O dólar em nível elevado atinge a economia gaúcha de maneiras distintas durante a pandemia de coronavírus. Por um lado, a moeda americana acima de R$ 5 estimula as exportações de itens básicos, como alimentos, cuja demanda segue em alta apesar da crise. Para setores industriais que dependem da importação de insumos, há motivos para preocupação.
Isso ocorre porque matérias-primas compradas no Exterior ficam mais caras com a pressão cambial. Ao mesmo tempo, a covid-19 continua restringindo as vendas das fábricas.
Em 2020, o dólar acumula alta de 32,6%. Nesta quinta-feira (10), a moeda americana subiu 0,38%, cotada a R$ 5,32. Ao final de 2019, estava em R$ 4,0129. Durante a pandemia, chegou a raspar na barreira dos R$ 6 — o recorde nominal ocorreu em maio (R$ 5,9012).
— Alimentos são itens essenciais. O agronegócio encontra formas de escoar a produção, seja no mercado externo ou no interno. No país, o auxílio emergencial repassado pelo governo tem sido usado por parte da população para compra de alimentos. Enquanto isso, a indústria não consegue exportar tanto, e o dólar encarece os custos de produção — explica o professor da área de economia internacional Argemiro Brum, da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijuí).
De janeiro a julho, as exportações industriais gaúchas alcançaram a marca de US$ 5,7 bilhões. A quantia representa queda de 21,5% em relação a igual período de 2019, aponta a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs). Com as vendas no vermelho, as importações de insumos também recuaram. A baixa foi de 27,6% no intervalo, para US$ 4 bilhões.
Dependentes da compra de matérias-primas no Exterior, fábricas de ramos como eletroeletrônico, químico e de fertilizantes estão entre as mais impactadas pelo dólar em nível elevado durante a pandemia, relata Aderbal Fernandes Lima, coordenador do Conselho de Comércio Exterior da Fiergs.
— Os insumos desses setores tiveram custos encarecidos enormemente. Em relação às exportações, a indústria que não perdeu mercado na crise é aquela de base, de alimentos, de proteína animal — explica Lima.
Professor da Unisinos, o economista Marcos Lélis entende que, neste momento, diante da queda na demanda, as fábricas têm dificuldade para repassar o aumento nos custos de produção. É o caso de itens como calçados, cita o professor. A situação difere do quadro registrado pelos alimentos.
Com a combinação entre dólar em alta e procura incentivada pelo auxílio emergencial, o preço desses itens já está mais salgado nas gôndolas dos supermercados. Na região metropolitana de Porto Alegre, alimentos e bebidas acumulam alta de 4,88% entre janeiro e agosto, sinaliza o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
— Ficou mais caro importar, e a demanda caiu na maior parte da indústria. Então, é muito difícil repassar agora, para o consumidor, o aumento nos custos. Esse repasse deve ser feito quando houver retomada na demanda — diz Lélis.
No cenário externo, a venda de parte dos produtos da agropecuária gaúcha teve elevação no ano, apesar da recente estiagem que castigou as lavouras. Com o impulso do dólar e do apetite chinês, as exportações de soja subiram 16,9%, em valor negociado (US$ 2 bilhões), no primeiro semestre. Os embarques de carnes avançaram 42,6%, para US$ 948,2 milhões, informa boletim do Departamento de Economia e Estatística (DEE), vinculado ao governo estadual.
— O Rio Grande do Sul tem vocação exportadora no agronegócio. A questão cambial contribuiu para aumentar a competitividade de produtos gaúchos no mercado internacional. No caso da soja, embora a safra tenha sido frustrada pela estiagem, a velocidade dos embarques foi muito maior — frisa Rodrigo Feix, pesquisador do DEE.
Em alta
O dólar acumula elevação de 32,6% em 2020. Entenda os motivos por trás do avanço, além dos impactos para empresas e consumidores.
Incertezas
A crise do coronavírus aumentou as dúvidas em relação ao futuro da economia. Em momentos assim, é natural que investidores depositem recursos em mercados com menos riscos do que o brasileiro. Dessa forma, há menos dólares no país, e a cotação passa a subir.
Juro menor
Em razão da crise, o Banco Central (BC) deu andamento ao ciclo de cortes na taxa básica de juro. Atualmente, a Selic está em 2% ao ano. A taxa na mínima histórica também favorece a saída de capital estrangeiro. Isso ocorre porque a diferença entre o juro ganho no Brasil e o de outras regiões fica menor. Correr mais riscos no país, com retorno inferior ao de outras épocas, acaba afastando parte dos investidores.
Tensão política
Ao longo do ano, o governo federal e o Congresso voltaram a colecionar casos de turbulência. Saída de ministros e dificuldades relacionadas à agenda de reformas atingiram o humor do mercado financeiro em mais de uma ocasião. Resultado: o dólar avançou na comparação com o real.
Efeitos na economia
A moeda americana em nível alto pressiona preços de itens que dependem de insumos importados para produção, como combustíveis e eletroeletrônicos. Nas prateleiras dos supermercados, o avanço já é sentido nos valores cobrados por alimentos. Ao mesmo tempo, o dólar alto estimula exportações. Segmentos como o agronegócio têm sido beneficiados. O problema para parte da indústria é que a demanda por itens de maior valor agregado segue em baixa por conta da crise.