O dólar comercial fechou esta quinta-feira (7) valendo R$ 5,8399, renovando o recorde de maior cotação nominal desde a implementação do Plano Real, em 1994. O valor representa alta de 2,39% frente ao dia anterior. Desde março, quando a crise do coronavírus se intensificou no Brasil, a valorização da moeda norte-americana chega a 30,3%. Já no acumulado do ano a elevação alcança 45,5%.
Ainda que a divisa dos Estados Unidos apresentasse viés de alta nas semanas anteriores, o corte de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juro brasileira acelerou a depreciação do real na quinta. Na noite de quarta, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central optou por baixar a Selic de 3,75% para 3% ao ano, na tentativa de estimular a economia no momento que o país se encaminha para enfrentar nova recessão econômica.
— O juro básico no Brasil está bem próximo ao patamar de países desenvolvidos. A Selic mais baixa estimula a saída de investidores de aplicações de renda fixa e pressiona o câmbio — avalia Denilson Alencastro, economista-chefe da Geral Asset.
Com a queda no juro básico, o retorno das aplicações de renda fixa cai. Isso diminui a atratividade do Brasil para investidores estrangeiros, que retiram o dinheiro do país em busca de outros destinos com melhor remuneração ou maior grau de segurança. Nesse sentido, Alencastro pontua que a instabilidade política do país, com as recentes mudanças no governo Jair Bolsonaro, também contribui para a depreciação do real.
Em 2020, o real é uma das moedas mais desvalorizadas do mundo. Para efeito de comparação, no ano, o dólar subiu 27% frente ao peso mexicano, 19% em relação ao rublo russo e à lira tura e 12% contra o peso argentino
Entre analistas do mercado financeiro, há consenso de que o dólar deverá seguir com viés de alta, podendo alcançar até mesmo a marca dos R$ 6. Nas casas de câmbio de Porto Alegre, o dólar turismo já era vendido a R$ 6,15 nesta quinta.
— Quando analisamos os vetores internos e externos que explicam a dinâmica da taxa de câmbio, vemos uma tendência de que o dólar continue se fortalecendo frente ao real. O patamar verificado em 2019 não deve voltar a acontecer tão cedo — complementa Oscar Frank, economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA).
Frank lembra que a disparada do dólar influencia os preços de uma série de produtos e impacta os custos operacionais de diversas empresas. Artigos de vestuário, eletrônicos e outros itens importados ficam mais caros.
Impacto na indústria
Para a indústria gaúcha, o câmbio no atual patamar implica no aumento imediato dos custos de matérias-primas importadas. A situação também se reflete nas dívidas atreladas ao dólar, algo comum para empresas com atuação internacional. Nesses casos, um aspecto que pode atenuar o impacto no endividamento é a formação de caixa em dólar. Ainda assim, o ganho competitividade nas exportações de produtos feitos no Estado se torna uma incógnita em meio à pandemia global.
— Diferentemente de outros momentos, não sabemos como o mercado externo vai se comportar. Vemos uma contração de demanda no Brasil e no mundo inteiro. Em uma recessão global é difícil esperar por crescimento das exportações para compensar o aumento nos custos – destaca André Nunes de Nunes, economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs).
Na agricultura, a valorização do dólar vem segurando a cotação da soja em patamares acima da média na conversão para reais. No Estado, a saca da oleaginosa já é negociada acima dos R$ 100. Por outro lado, nos próximos meses, os insumos utilizados na formação das próximas safras de inverno e verão tendem a sofrer reajustes.
— Neste momento, o dólar influencia mais a receita do que os custos, porque o volume de venda da produção é maior do que o de compra de insumos — explica Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul). Além disso, o dólar valorizado faz com que o trigo, um dos produtos agrícolas que o Brasil mais compra de outros países, encareça. Isso acaba se refletindo nos preços de pães, massas e bolachas.
Fundos cambiais acompanham valorização da moeda
Em meio a um contexto marcado pela perda de atratividade das aplicações de renda fixa e pela volatilidade acentuada da bolsa de valores de São Paulo, investidores começaram a olhar com mais atenção para ativos atrelados ao dólar. O movimento não ocorre à toa. No ano, fundos cambiais apresentam valorização acima de 40%, enquanto o certificado de depósito interbancário (CDI) avança 1,3% e o Ibovespa acumula queda de 31%
Gestor de fundos da Warren, Thomaz Fortes constata que nos últimos meses muitos investidores passaram a alocar recursos em produtos financeiros com retorno influenciado pela variação do dólar. Antes mesmo da crise do coronavírus, muitas corretoras já recomendavam a inclusão de ativos atrelados à moeda norte-americana na carteira. Neste momento, Fortes recomenda cautela e salienta que o retorno do passado não significa garantia de lucro no futuro.
— Quem montou posição em dólar, tem conseguido bom retorno. Mas o investidor tem de cuidar o viés de retrovisor. Se a pessoa entra agora (em um fundo cambial), ali na frente o dólar pode parar de subir e vira a tendência — constata.
Fortes reforça que as opções para quem deseja "dolarizar" a carteira de investimentos vão além dos fundos cambiais. O gestor lembra que há oportunidades na compra de títulos de empresas brasileiras negociados no Exterior, os chamados bonds, e em fundos brasileiros com exposição em ações de empresas norte-americanas. Outra alternativa são os ETFs, fundos que replicam índices das bolsas dos Estados Unidos.