Anunciada ao mercado financeiro nesta terça-feira (10), a nova oferta de ações do Banrisul pode render ao menos R$ 2,2 bilhões ao Estado e ajudar o governador Eduardo Leite a quitar os salários de agosto do funcionalismo. A tendência é de que o dinheiro entre em caixa ainda neste mês e seja usado para abater dívidas, liberando recursos para a folha. A medida é alvo de controvérsia.
Em banho-maria desde a gestão passada, a oferta de papéis do banco é um dos pilares da estratégia de Leite para voltar a pagar os servidores em dia até o fim de 2019.
Em junho, o Palácio Piratini já havia comunicado a intenção de concretizar a venda, mas a transação acabou suspensa por decisão da Justiça, revertida no fim de agosto.
Agora, Leite vai ofertar 96,3 milhões de ações ordinárias (com direito a voto), garantindo a manutenção do controle estatal sobre o banco (o Estado possui, hoje, 200 milhões de ações do tipo). Pelo cronograma divulgado, as negociações terão início em 19 de setembro, na bolsa de valores de São Paulo (B3), e a liquidação será no dia 20.
Para evitar problemas com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão responsável por regular a operação, o governo não se manifesta sobre o assunto. Por determinação legal, conforme o Piratini, é necessário respeitar um "período de silêncio".
Como Leite se comprometeu, nas eleições, a não usar recursos da venda de patrimônio para cobrir despesas de custeio, a tendência é de que a receita extra seja aplicada no abatimento de passivos. Entre as pendências herdadas de administrações passadas, estão as parcelas devidas na área da saúde e o 13º de 2018. Com isso, será possível liberar verbas do orçamento para, aí sim, pagar a folha.
No entendimento de Leite, isso não representa quebra de compromisso, embora o dinheiro tenha como destino o caixa único e não seja carimbado.
— Passivo é passado. Custeio é presente. O custeio do passado, como virou passivo, vai ser pago — disse o governador, em almoço com jornalistas, em julho.
Nos bastidores, a avaliação é de que não há alternativa para fazer frente à crise. Já são 45 meses de atrasos na folha, sendo que as remunerações de agosto devem ser quitadas apenas em 11 de outubro. Essa data poderá ser antecipada com a venda das ações.
Tanto os rumos do dinheiro quanto a operação em si são motivos de dúvidas.
— Para quem trabalha no dia a dia do mercado, essa operação é muito malvista por uma razão simples: o governo está desvalorizando uma parcela importante de seu patrimônio. Está vendendo quase 50% de sua posição, a um preço relativamente baixo, que poderia ser muito maior numa privatização — sintetiza Wagner Salaverry, sócio da gestora de fundos Quantitas.
Professor de Economia da ESPM-Porto Alegre, Fábio Pesavento concorda, mas diz compreender a decisão do governador.
— Entendo Eduardo Leite. Ele está dirigindo o carro, tem sérios problemas e precisa tomar medidas, mas está privilegiando o curto prazo em detrimento do longo prazo. A venda pulverizada de ações é prejudicial ao Estado. Outro ponto questionável é o destino do dinheiro. Leite pode usar a retórica que quiser. O fato é que todos sabemos para onde vai o recurso. Lamento, mas me coloco no lugar dele — pondera Pesavento.
O debate também preocupa parlamentares, em especial o deputado estadual Fábio Ostermann (Novo). Junto de Sebastião Melo (MDB), ele sugeriu audiência pública para ouvir o governo sobre como serão aplicados os ganhos. Alegando limitações da CVM, nenhum dos convidados compareceu. Ostermann planeja fazer nova tentativa.
— Transparência não é favor. É dever. Sabemos que o governador quer regularizar o pagamento da folha, mas, se vai mesmo usar o dinheiro para isso, que assuma publicamente — afirma o deputado.
Ouça a entrevista com Wagner Salaverry, sócio da gestora de fundos Quantitas:
Diferencial por segurança
Haverá um diferencial na operação anunciada por Leite, em relação a ofertas anteriores: a compra das ações poderá ser feita somente por investidores profissionais. Além disso, os papéis também serão ofertados no Exterior.
— No Brasil, esse tipo de oferta é limitada a 75 investidores. Os bancos ligam para os gestores de recursos e perguntam se estão interessados. Desses, somente 50 ofertas são aceitas, conforme o preço de corte definido entre os bancos e o Banrisul — explica o sócio da gestora de fundos Quantitas Wagner Salaverry.
Pessoas físicas que não sejam gestores autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou que não tenham R$ 10 milhões em ativos não poderão participar da oferta. Valerá apenas para fundos, clubes, entidades de previdência, entre outros.
— Isso é para reduzir problemas. Quando se vende para profissionais, não se corre o risco de o comprador das ações reclamar dizendo que não entendeu direito a operação. O vendedor, no caso o governo, se protege bastante de reclamações na CVM — complementa Salaverry.
Resultado financeiro do banco
- O Banrisul registrou lucro líquido de R$ 655,3 milhões nos primeiros seis meses do ano, crescimento de 29,5% em relação ao mesmo período de 2018
- O patrimônio líquido do banco atingiu R$ 7,5 bilhões em junho de 2019, 6,9% acima da posição de junho de 2018.