A crise política acentuada pela demissão do ministro Sergio Moro, confirmada nesta sexta-feira (24), representa choque adicional para a economia brasileira em um momento que já era repleto de tensão. Devido ao aumento da turbulência em Brasília, a atividade deve sofrer ainda mais para conseguir deixar no retrovisor os estragos do coronavírus. Em resumo, a retomada econômica, que já era custosa, ficou ainda mais complicada, dizem analistas.
— Quando você está em um buraco, é difícil sair dele. Com a perna quebrada, é ainda mais complicado — compara Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.
Ao anunciar a saída do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Moro indicou que o presidente Jair Bolsonaro desejava interferir no trabalho de investigação da Polícia Federal (PF). A resposta imediata às declarações veio no mercado financeiro.
Nesta sexta-feira, o dólar chegou a romper a barreira dos R$ 5,70. Depois, perdeu fôlego, mas, mesmo assim, renovou a máxima histórica de fechamento em termos nominais. Ao final da sessão, a moeda americana subiu 2,54%, cotada a R$ 5,668. A bolsa de valores de São Paulo, a B3, despencou 5,45%, a 75.330 pontos.
— O mercado reage com mais turbulência, vê mais incertezas no futuro e na natureza das políticas econômicas que serão implementadas. Muitas pessoas, eu, inclusive, acreditam que o governo acabou. Em que sentido? O governo atuará para não ser escorraçado do poder até 2022 por suposto crime de responsabilidade — afirma Cláudio Frischtak, sócio-gestor da Inter.B Consultoria. — Temos agora uma camada a mais em um bolo que já era indigesto. Não é apenas uma cereja — acrescenta o economista.
Consultor de investidores internacionais, Frischtak teme que, diante da crise, o Planalto adote medidas de teor "populista". Ele também demonstra preocupação com o fato de que, ao final da pandemia, o rombo nas contas públicas terá crescido no país.
— Com o coronavírus, houve necessidade de transferência massiva de recursos para a atender a necessidades da população. Assim, vamos iniciar o próximo ano com fragilidade muito maior nas contas — aponta.
Para Agostini, a apreensão com o futuro da economia vem aumentando em razão de uma série de episódios durante a pandemia. Além da saída de Moro, os conflitos de Bolsonaro com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e a participação do presidente em atos contra o Congresso Nacional também azedaram o humor de investidores, sublinha o economista.
— Os conflitos em que Bolsonaro se envolveu mostram uma intervenção política por parte dele. O problema mora aí. O discurso do governo era de defesa do liberalismo. Mas, nas últimas semanas, houve casos de intervenção — diz Agostini.
Na visão do economista, os conflitos tendem a dificultar o andamento de privatizações almejadas pelo governo no pós-pandemia. Nesta semana, o Ministério da Economia mencionou que, devido ao coronavírus, as vendas de estatais devem ficar para 2021. Segundo o governo, não há "clima" para os processos avançarem logo após o surto de covid-19.
— Os efeitos imediatos da crise política atingem principalmente o mercado financeiro. Olhando para frente, podem atrapalhar privatizações. A incerteza aumentou absurdamente — observa o economista Marcel Balassiano, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Futuro de Guedes em xeque
Durante a semana, o mercado financeiro também sinalizou inquietação com o futuro do ministro da Economia, Paulo Guedes. Na quarta-feira (22), o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, coordenou a apresentação de um plano de investimentos públicos em infraestrutura, com estimativa de R$ 30 bilhões destinados a obras até 2022. Uma das questões que chamaram a atenção foi a ausência de Guedes no lançamento do programa, batizado como Pró-Brasil.
Ao assumir a pasta da Economia em 2019, o ministro prometeu reduzir o tamanho do Estado e destravar privatizações. Ou seja, a ideia de retomar investimentos públicos vai na contramão do ideário liberal defendido por Guedes e celebrado pela maior parte do mercado financeiro.
— O plano lançado pelo governo contraria totalmente a postura do Ministério da Economia. Não dá para entender. Tanto é que se passou a falar em uma possível queda do ministro Guedes — pontua Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating.