Celebrado neste 15 de março, o consumidor mudou — e muito — neste último ano. Com as imposições postas pela pandemia, precisou se adaptar às novas formas de compra e venda que, como nunca, contaram com o apoio da tecnologia. Com lojas fechadas logo no início da pandemia e agora novamente, por conta da bandeira preta, comprar pela internet acabou sendo a única alternativa. Telentrega, delivery, pegue e leve e take away são palavras que já faziam parte do nosso vocabulário, mas se popularizaram nos últimos meses.
— Nesse momento de pandemia, o novo consumidor é muito mais digital do que antes. Com a necessidade de ficar em casa e evitando ir nas lojas, as pessoas passaram a fazer compras online em maior número. Gerou necessidade de adaptação, não só por parte do consumidor, mas por parte do fornecedor. Nem as empresas nem os consumidores estavam preparados para esse momento, ainda mais da forma drástica como foi — analisa Lucas Fuhr, diretor-executivo do Procon RS.
É muito provável que uma porção de pessoas fez as suas primeiras compras por aplicativos ou em sites no ano de 2020. Embora seja diferente de uma loja física, o ambiente virtual se mostrou possível para esse tipo de negociação, conforme Patrícia Palermo, economista-chefe da Fecomércio-RS. Mas, apesar do aumento do consumo na internet, esse impulso não é suficiente para compensar o das lojas físicas
— Quando a gente está no ambiente de uma loja, é influenciado por uma série de questões: o comportamento das pessoas ao nosso redor, as sensações que aquele produto ao vivo nos provoca, todo o conjunto dos cenários que são montados ao redor daquele produto que nos levam a consumir. O que vai ficar para sempre? Que existe a possibilidade de comprar mesmo com o ambiente de loja fechada, que muitas pessoas não tinham no seu horizonte, porque simplesmente não tinham experiência de compra na internet. Cada vez mais a gente vai ver que existe espaço para uma venda multicanal — entende.
Além do consumidor ter migrado para o digital, mesmo sem querer, uma outra característica surgiu com a pandemia: a cautela. Diante de um cenário de incertezas, as pessoas precisam eleger prioridades. O consumo passou a ser mais planejado, com redução da compra por impulso – algo muito importante para quem vende.
— O que acontece para as empresas? Ficou mais difícil vender. Vender vai ter que ter muito mais esforço do que se tinha antes, porque em muitos casos os produtos eram simplesmente comprados. Não existia um esforço de venda. Tinha um consumidor que tinha vontade de adquirir aquele produto, o produto estava ali exposto e ele comprava. Agora não. E principalmente nesse ambiente de loja fechada você tem que ter muito mais força de venda do que tinha antes, porque você não tem uma coisa que é o cenário de vendas, a disposição do produto para provocar sensações nos indivíduos. Existe um esforço maior e muitas empresas, infelizmente, não estão preparadas para isso — acrescenta Patrícia.
O receio em relação ao futuro, especialmente relacionado ao emprego, é reforçado pelo economista e professor da FSG Eduardo Trapp Santarossa. Tanto que as pessoas passaram a poupar mais: a taxa de poupança da economia brasileira ficou em 15% em 2020, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É a taxa anual mais forte desde 2016 (16,1%).
— As pessoas estão guardando mais dinheiro e é um fenômeno que não aconteceu só no Brasil. O consumidor está com medo, está pesquisando mais os preços. É um consumo bastante receoso — constata Santarossa.
Dificuldade para os pequenos; vantagem para os grandes
Ir para o digital não é tão simples. Vender pela internet envolve planejamento e estratégia e isso não é fácil para as pequenas empresas que têm poucos recursos humanos e financeiros. Conforme a economista Patrícia Palermo, para se ter um canal eficiente de vendas na internet, é preciso ter uma relação bem estabelecida com o cliente:
– É um desafio para essas empresas, principalmente para aquelas que não aproveitaram esse último ano para criar os vínculos com seus consumidores, para criar uma marca e desenvolver um negócio que tenha capacidade de ter uma mínima vazão pela internet.
Já as grandes marcas têm uma vantagem. Além de dinheiro para chegar aos consumidores, são reconhecidas por eles.
– Essas empresas guardam uma coisa importante que cerca de dúvidas a internet: a credibilidade. Quando as pessoas querem comprar, procuram essas empresas – completa Patrícia.
"A compra era automática, agora é pensada"
Rahyssa Chagas Hahn, 26 anos, não tem dúvidas de que a pandemia a transformou em uma consumidora mais consciente. Bióloga de formação, já procurava antes consumir produtos que não causassem tantos impactos ao meio ambiente.
Com o coronavírus, essa preocupação aumentou. Passou a comprar produtos com menos embalagens, menos plástico. Passou a repensar se determinada aquisição é, de fato, essencial.
— Antes, a gente ia todos os dias no mercado. Hoje, a gente repensa e procura ir a fruteiras, mercados pequenos. Também compra muito pela internet. Antes, a gente comprava coisas que não era necessário, muita coisa ia fora. Hoje esse gasto é mais consciente — diz a jovem que, com as mudanças, acabou tendo um impacto positivo no orçamento.
As incertezas em relação ao futuro e o medo de ficar doente também foram determinantes no comportamento de Rahyssa e do marido Bruno Simon na hora de consumir.
— Tem a preocupação com o meu emprego. E se tenho mesmo que sair de casa. Tem a insegurança de como vai ser o amanhã e o medo de sair e se contaminar. Não tenho segurança em ir a uma loja grande, por exemplo, e passar a mão nas roupas. A compra antes era automática, agora é pensada — conta.
A consumidora Rahyssa passou a priorizar neste período de pandemia os produtores locais, os pequenos empreendimentos.
— Antes, nos momentos de festividade, como aniversários, era comum eu comprar um presente em grandes redes. Hoje repenso, procuro produtos locais, de quem está começando. Uso muito o Instagram para procurar marcas daqui. É uma forma de ajudar.
Além de valorizar a produção local, Rahyssa também busca empresas comprometidas com o combate ao vírus e já deixou de consumir em estabelecimentos que pareciam não garantir a segurança dos clientes.
— A gente usa muito telentrega. Mas às vezes passava por alguns lugares e pensava em pegar algo para comer e, por mais que dissessem que estavam respeitando as regras, a gente via uma multidão. Parece que não ia com nossos princípios — finaliza a consumidora.
Atenção para golpes e a importância de se comunicar pelo chat do site
Com o aumento da demanda na internet, cresceu também o número de reclamações dos consumidores nas compras online: 26% conforme o diretor-executivo do Procon RS, Lucas Fuhr. A maioria das reclamações é de demora no recebimento do produto, entrega de produto errado e não recebimento da mercadoria.
A maior procura por compras na internet também acende o alerta para golpes. Por isso, é importante, segundo Fuhr, sempre comprar de sites confiáveis. Ele orienta que o cliente se comunique somente pelos canais oficiais do site e evite conversas pelo WhatsApp pessoal do fornecedor.
— Muitas vezes é um fornecedor simples, que não tem empresa constituída, e as pessoas caem no golpe de depositar dinheiro em conta de pessoa física, o que é um erro, o consumidor não deve fazer isso. Deve se comunicar com o fornecedor pelo chat do site, e aí me refiro a Mercado Livre, Mercado Pago, esses sites que aproximam fornecedores e consumidores, porque a partir do momento que ele tiver qualquer tipo de frustração e fizer uma reclamação pelo site, as empresas são solidárias na responsabilização. Se o consumidor negociar direto no Whats App do fornecedor, o site deixa de ter responsabilidade — explica Fuhr.
O diretor-executivo do Procon RS acrescenta ainda, como direito do consumidor:
— A desconfiança nas relações de consumo vem bem, sobretudo no digital. Destaco o direito ao arrependimento, que agora se torna mais importante do que nunca, previsto no Código de Defesa do Consumidor, que tem prazo de sete dias para que qualquer compra online possa ser desfeita.
Aposta em e-commerce para venda direta ao público
Reconhecida pela venda consignada, a Ballardin Malhas precisou pensar rápido em uma forma de não deixar de faturar quando viu as lojas fecharem as portas por conta das restrições impostas pela disseminação do coronavírus. Assim que os primeiros decretos foram publicados pelos governos, há um ano, a empresa começou a trabalhar de forma intensa na criação de uma loja virtual. Logo, a página estava no ar. Era a primeira vez que a empresa vendia pela internet para o público final.
— A gente sempre atendeu revendedores. Nosso contato direto com o cliente era apenas em feiras e eventos, como Festa da Uva. Com a pandemia e lojas fechadas, tivemos de procurar uma alternativa. Não dava para dizer para os clientes "procura o revendedor". Então, criamos o site — conta a diretora de marketing da Ballardin, Adriele Daniel, terceira geração da família que criou a marca.
Sem experiência com e-commerce, a empresa procurou referências e pessoas que pudessem ajudar. A iniciativa deu tão certo que a Ballardin fechou 2020 com crescimento de 65% nas vendas frente ao ano anterior. Desde agosto, com a implantação da ferramenta, a receita da empresa ganhou fôlego extra, representando cerca de 10% das vendas da marca via plataforma.
A marca chegou a Estados antes não tão explorados, como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Adriele conta que foi grande o volume de vendas para esses locais onde antes a Ballardin não investia com força por serem lugares de clima mais quente. Agora, a intenção é ampliar a presença com revendedores, assim que a pandemia permitir.
A peça mais vendida em 2020 pela internet, um pala pink com gola preta, demonstrou que a Ballardin alcançou um novo público.
— Abriu novos horizontes. Notamos uma demanda por peças coloridas e isso mudou a nossa forma de pensar a coleção de inverno, antes com cores mais sóbrias — acrescenta Adriele.
A empresa tem matriz em Caxias do Sul e loja em Farroupilha exclusivas para venda consignada. São 40 colaboradores e 1,4 mil revendedores parceiros nos três Estados da região Sul, atendendo 400 cidades. Além do crescimento nas vendas, a Ballardin teve alta de 75% no número de cadastros ativos de revendedores no ano passado.
Pesquisa
Como deve ser o comportamento de consumo dos brasileiros neste 15 de março, Dia do Consumidor – apelidado de Black Friday do 1º semestre. O levantamento foi feito pela All iN & Social Miner (empresa que une dados de consumo, tecnologia e humanização para ajudar sites a otimizarem seus resultados) em parceria com a Opinion Box, e ouviu 1.050 brasileiros:
32% pretendem aproveitar as ofertas do Dia do Consumidor.
44% ainda estão indecisos.
24% não devem engajar com o evento.
O que vai levar o consumidor às compras:
Comprar itens de necessidade, com melhor preço: 61%
Comprar itens de desejo, com melhor preço: 53%
Substituir itens antigos por uma versão mais moderna: 23%
Para presentear alguém de imediato ou em datas: 11%
Estocar produtos que usa com recorrência: 11%
Outra: 1%
O que deixa o consumidor mais confortável?
Comprar pelo site: 56%
Receber as compras em casa: 53%
Compras em lojas físicas: 41%
Comprar pelo aplicativo: 39%
Retirar compras na loja: 31%
Comprar pelo WhatsApp: 10%
Comprar pelo Instagram: 8%
Comprar pelo Facebook: 6%
Pontos que fariam o consumidor desistir da compra
Taxas de frete ruins: 55%
Não confiar na loja: 43%
Nota baixa em sites de reputação: 39%
Prazos de entrega ruins: 36%
Falta de opção de produtos: 36%
Não confiar que o desconto é real: 34%
Falta de opção de pagamento: 28%
Falta de suporte/atendimento: 27%
Política de troca e devolução ruim: 25%
Não ter opção de retirada na loja: 13%
Não ter opção de delivery: 12%
Nada o fará desistir de uma boa oferta: 5%
Fonte: All iN & Social Miner e Opinion Box
FADIGA
Os consumidores estão com fadiga da pandemia, revela estudo Visa Covid-19 Consumer Sentiment. Para 83% dos participantes, o principal destino de compras é o supermercado. As lojas de departamento vêm em segundo lugar. O consumo também subiu: 66% dizem ter gasto o mesmo ou mais nos últimos 3 meses.
PERFIL
Ainda segundo o estudo Visa Covid-19 Consumer Sentiment, os consumidores estão aprendendo a operar em um ambiente mais dinâmico e fragmentado. Estão buscando formas mais seguras de comprar e pagar, como o pagamento por aproximação.
"As pessoas estão mais seletivas. Agora, é uma compra diferente"
Embora o digital tenha se colocado como única alternativa para venda, na maioria dos casos — e o próprio Sindilojas Caxias tenha criado uma plataforma para reunir os produtos do comércio caxiense, a SindiStore —, a presidente da entidade, Idalice Manchini, acredita que não substitui o contato físico. Especialmente quando se trata da compra de vestuário e calçados, já que as pessoas preferem provar antes de comprar.
— Quando passar a pandemia, o cliente vai ter tanta vontade de sair que vamos voltar a ter fluxo. As pessoas estão com saudades de ver as vitrines, entrar nas lojas. Mas vai demorar, é um pós-guerra — acrescenta.
Apesar de crer na volta do comportamento de compra anterior ao coronavírus, um costume adquirido neste último ano tende a permanecer:
— As pessoas estão comprando menos, mas estão mais seletivas. Querem uma roupa com qualidade, com valor agregado, com respeito ao cliente. Agora é uma compra diferente.
Nesses dias ainda de bandeira preta — a classificação segue até dia 22 —, os lojistas precisaram seguir recorrendo à tecnologia. WhatsApp, Instagram, Facebook e telefone continuam sendo os maiores aliados enquanto o comércio considerado não essencial permanece de portas fechadas.
— Peço que lojistas não fechem totalmente nesse período, que trabalhem internamente, preparando a loja para a volta — apela Idalice.
Loja planeja criar um canal no YouTube com vídeos que mostrem características de produtos
Vender pela internet não era exatamente uma novidade para a Eletro52, loja de eletroeletrônicos de Caxias do Sul. O estabelecimento já trabalhava com Facebook, Instagram e WhatsApp, mas com a pandemia a direção se viu obrigada a lançar o e-commerce.
Há oito meses no ar, o site se tornou uma importante ferramenta para garantir a operação, principalmente nesse período de bandeira preta, quando pode funcionar somente com telentrega.
— Deu um fluxo. Tem bastante vendas, mas a reação não foi tão grande a ponto de anular o balcão — diz Cassiano Pedot, funcionário da Eletro52, reforçando uma característica de que a venda física segue importante.
Mesmo assim, acrescenta ele, os acessos ao site da loja de eletrônicos cresceram 150% nos últimos dias, com a ampliação das restrições ao comércio não essencial.
Antes da pandemia, a Eletro52 tinha apenas uma página na internet para solicitação de orçamentos. Agora, com muitos clientes ainda com receio em comprar um produto sem ver e tocar, a loja planeja criar um canal no YouTube com vídeos que mostrem as características do item.
As novas plataformas são necessárias, segundo Pedot, mas exigem dedicação e mão de obra. No caso da loja virtual, precisa de uma pessoa para organizar o estoque e vender assim como no espaço físico:
— O e-commerce é como se fosse outra loja.
CERCA DE 10% DO COMÉRCIO DO PAÍS
Conforme o economista professor da FSG Eduardo Trapp Santarossa, as vendas online correspondem a cerca de 10% do comércio no país. A tendência digital, que já era forte, acelerou durante a pandemia e deve continuar.
— Quem já estava preparado teve resultados mais positivos – destaca Santarossa.