A crise no PSL, que opõe o presidente Jair Bolsonaro e a cúpula do partido, tem afetado a rotina em Brasília e impactado o mercado – e mesmo a evolução das bandeiras de campanha que encantaram o eleitor conservador. Enquanto se movimentava para isolar o grupo do presidente do PSL, o deputado Luciano Bivar (PE), Bolsonaro sofreu derrotas de peso. Agora, em meio aos problemas partidários no Brasil, Bolsonaro vai se afastar um pouco dessa crise para embarcar na segunda-feira (21), acompanhado de pelo menos sete ministros e mais de uma centena de empresários, para sua mais importante e delicada viagem internacional desde a posse.
Serão cinco países em nove dias. Entre os destinos, estão nações fundamentais para os negócios brasileiros, como a China, principal parceiro comercial, e três árabes: Catar, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita. A viagem será um teste para a diplomacia brasileira – e, em especial, para o presidente. A China é o adversário número 1 dos Estados Unidos, com quem o Palácio do Planalto tem prometido alinhamento automático. O gigante asiático, uma ditadura comunista que celebrou, em outubro, 70 anos, encarna, do ponto de vista ideológico, todo o mal que Bolsonaro criticou durante a eleição.
Sete meses antes, como pré-candidato, Bolsonaro havia visitado Taiwan, considerada província rebelde por Pequim e até hoje reivindicada como seu território. O governo chinês, por meio da embaixada em Brasília, protestou contra a visita. O dragão asiático é ainda alvo preferido do escritor Olavo de Carvalho, guru do setor ideológico do governo, entre os quais o chanceler Ernesto Araújo, o assessor internacional Filipe Martins e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Principal cliente do país, a China comprou US$ 63,92 bilhões (R$ 259,3 bilhões) em 2018, o equivalente a 26,7% das exportações brasileiras. As aquisições feitas lá representaram 19% de nossas importações totais. O grande interessado nas boas relações é o agronegócio, já que os três produtos mais vendidos para a China são soja (43%), óleos brutos de petróleo (23%) e minério de ferro (17%).
Cada frase ou gesto do presidente estará sob escrutínio dos chineses a partir do dia 26, quando Bolsonaro chegará a Pequim depois da visita ao Japão para a entronização do novo imperador, Naruhito. No Itamaraty, a ordem é pragmatismo: mostrar-se aberto aos anfitriões e aos investimentos bilionários, sem desagradar ao governo Donald Trump.
Também a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ajudou a polir arestas, apoiando o candidato chinês em substituição ao brasileiro José Graziano da Silva à frente da FAO, a agência da ONU para alimentação. O regime chinês espera duas sinalizações importantes: o Brasil se mantenha neutro na guerra comercial com os EUA e as empresas chinesas sejam bem-vindas.
Apesar do tamanho do comércio entre Brasil e China, não está previsto nenhum anúncio relevante. Devem ser assinados protocolos fitossanitários liberando a exportação de farelo de soja e frutas, além da certificação de mais frigoríficos para a venda de carne. Mas pode ganhar fôlego negociação sobre a participação do Brasil na Belt and Road Initiative (Nova Rota da Seda), série de investimentos em transporte e infraestrutura terrestres e marítimas conectando Europa, Oriente Médio, Ásia e África. Inicialmente, a América do Sul, terreno de influência política norte-americana, não estaria no projeto, mas países como o Chile já mostraram interesse.
Outro assunto que pode aparecer – com capacidade de constranger o governo – é a Huawei, empresa chinesa demonizada por Trump. No próximo ano, o Brasil terá de decidir se vai ou não bloquear a companhia do leilão da 5G. Se bloquear a Huawei, pode haver retaliação chinesa. Se não o fizer, a aproximação com os americanos estará seriamente ameaçada.
Interesse em vender e em atrair fundos bilionários
No caminho de volta do Extremo Oriente, o presidente Jair Bolsonaro pisará em uma das regiões mais delicadas do planeta de olho nos bilhões de dólares das ricas monarquias do Golfo Pérsico, mas também com o objetivo de colocar, ao menos por enquanto, ponto final ao mal-estar criado com os árabes em razão da promessa de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. Para o Palácio do Planalto, a polêmica está encerrada com a decisão de abrir um escritório comercial (com status menor do que uma representação diplomática) na Cidade Sagrada – cuja parte leste é reivindicada pelos palestinos como capital de seu futuro Estado. No auge da crise, os países da Liga Árabe ameaçaram boicotar produtos brasileiros.
Ainda concentrados nos Estados Unidos e na União Europeia (UE), os fundos soberanos dos três países árabes que serão visitados por Bolsonaro – Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos – procuram oportunidades confiáveis e rentáveis. Somente os dos Emirados Árabes Unidos contam com mais de US$ 1 trilhão. O governo brasileiro quer uma parcela maior dessa quantia no país, que hoje se limita a US$ 5 bilhões. A comitiva deve propagandear projetos em infraestrutura, energias renováveis, saúde, defesa e pré-sal. Apenas do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), 18 projetos de concessões e privatizações estimados em R$ 1,23 bilhão serão sugeridos. A venda do novo KC-390, avião militar da Embraer, também está no cardápio.