covid-19 foi a "gota d'água" para o fechamento da única unidade física. Segundo Schmaedecke, a marca já vinha em dificuldades desde a recessão no período 2015/2016 e havia fechado três lojas desde então. Hoje, pela primeira vez em três décadas, a Confraria Masculina está funcionando sem uma loja física. O foco é no atendimento individual. Para isso, está utilizando o local onde fica o estoque para realizar as entregas dos produtos aos clientes.
No novo formato a receita caiu em torno de 90%, mas a despesa também foi reduzida nesse patamar. Sem empregados, Schmaedecke conduz a operação sozinho e, aos poucos, procura aumentar as vendas por canais digitais.
- Não tenho dúvida de que, no momento, essa foi a melhor alternativa. A situação da covid não melhorou em relação ao ano passado e os próximos meses são incertos. Não há nenhuma evidencia concreta de que as coisas vão melhorar - justifica.
Futuro incerto
Em março de 2020, a Fun Academia Personalizada vivia um dos melhores momentos em seus, até então, seis anos de atuação. O estabelecimento recém havia trocado de sede e adquirido equipamentos, em investimento total de R$ 80 mil, o que permitiria ampliar a oferta de aulas e a capacidade de atendimento. No entanto, a pandemia acabou frustrando os planos de expansão.
Um ano depois das primeiras medidas restritivas e atualmente passando por um novo fechamento total, o "futuro é incerto", segundo o proprietário Guilherme Diel. Ainda que o governo do Estado tenha permitido nesta semana a abertura de academias para atendimento individual para reabilitação, a medida pouco beneficia a Fun.
Antes da pandemia, a empresa tinha aproximadamente 130 alunos. Hoje, conta com cerca de 45 matriculados, atendidos somente pela internet. Com o passar do tempo, as aulas online passaram a despertar menos interesse, constata Diel.
- As pessoas já se cansaram de fazer aula online. Quando podíamos ter um aluno por vez, já ajudava um pouco. Agora, estando completamente fechado e dependendo do online, é um momento muito complicado - aponta.
A receita da academia é menos de 40% do que era um ano atrás, antes da pandemia. Isso fez com que a Fun reduzisse o quadro de funcionários de oito para três. A esperança de Diel é de que o estabelecimento possa abrir para, ao menos, atender uma pessoa por vez, o que daria maior fôlego à operação.
- Isso já nos traria um alívio maior. Temos um ano e meio de contrato de aluguel para cumprir e me sinto de mãos atadas. Não posso simplesmente fechar as portas, sendo que terei uma multa contratual inviável de ser paga. Temos que tentar nos segurar de qualquer maneira - salienta.