Em meio à pandemia do coronavírus, a alimentação está pesando cada vez mais no orçamento das famílias. Na região metropolitana de Porto Alegre, alimentos e bebidas acumulam alta de 4,88% entre janeiro e agosto de 2020, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos nove grupos de produtos e serviços que compõem a inflação oficial do país, esse é o que apresenta a maior variação e tem elevação acima da média, já que o IPCA subiu 0,21% no ano.
Na grande Porto Alegre, o produto com maior elevação no ano é a cebola, com inflação acumulada de 87,77%. Também figuram entre as maiores altas até agosto os itens da cesta básica, com oscilação acima de dois dígitos. São os casos de óleo de soja (26,98%), feijão (26,3%), leite (23,07%), batata (21,45%) e arroz (11,72%).
A situação verificada na capital gaúcha e seu entorno acompanha uma tendência nacional. No ano, o IPCA acumula avanço de 0,7% no Brasil, enquanto alimentos e bebidas registram elevação de 4,91%. Economista e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Gustavo Inácio de Moraes ressalta que a demanda por alimentos cresceu durante a pandemia, configurando-se em uma das razões para a alta generalizada dos preços dos produtos alimentícios.
- Alimentos e bebidas costumam responder por um quarto do orçamento das famílias. E, desde o início da pandemia, as pessoas passaram a gastar menos com lazer e transportes, por exemplo, para priorizar itens básicos. Isso explica essa pressão na inflação e essa percepção do aumento dos preços - avalia.
Neste sentido, Moraes lembra que, após a adoção de medidas de restrição para a circulação de pessoas no intuito de conter o avanço da covid-19, muitas pessoas passaram a cozinhar em casa. O auxílio emergencial de R$ 600 também contribuiu para manter parte do poder de consumo da população. Até setembro, o governo desembolsou R$ 192 bilhões para pagar o benefício a 67 milhões de pessoas. Boa parte desses recursos acaba tendo como finalidade a compra de comida.
O impacto do câmbio
O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, ressalta o câmbio é outro elemento a influenciar o comportamento recente dos preços dos alimentos. O ano começou com dólar na faixa dos R$ 4 e hoje a cotação está ao redor de R$ 5,30. Isso desestimula a importação, torna a exportação ainda mais atrativa e segura a valorização da cotação de grãos, como soja e arroz, em reais. As vendas internacionais do agronegócio brasileiro vêm batendo recordes, puxadas principalmente pelos embarques da oleaginosa e de carnes para a China.
- Houve um aumento de demanda desses produtos em nível mundial e o Brasil foi chamado a atendê-la - diz Luz.
Além disso, Luz reforça que problemas estruturais, verificados há algumas safras, agora contribuem para a pressão nos preços dos alimentos. Nos últimos anos, os custos de produção e a baixa remuneração levaram produtores a desistir de atividades como o plantio de arroz e a produção de leite.
A área plantada de arroz no Rio Grande do Sul na safra 2020, que responde por 70% da produção nacional, foi a menor nas últimas duas décadas. Na pecuária de leite, o Estado perdeu mais de 30 mil produtores desde 2015. Sendo assim, com menor disponibilidade de produtos no mercado e a demanda aquecida, os preços acabam subindo nas gôndolas dos supermercados.
Pressão inflacionária deve continuar
Em agosto, alimentos e combustíveis puxaram o aumento da inflação no país. O IPCA teve aumento de 0,24%, o maior índice para o mês desde 2016. O grupo de alimentos e bebidas teve avanço de 0,78%, segundo o IBGE. E a tendência é que os produtos básicos sigam com pressão inflacionária. O economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, projeta que os preços devem começar a se normalizar a partir da virada do ano, com a perspectiva de entrada da safra de verão.