O dólar acima da marca de R$ 5 virou realidade em meio à pandemia de coronavírus no país. Com incertezas na economia, tensão política e juro básico na mínima histórica, a cotação da moeda americana acumula alta de 32,5% no ano. Assim, pressiona preços de itens que dependem de insumos importados para produção, como combustíveis, alimentos e eletroeletrônicos.
Isso, contudo, não quer dizer que os valores terão disparada de um dia para outro. Em razão da crise provocada pela covid-19, a demanda por produtos diversos demonstra fraqueza. Ou seja, o mercado em dificuldades tende a diminuir a velocidade dos repasses para preços de itens como gasolina e pães. Ambos são fabricados a partir de commodities (petróleo e trigo) que acompanham a variação do dólar.
Na sexta-feira, após sete altas seguidas, a cotação da moeda americana recuou para R$ 5,3182. Em 13 de maio, chegou a alcançar R$ 5,9012, recorde nominal no fechamento de uma sessão. No fim de 2019, estava em R$ 4,0129.
— O dólar alto resulta em aumento de custos para quem importa mercadorias. Em algum momento, deve gerar impacto para o consumidor, mas, agora, a economia segue fraca. Então, muitas empresas seguram parte dos repasses, com margem de lucro menor neste período — explica o economista-chefe da gestora de recursos Geral Asset, Denilson Alencastro.
Para segmentos exportadores, a moeda americana em elevação tende a trazer benefícios. Mas o coronavírus chacoalhou o comércio internacional, restringindo a circulação de parte das mercadorias. Em maio, as exportações da indústria gaúcha caíram 26,7%, para US$ 775,7 milhões. Foi o pior resultado para o mês em 15 anos, aponta a Federação das Indústrias do Estado (Fiergs).
— Estamos vivendo momento de contração no mercado. Quase todos os setores apresentam queda nas exportações. A ociosidade não é só aqui. O mundo inteiro está passando por recuo na demanda — pontua o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes.
No agronegócio gaúcho, ainda não há dados atualizados sobre as exportações até o último mês. Com grande inserção no mercado internacional, o setor é impactado por forte estiagem.
— Agora, o dólar em alta é positivo, porque estamos vendendo mais do que comprando do Exterior. Daqui a uns meses, será ruim. A importação de mercadorias ganha intensidade em agosto e setembro para preparar a safra de verão — diz Antônio da Luz, economista-chefe do Sistema da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).
Ao longo do primeiro semestre, a disparada do dólar ganhou fôlego com novos cortes na taxa básica de juro. Na última quarta-feira (17), o Banco Central reduziu a Selic de 3% ao ano para 2,25%, renovando a mínima histórica. Isso tende a estimular a saída de capital estrangeiro, já que a taxa serve como referência para aplicações de renda fixa no país.
Ou seja, quanto menor o juro, mais baixo é o ganho com esses investimentos. Assim, o Brasil fica menos atrativo aos olhos de quem deseja grande retorno sobre o dinheiro aplicado. Ao ir embora, o investidor estrangeiro reduz a quantidade de dólares no país. Com menos moeda disponível, a cotação passa a subir.
Em meio ao período de queda no juro, a crise do coronavírus aumentou incertezas na economia. A situação leva investidores a depositar recursos em mercados com menos riscos do que o brasileiro. Por fim, a tensão política envolvendo o governo Jair Bolsonaro representou ingrediente adicional na receita de disparada do dólar.
Na quinta-feira (18), a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), elevou a temperatura.
— Além do corte no juro e da aversão ao risco com o coronavírus, temos a questão política. Vimos, por exemplo, ministros saírem do governo recentemente — frisa o economista Gustavo Bertotti, da Messem Investimentos.
Repasses devem ser diluídos durante o ano
A disparada do dólar tende a provocar reflexos nos preços de produtos fabricados a partir de insumos importados. A elevação para o consumidor, porém, não deve ser tão robusta em uma única vez, ponderam analistas. Com a crise provocada pelo coronavírus, parte das empresas é forçada a diminuir a margem de lucro para conseguir vender. Ou seja, a tendência é de que os repasses sejam diluídos ao longo do tempo.
Um dos itens mais sensíveis à variação cambial, a gasolina ensaia retomada gradual no preço desde o final de maio no Estado — passou a subir com o processo de reabertura da economia mundial. Na pandemia, o valor do litro, em média, chegou a ficar abaixo de R$ 3,80, menor patamar desde 2017, conforme a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na semana passada, subiu para R$ 3,957, na quarta alta seguida. Mesmo assim, acumula baixa de 16,9%, em 2020.
— Com a subida do petróleo, deve haver ajuste nos preços dos combustíveis, mas sem grandes solavancos neste momento — frisa o sócio-fundador da consultoria MaxiQuim, João Luiz Zuñeda.
No setor de panificação, a alta do dólar desperta preocupação entre empresários. Além da produção própria, o Rio Grande do Sul tem de importar parte do trigo para atender a demanda por pães, massas e biscoitos. Durante a pandemia, fabricantes estão buscando “segurar repasses” do aumento no preço do cereal, afirma Carla Carnevali Gomes, presidente do Sindipan-RS, que representa indústrias do ramo. Mas, diante da situação, reajustes ao consumidor são inevitáveis, aponta Carla.
No Estado, o preço do trigo acumula alta de 44,5% no ano, até o último dia 19. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor do pão francês na Grande Porto Alegre subiu em janeiro e fevereiro e recuou em março e abril. Em maio, a variação foi nula. No acumulado do ano, a alta é de 0,71%.
Enquanto isso, a farinha de trigo teve elevação mais robusta. De janeiro a maio, a inflação do produto chegou a 15,96%, conforme o IBGE. A alta, em parte, está ligada ao aumento da procura. Com mais pessoas em casa, as vendas de farinha chegaram a duplicar no Estado no período de isolamento social, diz a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas).