Um dia após o término do prazo estabelecido para as prefeituras assinarem aditivos contratuais com a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) com direito a alguns benefícios, a direção da empresa divulgou nesta sexta-feira (17) uma lista com 74 cidades que concordaram com os ajustes no acordo e reafirmaram a parceria.
Os municípios listados representam 24% das prefeituras que poderiam optar pela assinatura, mas, por reunirem representantes de maior porte, somam cerca de 52% do faturamento da Corsan. Esses números são importantes para definir o valor da empresa no processo de privatização que se encontra em andamento — quanto maior e mais valioso o portfólio de clientes e mais longos os contratos, mais atrativas ficam as ações para os investidores privados.
As localidades que preferiram não aderir aos aditivos, vistos com desconfiança por parte dos prefeitos gaúchos, ainda têm até 31 de março do ano que vem para assinar os acordos (sem as vantagens oferecidas até agora). Caso contrário, cada município futuramente deverá elaborar um modelo próprio para a área de saneamento.
As assinaturas de aditivos servem para adequar os contratos vigentes com a Corsan às regras do novo marco legal do saneamento básico, aprovado no ano passado, que prevê a universalização dos serviços até 2033. Além disso, são uma etapa intermediária do processo de privatização da companhia a ser realizada por meio da oferta de ações — permitem que os atuais acordos sejam convertidos em concessões após a privatização e fornecem uma sinalização sobre o valor de mercado da companhia.
Os municípios que entraram em acordo até quinta-feira (16), os quais reúnem cerca de 3,5 milhões de habitantes, receberão uma parte das ações, e outra parte será oferecida a investidores por meio de uma oferta inicial pública (IPO, conforme a sigla em inglês). A Corsan já encaminhou um pedido para promover essa oferta pública à Comissão de Valores Imobiliários (CVM) na semana passada, e espera que esse próximo passo seja dado ainda no começo do ano que vem.
O presidente da companhia, Roberto Barbuti, considerou positivo o grau de adesão das prefeituras — que incluiu nove dos 10 maiores clientes da empresa, como Canoas, Santa Maria, Gravataí e Passo Fundo (veja lista completa abaixo).
— Tínhamos, de saída, um prazo médio de contratos, ponderados pelo faturamento, da ordem de 26 anos. Estamos finalizando essas contas, mas já estamos certamente acima dos 30 anos. Os números falam por si. Conseguimos um alongamento de prazo substancial em razão da quantidade de municípios que aderiram — afirmou Barbuti.
O advogado Luiz Gustavo Kaercher Loureiro, sócio do escritório Souto Correa e autor de um parecer sobre a privatização da Corsan solicitado pela Fiergs, acredita que o balanço apresentado nesta sexta foi positivo para o andamento da privatização.
— Do ponto de vista jurídico, a companhia cumpriu o rito para aditivar os contratos de programa (como são chamados os contratos firmados até então) e, em caso de privatização, transformá-los em concessões. Quem vai comprar, agora sabe qual o portfólio dos contratos, e isso aumenta a segurança do investidor. Como nove dos 10 principais municípios atendidos assinaram, creio que é uma sinalização importante para quem for avaliar a companhia — diz Loureiro, lembrando que outras prefeituras ainda podem aderir até o final de março.
Embora o presidente da Corsan tenha dito que as cidades avessas ao ajuste nos contratos seguirão sendo atendidas normalmente, Loureiro acredita que pode haver questionamentos à validade legal dos acordos não atualizados.
— Na minha opinião, se um município não aderiu, o contrato ficará irregular. É muito pouco provável que vá ocorrer qualquer interrupção no serviço, mas o próximo controlador da Corsan pode começar a buscar uma saída daquele município — diz o advogado.
Loureiro ressalta que os prefeitos têm o direito de buscar outras soluções, mas precisam indicar como pretendem universalizar o atendimento dos serviços de água e de esgoto até 2033. Isso pode ocorrer por prestação direta (por meio de uma autarquia), associação com outras prefeituras ou licitação própria, por exemplo. Em municípios menores, porém, a falta de conhecimento especializado ou de atratividade para investidores privados pode representar um desafio.
Assembleia deve votar regionalização na próxima semana
O deputado estadual e presidente da Assembleia, Gabriel Souza (MDB), que vem acompanhando o processo de mudanças na Corsan, acredita que o volume de adesões já é suficiente para manter em pé os projetos de privatização e regionalização da companhia:
— O importante é que os municípios que assinaram representam uma parte significativa do faturamento da companhia, perto da metade. Tivemos municípios como Canoas, Santa Maria, Gravataí, Cachoeirinha assinando. Quando se tem quase metade do faturamento já garantido, se tem uma segurança para despertar o interesse da iniciativa privada.
O deputado acrescenta que, na próxima terça-feira, deverá ser votado na Assembleia o projeto que estabelece a regionalização da empresa — outra parte do processo de mudanças na companhia gaúcha. Souza acredita que o texto está "bem pacificado" e poderá sofrer apenas pequenos ajustes.
Mas a estratégia escolhida pelo Palácio Piratini também desperta desconfiança e críticas. A divisão entre os municípios em relação a aceitar ou não os novos contratos se refletiu em uma postura equidistante da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), que optou por não referendar nenhuma postura.
— Em relação à assinatura dos aditivos com a Corsan, a Famurs realizou um trabalho, desde que assumimos, em julho, pelo qual buscamos fazer com que os municípios se apropriassem mais da matéria e da discussão, e deixamos, a partir daí, a autonomia de cada município dentro da sua realidade e das suas condições locais de fazer a escolha do que é melhor para as suas comunidades — afirma o presidente da Famurs e prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua) é contrário à proposta de privatização. O presidente do sindicato, Arilson Wünsch, sustenta que, a partir de 2028, qualquer obra de saneamento poderá ser cobrada a partir de uma tarifa variável.